Bustos

Já cá faltavam as boas almas a desancarem o PCP, os Verdes e o BE pela oposição que aqueles partidos manifestaram à presença dos bustos dos “presidentes” nomeados por Salazar na exposição da Assembleia da República. Pois eu subscrevo o protesto daqueles deputados. E isso não tem nada a ver com o “apagar da história” com que tanto se preocupam alguns.

Deixando de lado o facto de a exposição de bustos ter sempre associada a ideia de homenagem – dou de barato que não será esse o caso – a questão é de saber se o tempo que vivemos é a 2ª ou a 3ª República, ou seja, se o período fascista foi uma fase da República Portuguesa. Se esse regime se plasma numa “res-publica”, coisa do povo, coisa pública. Na minha modesta opinião, não. Logo, é totalmente desadequado classificar os três títeres fascistas como “presidentes da república”, já que tal república não existia. Não podemos ficar reféns da dicotomia república-monarquia. Diria mesmo, talvez para escândalo de alguns, que a monarquia constitucional em Portugal teve momentos mais próximos dos valores republicanos que o Salazarismo.

Comments

  1. coelhopereira says:

    Toda esta história dos bustos na AR nos deve remeter para uma discussão muitíssimo mais profunda do que aquela que está a ser feita ao redor (e sublinho, AO REDOR) deste triste episódio.
    Há um problema que subjaz a (e potencia) iniciativas como esta: esse problema é o da falta de um sério, crítico e profundo questionamento de uma certa historiografia benévola do devir multissecular desta Nação. Não pondo em causa o novíssimo e excelente trabalho de historiadoras e de historiadores da craveira de Dalila Cabrita Mateus, Irene Flunser Pimentel ou Fernando Rosas (que me perdoem os que aqui não refiro), há, ainda hoje, no público leigo, um amor assolapado pelas teses benévolas de um certo pretérito historiografismo rançoso de matriz estado-novista ensinado, “ad nauseam”, a gerações e gerações de portugueses. O Império, a vocação “humanista” e “multirracial” do mesmo, o mito da brandura de costumes de um regime “musculado”, mas “paternalista”, que aplicava uns benévolos e imperativos tabefes a uns quantos comunas que pretendiam desconcertar a ampla harmonia ventilada sobre a Nação pelas batentes asinhas do ascético Santinho de Santa Comba, a lenda dourada de um Império do “Minho a Timor” exclusivamente conseguido pela persuasão da cruz e pela gravidez do ventre nativo, a patranha de uma Guerra Colonial “limpa”, que mais se não propunha do que a filantrópica e utópica salvação dos três paraísos do intemporal luso-tropicalismo, tudo isso calou fundo no nosso povo. Tais pretensões já foram há muito desbancadas, de forma inexorável e definitiva, pelas monumentais análises de Charles R. Boxer, de Pelessier e de Basil Davidson. Mas, quem delas teve conhecimento? Quem as leu com atenção? Quem as discutiu? Quem delas retirou conclusões? Sem essa discussão, sem essa ampla e profunda discussão, episódios destes vão continuar a acontecer.

    • A minha intenção nesta nota, coelhopereira, era demasiado modesta para corresponder às suas sugestões de abordagem – com as quais me identifico, repare -, que convocam uma discussão muito mais complexa, incompatível com estes pequenos comentários. Além dos nomes que refere, eu acrescentaria o de Fernando Catroga, autor incontornável quando se abordam estas questões. Penso, ainda, que o problema que circunscrevo no meu pequeno texto é relevante e está mal resolvido na história enquanto ciência e no senso comum sobre este tema como, de resto, sobre os temas que justamente aborda no seu comentário.

      • coelhopereira says:

        Acrescentou o nome de Fernando Catroga e acrescentou muito bem, meu caro José Gabriel.
        Os meus sinceros cumprimentos.

  2. BustyGirl says:

    O meu amigo não arranja uma narrativa para eliminar também o Spínola, que nem sequer foi eleito e que por pouco não nos fez regressara um passado silencioso ?

    • Nem considerei tal figurão, BustyGirl. A questão de Spínola começa, até, com um absurdo equívoco aquando da sua nomeação para presidente da Junta de Salvação Nacional e, nessa condição, Presidente da República. É que a suposta ligação desse general de opereta ao 25 de Abril é um mito que só prospera nas condições de estado de necessidade da altura. Quando o Partido Comunista integrou o governo provisório, um amigo garantia: “agora, ou sai o Spínola ou sai o PCP”. Saiu o general. Porém, após as conspirações contra a democracia em que participou ou apoiou, foi reciclado em democrata pelo Mário Soares, de quem foi chefe da casa militar. E chegado aqui, faço silencio, que as gentes estão muito nervosas.

      • BustyGirl says:

        Muito bem, boa narrativa. Acaba-se com o Spínola também. Já agora, o crustáceo Cavaco também merecia uns patins. Consegue-lhos arranjar ?

        • Pede-me o impossível, BustyGirl. É que o inefável Aníbal Cavaco foi eleito pela maioria dos portugueses votantes. É triste, mas é verdade. Não tenho narrativa que nos console, mas posso dizer à maioria dos eleitores do sr. Silva: quiseram-no? Agora aguentem-se. Mas nós, nós – os outros – não merecíamos isto!…

  3. Marquês Barão says:

    “Os povos que não podem ou não querem confrontar-se com o seu passado histórico estão fadados a repeti-lo”

    • Não deve estar a referir-se a mim, Marquês Barão. Eu confronto-me com o passado, digo o que penso e assumo as consequências. Como sempre fiz. Mesmo no tempo dos ditos “presidentes”.

      • Marquês Barão says:

        Não sou suficientemente importante para me referir a si, José Gabriel. O que escrevi é uma citação universal que retive de autor que não recordo o nome. Também por gostar de dizer o que penso é que no Aventar me sinto á vontade.

  4. Josand says:

    E Afonso Henriques? Deve ser apagado?
    Ao que se conta era um assassino de mouros.

    É estranho serem permitidos partidos antipatrióticos numa Assembleia da República…

    Já agora, como se pode classificar este tipo de censura( todo este berreiro acerca de bustos de presidentes da República)?

  5. Eu escandalizo-me com a comparação da 1ª república com a Monarquia Constitucional: é que neste último as liberdades eram bem mais amplas e não andavam permanentemente às bombas (pelo menos a partir da Maria da Fonte) como no patético regime de 1910-1926. Resta dizer que os presidentes desse tempo também não eram eleitos (excepção duvidosa para o Sidónio), por isso, e seguindo o critério democrático, não se percebe o que fazem eles naquele friso.

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