Ainda sobre o Natal dos Partidos

Partidos garantem que nova lei do financiamento não aumenta encargos do Estado“, lê-se no Público. Por acaso é mentira, se bem que o ponto central nem são os custos.

Recordando, em causa está uma lei aprovada sem discussão pública, algo à socapa graças à sombra do Natal, na qual “deixa de haver qualquer limite para os fundos que venham a ser angariados”, onde “os partidos passam a ter devolvido todo o IVA que pagam” e onde “passam a poder ocupar gratuitamente espaços e imóveis detidos pelo Estado ou por Instituições Privadas de Solidariedade Social. Os segundo e terceiro pontos constituem um aumento de encargos para o Estado por via da diminuição de receitas.

Se bem que partidos aprovarem legislação sem discussão pública e onde os próprios são parte interessada é um péssimo sinal que o regime dá, a problemática está no conteúdo do que foi aprovado. Removendo a limitação à angariação de fundos partidários e atendendo à devolução do IVA, os partidos podem passar a fazer lavagem de dinheiro e abrem a porta a que um indivíduo ou organização compre um partido. É de sublinhar que se não queremos que uma situação aconteça, então não lhe estendemos uma passadeira. Estas duas medidas significam, também, um bloqueio ao surgimento de novos partidos, que terão que confrontar potenciais gigantes financeiros.

Se a ligação entre negócios e política já é fonte de grandes males para o país, a possibilidade de negócios financiarem sem limite a actividade partidária, promovendo, em termos práticos, a compra do poder, lança a maior das preocupações sobre a nossa democracia. Imagine-se, por exemplo, que o BES, além de ter nomeado ministros e outros políticos durante décadas, também tinha sido o financiador legal de um partido. Sabemos que o banco conduziu indirectamente, em grande medida, as políticas nacionais durante o seu reinado. Até onde teria ido se tivesse podido financiar sem limites um partido? Quem diz BES, diz PT, EDP, BPN e qualquer outro dinossauro  que tivemos.

A solução terá que passar por algo na linha do que o Hélder defendeu anteriormente. Os custos nunca são só o valor directo do financiamento partidário. A envolvente é bem mais significativa, como já todos terão percebido graças ao dinheiro que até hoje foi enterrado a salvar bancos – este, sim, entre outros, é o verdadeiro custo do financiamento partidário.

Comments

  1. Rui Naldinho says:

    Esta lei, só pelo facto de ter sido discutida em surdina e trabalhada às escondidas, demonstra logo e bem, a classe e a estirpe dos seus promotores. Isto faz-me lembrar os clubes de futebol e o negócio envolvente à modalidade, naquilo que ele tem de pior.
    Por outro lado fico com a sensação de que o PS enrascado com uma dívida antiga, resquícios dos tempos Socráticos, e do qual não se conseguia livrar, propôs aos seus parceiros, em especial ao PSD e ao PCP, um negócio de “ciganos”.
    O PS sai da enrascada com direito a um “perdão de dívida” retroactivo, dando ao PCP e ao PSD roda livre para se financiar sem dar “cavaco” às tropas.
    As cedências que o PS fez devem ser boas para o PSD abrir mão das suas habituais intransigências, o PCP e o BE aproveitam a onda e ficam também calados. O CDS esteve calado até há três dias, mas resolveu agora dar uma virgem ofendida, a ver se cola.

  2. Paulo Marques says:

    O BE esclarece que o IVA é uma questão pedida pelo tribunal constitucional, mas fica-se por aí.
    Eu é que não me sinto esclarecido sobre porque é que o suborno é legal, não é por ser o estado a financiar os partidos de uma maneira ou de outra.

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