Sócrates foi corrompido mas não faz mal: o caso prescreveu e não se fala mais nisso

Foram mais de três penosas horas de leitura do longo resumo do gigantesco processo. Durante a mesma, Ivo Rosa lá nos explicou que ou está tudo prescrito, ou não foi produzida prova suficiente que permita sustentar grande parte das acusações, ou não houve intenção, ou não é possível estabelecer uma relação entre os milhões que por aí circularam – e que, estranhamente, foram aparecer nas contas de Sócrates e Carlos Santos Silva – e qualquer acto ilícito. No fim da linha, eis-nos pois, perante o habitual cenário: os poderosos voltaram a safar-se do crime que verdadeiramente interessava: o de corrupção. Isto apesar de Ivo Rosa ter assumido que Sócrates foi corrompido. Parafraseando uma antiga procuradora, “Portugal não é um país corrupto”. Ficamos todos muito mais descansados.

Segue-se um julgamento com tudo para dar em nada, durante o qual Sócrates, Salgado, Santos Silva, Armando Vara e João Perna responderão por crimes menores (quando comparados com o crime de corrupção). Mas, pior que isso, segue-se um perigoso aprofundar do descrédito em que caiu a justiça, que, por não funcionar com os Sócrates e os Salgados desta vida, passa a ser considerada, por cada vez mais pessoas, como um todo inútil e ineficaz, pese embora o seu bom funcionamento noutras áreas. Até nisto, Sócrates, Salgado e restante pandilha são um cancro social: não só se safam, como descredibilizam ainda mais as instituições, que há muito se arrastam pelas ruas da amargura.

Contudo, e notem a ironia, Ivo Rosa deixou claro que Sócrates foi corrompido. Azar da populaça, o crime já prescreveu. Como prescrevem, todos os anos, inúmeros crimes cometidos por actuais e antigos legisladores, por actuais e antigos governantes, por actuais e antigos autarcas, por actuais e antigos gestores públicos. E porquê? Essencialmente porque vivemos numa realidade promiscua, em que os senhores deputados legislam de manhã no Parlamento e à tarde nos grandes escritórios de advocacia de Lisboa e Porto, produzindo e adaptando os mais variados estratagemas jurídicos, transformados em lei, que permitem inúmeras escapatória para os profissionais do crime de colarinho branco, que começam na morosidade que resulta da ineficácia intencional do sistema, atravessam todo um emaranhado labiríntico de procedimentos que faz com que os grandes processos se arrastem ad eternum, e, invariavelmente, terminam nas famosas prescrições. O crime foi cometido na mesma, é passível de ser provado, mas o cronómetro já tinha chegado ao zero. Que chatice!

Sócrates, e outros como ele que passaram com igual facilidade por entre os pingos da chuva, são a maior causa de atraso do nosso país. Representam o desprezo pela boa gestão da coisa pública, representam a promiscuidade e o vale tudo que caracteriza boa parte das elites políticas e empresariais deste pais, representam o regime de impunidade que assiste aos poderosos e representam a falência do regime democrático e do Estado de Direito, que sucumbe perante o peso do estado de corrupção permanente sobre o qual assenta a política nacional, de Lisboa à mais pequena freguesia, com raras e honrosas excepções, escancarando as portas ao populismo fácil que esconde o autoritarismo de outros tempos, em que a justiça mais do que fraca, era pura e simplesmente inexistente. José Sócrates é corrupto, sabemo-lo hoje com absoluta certeza, mas não se passa nada. Rigorosamente nada. Depois ficamos muito admirados como tantos se deixam levar pela ladainha do proto-fascista.

Comments

  1. Abstencionista says:

    Eu prefiro realçar o silêncio do SOS Ba sobre a acusação de branqueamento de capitais que incide sobre um antigo primeiro ministro!

  2. Rui Naldinho says:

    Sócrates está politicamente morto. Apesar da sua arrogância em querer demonstrar ser essa uma decisão sua e num tempo a seu favor, a verdade é que ele já está “morto e em decomposição” há muito tempo.
    Afinal toda esta encenação, que começou ainda no tempo da Troica, com a sua prisão em directo, não era para julgar o regime e a governação socialista?
    Claro que era.
    Esses objectivos não foram alcançados, como se viu, nas eleições de 2015?
    Claro que foram.
    O PS já depois disso, conseguiu alguma maioria absoluta, ou há indícios de a breve prazo, poder vir a alcançá-la?
    Claro que não.

    Se há uma coisa de que o juiz Ivo Rosa se pode orgulhar é a de ter colado Sócrates a fenómenos de corrupção, 1.7 milhões de euros, mesmo sem se conhecer o presumível corruptor. Acresce que está acusado de outros crimes, igualmente graves. Pior ainda, com esta decisão, facilitando o recurso do MP para o Tribunal da Relação, este julgamento arrastar-se-á pelo menos por mais de uma década.
    Em boa verdade, nunca ninguém de boa fé esperou algum dia que Sócrates devolvesse o que recebeu indevidamente, seja por fuga fiscal, seja por actos de corrupção. A maior parte daquele dinheiro está em contas de familiares e amigos.
    Por outro lado, o crime maior de corrupção de que estaria acusado, inclui Ricardo Salgado, o BES e a PT, envolvendo montantes exorbitantes. Se há um corrupto tem de haver um corruptor. Se se condena o corrupto, tem de se condenar o corruptor.
    Alguém imagina Ricardo Salgado na prisão?
    Claro que não.
    Alguém imagina que se Ricardo Salgado fosse condenado a prisão efectiva por um colectivo de juizes corajosos, em última instância, sem direito a recurso, este não faria o mesmo que Oliveira e Costa, que andou dez anos de Junta Médica em Junta Médica; espero que não tenha sido apenas um simples Atestado, colado a um cancro terminal, mas que só o fez sucumbir em Março de 2020?
    Claro que sim.
    Para a maioria esmagadora dos portugueses, a sensação que fica desta acusação é a de que Sócrates é mesmo corrupto. Fica também a sensação de que o MP conduziu de forma cirúrgica todo este processo, a começar logo pela escolha do juiz de instrução, sem sorteio, de forma a alcançar o resultado desejado, mês sem ter provas cabais.
    Já há muito que escrevi isto. A sensação que o cidadão comum tem hoje da nossa justiça é a de que ela está completamente politizada. Desde o MP até aos Tribunais Superiores.
    Conhece-se onde está o cerne da corrupção em Portugal, o tráfico de influências entre políticos e sector económico. O lobismo também faz o seu percurso, por exemplo, nos RERT, Regime Especial de Regularização Tributária.
    Sabe-se que PSD e PS são os dois partidos que estão no núcleo central dos escândalos de corrupção, do tráfico de influências, branqueamento de capitais, …
    Enquanto os principais partidos políticos não olharem de frente para o problema, escamoteando a realidade, apenas se preocuparem com os crimes do vizinho do lado, branqueado os seus, querendo aproveitar a justiça para fazer julgamentos políticos, e não para julgarem actos criminosos, per si, vamos andar nisto eternamente.
    O problema sempre foi a manifesta e reiterada hipocrisia dos agentes políticos, com especial incidência no PS e PSD, cada um a pretender tirar vantagem dos seus agentes políticos, no tecido económico e nos dinheiros dos fundos europeus.
    Tudo o resto é fantasia. E cada um come a palha que quer.

  3. JgMenos says:

    Faz instrução como quem julga.
    Julga como quem não faz a mínima ideia de como se processam negócios corruptos!
    O testa de ferro passa a corruptor, o amigo passa a agente do mal, os caminhos de uma justiça canhestra, a visão de um juíz que usa da lei para exprimir a sua inépcia.

    • Paulo Marques says:

      Ignorando as leis, defende-se o estado de direito. É uma teoria.

  4. Júlio Rolo Santos says:

    Não se preocupem, está tudo em banho maria porque o MP vai recorrer para ser revertida a situação.

  5. Júlio Rolo Santos says:

    Talvez Rui Naldinho não tenha razão ao considerar que Sócrates está morto politicamente, porque outros políticos condenados, hoje são presidentes de câmara. Quem sabe se ainda o iremos voltar a vê-lo como PM ou PR ? O povinho, do que gosta, é de festas e copos (e de mulheres).

    • POIS! says:

      Pois estou espantado!

      O Sócrates mudou de sexo?

      Não me diga que foi o Santos Silva que lhe pagou a operação!