Bipolaridades ditatoriais

ditador

A condição de ditador/opressor é, regra geral, uma questão ambígua. Principalmente quando observada com os óculos moralistas do Ocidente. Os mesmos EUA que treinaram e armaram a Al-Qaeda também os perseguiram até ao dia em que apanharam, mataram e atiraram ao mar Osama Bin Laden – or so they say – não fosse a sua sepultura tornar-se local de culto. Como se isso mudasse alguma coisa. Ainda no campo do financiamento norte-americano a grupos fundamentalistas islâmicos, é importante sublinhar que muitos dos actuais soldados jihadistas do Estado Islâmico são precisamente aqueles que receberam armas e outros recursos de Washington para combater Al-Assad mas que, em determinado momento, decidiram mudar de guerra. Estavam fartos daquela, precisavam de novos desafios. Empreendedorismos.

Exemplos como os acima descritos são mais que muitos. A seu tempo, homens como Saddam, Khadafi ou Al-Assad foram úteis aos interesses ocidentais, e como tal recebidos com honras de estado e os seus abusos ignorados como se nada de errado houvesse com os seus regimes. Da mesma forma, outros ditadores como o Rei Abdallah da Arábia Saudita, que continua a executar sauditas por crimes tão horripilantes como a prática de bruxaria, continuam a ser amplamente tolerados e longe de serem colocados no mesmo saco que gente do exacto mesmo calibre como Kim Jong-un. Outros ainda passam de bestial a besta e vice-versa com particular velocidade. Putin será talvez o melhor exemplo: num dia está a dar abraços aos amiguinhos do G-20, no outro é sancionado por todos eles em bloco, ainda que com salvaguardas que não coloquem em causa o superior interesse das indústrias petrolíferas. Defender a democracia sim senhor mas sem aborrecer quem financia as campanhas na terra do tio Sam.

(NOTA: se a determinado momento entenderem que a crítica ao Ocidente está demasiadamente centrada nos EUA, tal deriva do facto de o autor não distinguir entre o dono e os seus animais de estimação. Os EUA dizem e a Europa abana a cabeça com a língua de fora. Neste contexto, Portugal sempre foi um excelente puppy de sucessivas administrações norte-americanas. Não deve ser à toa que Obama tem um cão-d’água português)

Depois temos a China. Quando eu era miúdo, as notícias sobre a China eram sempre terríveis: crianças a trabalhar a troco de nada (regra geral para empresas ocidentais), manifestantes massacrados em Tianamen, as famosas e assustadoras salas da morte, milhões submetidos a uma elite ligada ao partido único, ausência de liberdade de expressão e tantas outras singularidades que distinguem regimes desta natureza, que apesar de profundamente capitalistas, ainda conseguem ser vistos como melhores do que aqueles que temos na Europa por alguma esquerda em permanente negação, saudosista dos tempos do outro senhor.

Neste quadro, o elogio do investimento chinês, que hoje açambarca literalmente o processo de privatizações em Portugal, é paradoxal. A China continua a ser um regime de partido único, para além do qual não existe liberdade política, tem severas restrições à circulação de informação e à liberdade de expressão, continua a ser repressivo com qualquer dissidente, explora uma parte muito significativa da sua população e partilha com o Ocidente todas as premissas de uma elite política corrupta que faz uso dos recursos do estado para viver uma vida de opulência. Estes, meus caros, são actualmente parceiros preferenciais do Estado Português e o seu investimento é por cá muito apreciado. Tão apreciado que inventamos uma forma de lhes poder vender a nacionalidade portuguesa (e por conseguinte a mobilidade no Espaço Schengen) a troco de uns míseros 500 mil euros, valor que, regra geral, é usado para comprar casas de milionários falidos e pouco ou nenhum impacto tem na vida do cidadão comum. Se qualquer dinheiro vale, plantem marijuana no Algarve que parece que cresce lá muito bem! Se a Holanda pode, porque não havemos também nós de poder? Afinal de contas, vivemos no país onde acabou de nascer uma pioneira confraria infanto-juvenil dedicada a uma das drogas que mais afectam a nossa sociedade. Mais droga, menos droga…

Confesso que não me causa grande espanto ou revolta que negociemos com a China. Afinal de contas, também negociamos com os EUA que mata mais inocentes por dia do que qualquer outro estado, regra geral sem motivos plausíveis que o justifiquem. Isto para não falar do facto de permitirmos que a filha do presidente de Angola (entre outros membros da elite de Luanda) use dinheiro roubado aos angolanos para comprar a lavandaria Portugal a preço de saldo. Mas não deixa de ser curioso que gente dita moderada dos partidos do centro, cujas bases enchem frequentemente a boca para atacar figuras como Isabel dos Santos, Nicolás Maduro ou Xi Jinping, vejam estas pessoas como parceiros comerciais altamente relevantes. Não bate certo com a propaganda percebem? Não seria mais fácil explicar aos militantes dos partidos que dirigem (CDS incluído) que a ideologia já não existe e que o que interessa é, como frisou recentemente o secretário de Estado dos Transportes, o projecto e não a origem do dinheiro? Deixem-se de moralismos e já agora de ser palhaços. A menos que sofram de bipolaridade. Nesse caso estão perdoados e podem continuar a balir.

Paulo Portas, homem habituado a passar com engenho por entre os pingos da chuva, diz-se um político da direita conservadora, essa que sonha com comunistas a comer crianças ao pequeno-almoço, mas nunca se inibiu de trabalhar com afinco para criar pontes com os chefes de estado que os miúdos da sua jota gostam de achincalhar nas redes sociais. Hugo Chavez, agora Nicolás Maduro ou Eduardo dos Santos são apenas alguns exemplos. Claro que Portas é tão engenhoso a governar como a esquivar-se da precipitação. Ele anda ali na dele porque, como o próprio uma vez disse, os partidos são uma maçada e estão cheios de quadros medíocres que não têm mais o que fazer na vida. Claro que para quem tinha a certeza que nunca haveria de fazer política e agora anda a “irrevogabilizar” por aí, não admira que o processo em curso dos vistos gold nem o chegue a beliscar. Ou não fosse ele o seu Gepetto. Mas enquanto se sacrificarem uns cordeiros e a malta achar que a justiça está finalmente a funcionar está tudo bem. Até lá, saudemos o investimento externo, venha ele de onde vier. Mas Deus nos livre de deixar aterrar o Evo Morales em solo nacional que o gajo é um radical e pode trazer o perigoso Edward Snowden a bordo.

Comments

  1. Reblogged this on O Retiro do Sossego.

  2. joao lopes says:

    só o paulo portas sozinho,afundou portugal…em 1000 M euros(preço dos submarinos) .isto sim,é empreendorismo…ditatorial.quanto aos “meninos” do cds,é vê-los de camisa azul cheios de nodoas de agua pè em plena feira…da golega(e com a famosa boina),tipo marialvas.

  3. João Mendes, peço-lhe desculpa,porque o meu comentário devia estar noutro post, na impossibilidade de o fazer faço esta tentativa:

    Bandalhos, são todos uns bandalhos

    20/11/2014 por Ricardo Ferreira Pinto 5 Comentários

     Fiquei boaquiaberto quando ouvi, mas se tivesse pensado bem não teria ficado assim tanto. José Lello do PS e Coito dos Santos do PSD vão propor na Assembleia da República a reposição da subvenção vitalícia dos deputados. E pelo que tem vindo a público, os respectivos grupos parlamentares já se preparam para fazer aprovar a medida.
    A lei da vergonha de todos os que a assinaram em 1984 (Governo do… Bloco Central) vai ter mais um capítulo. De novo o Bloco Central dos interesses, agora os puramente pessoais, atropelando tudo o que diga respeito à ética republicana, seja lá o que isso for, à moral ou à simples dignidade humana.
    Que essa gentalha tenha a coragem de propor essa medida já não me admira. Mas que um bando de centenas de energúmenos vá atrás, esquecendo tudo o que se foi aprovando nos últimos anos, é algo que me escapa. Não dos energúmenos e parasitas do PSD ou do CDS – desses espera-se tudo. Mas dos paladinos da verdade na política do PS, lembro-me assim de repente do cínico João Galamba ou da histriónica Isabel Moreira, desses – embora nada se espere  – assinala-se o facto de concordarem pela primeira vez com o PSD. Quanto a António Costa, já mostrou ao que vem, se é que ainda não se tinha percebido.
    Até o PCP ficou calado. Enquanto se discutem os cortes nas pensões e nos salários, o PCP ficou calado. Calado! Será culpado por omissão, já que é fácil votar contra quando se sabe que a medida será aprovada na mesma.
    Bandalhos, são todos uns bandalhos. Gente com quem tenho vergonha de partilhar a nacionalidade.
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    Filed Under: política nacionalTagged With: subvenção vitalícia dos deputados

    « Uma questão de vergonha

    Comments

    mfc says:

    20/11/2014 às 16:59

    O Bloco, por convicção irá votar contra.
    Já temos os exemplos da recusa dessa subvenção por parte do Louçã, da Ana Drago e da deputada ao Parlamento Europeu que saíu este ano.

    Responder

    Ernesto Martins Vaz Ribeirosays:

    20/11/2014 às 17:15

    Há quarenta anos que é assim, o poder pelo poder, não havendo aqui lugar a qualquer tipo de ética.
    Depois de quarenta anos de verdadeiras alarvidades políticas, sociais, económicas e culturais esperar desta gente qualquer tipo de ética, é acreditar no Pai Natal.
    Este país é uma coutada com coitos que praticam o coito com o povo e outros que não sendo coitos, fecundam a mesma gente. Mas o curioso é que ou coitados ou fecundados, o povo vai continuar a elegê-los.
    Terá ética um povo que assim procede?

    Responder

    joao lopes says:

    20/11/2014 às 18:58

    só uma pergunta irónica:o psd tem mesmo um deputado chamado COITO DOS SANTOS? ui ,se isto é verdade, esta explicada a incompetencia do governo:é do coito…interrompido e santificado.amen

    Responder

    kruzes says:

    20/11/2014 às 19:58

    E andam estes indivíduos a pregar pela necessidade de fazer sacrifícios e o camandro… Grandes filhos de uma senhora que presta serviços vários à beira da estrada! Sem ofensa para estas, claro.

    Rui Pedro says:

    20/11/2014 às 20:34

    MUITOS PARABÉNS!!! CONCORDO EM ABSOLUTO!
    TAMBÉM EU TENHO VERGONHA DESTES BANDALHOS, BADAMECOS, PARTILHAREM A MINHA NACIONALIDADE.
    PARABÉNS!!!!!
     

    Responder

    adelinoferreira45 says:

    20/11/2014 às 21:14

    O seu comentário aguarda moderação.

    Por acaso durante a tarde ao ligar a tv consegui ouvir(julgo dos chamados passos perdidos da AR) o deputado do PCP João Oliveira e do que disse fiquei com a sensação que o PCP se opõe. Se calhar ouvi mal…

     

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