Ainda me arrepio com as histórias, as músicas e os relatos de quem viveu a guerra e a revolução. Com os documentários, as reconstituições cinematográficas e as fotografias daquele dia inicial inteiro e limpo. Com a coragem daqueles militares, que arriscaram a liberdade e a vida para que todos pudéssemos ser livres e – finalmente – viver. Com a existência clandestina dos bravos da resistência antifascista. Com a realização daquela aparente utopia, que na madrugada que todos esperavam emergiu das trevas e limpou o céu. Com o privilégio que foi nascer em democracia, sem nunca, de forma alguma, ter estado sujeito à censura, à perseguição ideológica, à prisão arbitrária, à tortura ou à morte às mãos de um qualquer carrasco da PIDE. Por delito de opinião.
Poucas coisas me alarmam, tão intensamente, como a ideia de vivermos hoje um tempo em que uma ruidosa minoria decidiu sentir saudade de um tempo que não viveu. Um tempo de cofres cheios de miséria, de analfabetismo e censura, de isolamento e ignorância, de guerra e barbárie. Um tempo sem liberdade de expressão, sem pluralismo ou democracia, sem escolhas, sem direitos, sem liberdades ou garantias. Sem oportunidades, sem esperança e sem futuro. Elitista, viciado e corrupto.
Sentem saudades de quê?
De um regime que decidia que livros se liam, que músicas se ouviam, que temas eram notícia e que escândalos eram abafados?
Saudades de quê?
De falar às escondidas? De viver com medo? De ter uma empregada em vez de uma companheira? De ser monitorizado por uma polícia política? Do Tarrafal e do Aljube? Da tortura e da execução sumária?
Esforço-me por compreender, mas não chego lá. Não consigo perceber o que vai na cabeça de alguém que, vivendo em democracia, prefere abdicar da sua liberdade em nome de uma alternativa autoritária e castradora. Não consigo perceber o encanto do regime musculado, da perseguição da diferença, da imposição do pensamento único. E menos percebo quando me deparo com as propostas dos herdeiros do fascismo, que se batem pelo regresso da miséria, da censura e da violência. Quem pode preferir esta indigência aos defeitos da democracia?
Quarenta e sete anos depois, ainda não cumprimos Abril, porque Abril é e será sempre um processo em curso. Porque a construção da democracia faz-se todos os dias e, ao contrário daquilo que acontece em ditadura, existe sempre margem para evoluir e melhorar. Alcançamos inúmeras vitórias, na Saúde, na Educação, nos direitos civis ou na protecção social, mas ainda temos vários problemas por resolver, na justiça, na economia ou na gestão da coisa pública. Ainda assim, não existe sequer comparação possível. Porque todas as alternativas são piores que a democracia, e a ditadura é a pior de todas. Mas eles andam aí, e é também por isso que Abril está sempre em construção. Porque a luta continua, sempre, e nunca, mas mesmo nunca poderemos baixar a guarda. O Estado a que isto chegou pode sempre piorar. Fascismo é que nunca mais. Nunca. Jamais.
Não acredito, sinceramente, que haja pessoas com excepção de alguns privilegiados, saudosos de uma certa servidão da plebe, ou do criado africano, com vontade de regressar ao 24 de Abril de 1974.
Mas há muita gente frustrada. Há muita gente angustiada. Receosa do futuro. Sem esperança. Vivem um dia de cada vez, porque não vislumbram um porto seguro. Tudo isto explorado por demagogos e ajudado por uma imprensa sensacionalista e arregimentada, que para sobreviver vive do escândalo, da notícia falsa, da intriga, criando um caldo de cultura terrível. Só pode dar nisto. Acresce a este quadro endémico, uma classe política pouco integra no plano legal. Já nem falo no plano moral.
No entanto, há questões que devemos analisar com profundidade, que majoram tudo isto, as quais acabam por ser as maiores preocupações dos portugueses, uma vez que os políticos do regime não lhe dão solução.
Se compararmos os dias que se seguiram ao 25 de Abril e os dias de hoje, as nossas vidas mudaram muito. Nem sempre para melhor. No sentido do consumo desenfreado. No sentido da precariedade laboral. No sentido degenerescência familiar.
As pessoas recusam por comodismo ou por ignorância, perceber que a chamada globalização, acompanhada de uma evolução tecnológica voraz, veio mudar de certa maneira o modo de vida dos portugueses e dos europeus. Menos trabalho. Trabalho mais mal pago. Precário. Incerteza nos mercados.
A abertura do comércio mundial aos países asiáticos sem tarifas aduaneiras foi bom, mas sem uma correspondente contrapartida nos processos de democratização e sociabilização da economia, tal como os Europeus a entendem, vieram dar uma enorme vantagem a este Continente. É por isso que o grande capital adora o comunismo chinês, e a estratificação social indiana ou paquistanesa. Não se incomodam com o trabalho infantil, ou com a subalternizarão da mulher. Adoram o pé descalço vietnamita ou do Laos. Mais até do que os países da América do Sul e Central.
Com excepção da Alemanha, diríamos que a Europa tende a ficar com uma reduzida indústria, salvando-se o sector dos serviços e o turismo.
A China saiu muito mais rápido desta pandemia porque é uma potência industrial. Dominando quase todo o tipo de actividades industriais. Todos os dias se multiplicam novas indústrias num país que paga salários muito abaixo dos praticados em Portugal, quanto mais nos países mais desenvolvidos do velho continente.
Ou a Europa muda a sua estratégia económica ou acho que os nossos filhos acabarão mais tarde ou mais cedo de se confrontar com a ascensão da extrema direita.
O desespero de muitos será o seu maior aliado.
Para lá vamos, ao som do anti-toda-a-cena que a esquerdalhada ergueu em favor do imperialismo soviético e que à China bem aproveita.
Pois foi!
Mas V. Exa. está só parcialmente informado. Quem fez isso foram os gajos do Partido Comunista de Júpiter, porque têm a mania das grandezas.
Segundo fui informado, o Partido Esquerdista de Marte, o Partido dos Trabalhadores de Vénus (especialmente os da indústria das confeções, as das famosas camisas) e o Bloco Socialista de Saturno já se demarcaram.
Os Chineses que não deitem foguetes!
Pode tentar reescrever a história (outra vez), mas não passa. Sabe-se bem que foi o grande capital que vendeu a ideia que a China se juntaria ao Fim da História, que, surpresa, também era uma aldrabice pegada.
Tal como continua a ser, em boa parte, o seu grande promotor, junto a ilustres elites que se juntaram aos conselhos de administração do que lhes foi vendido.
Não, o que corre mal é que mandaram a narrativa financeira às malvas e ensinaram aos vizinhos, invés de aceitar o seu papel de colonizados de onde continuar a alimentar o neoliberalismo, que só tótós como o Menos ainda levam a sério. Azarito, a esquerda avisou, e a guerra fria não funciona com quem não precisa dos produtos do império.
…é verdade que não é nada fácil…para uma pessoa honesta e trabalhadora….que viveu décadas em Angola…..ver o seu fruto de trabalho…seus filhos……espoliados e agredidos….e fugir sem eira nem beira…..não…não é nada fácil……….mas também é verdade que o dia 25 de Abril de 1974…….para quem o viveu diretamente……foi maravilhoso…..!!!
«Sem oportunidades, sem esperança e sem futuro. Elitista, viciado e corrupto.»
Uma adequada descrição do tempo presente em que que milhares de milhões de esmolas dão um crescimento de 2% para a economia!
E a elite?
Que bando de oportunistas, sem saber e sem vergonha!!!
A elite fica a cobrar rendas, claro, lavadinhas aqui pelo Menos.
Saudades de quê?
Para começar, da juventude: quando alguém diz que noutro tempo é que era, pensa num tempo em que era mais novo e as referências eram mais familiares – pessoas, eventos, músicas, programas de TV ou de rádio. No caso dos mais velhos, o mundo parecia mais calmo e apreensível antes da internet e da globalização.
O João Mendes dá de barato que devemos preferir a liberdade ao medo, a companheira à empregada. Muita gente não pensa assim. Ao medo chamavam rigor e disciplina; à empregada uma ‘mulher como deve ser’. E nem só velhos assim pensam.
Esse desejo de submissão não desapareceu: basta ver o êxito do 44 ou da Múmia Cavaca, figuras mandonas, ditadorzinhos de chinelo. Ou basta ver fãs da partidocracia como o João Mendes.
Uma vez que os apologistas do Estado Novo lhe fazem confusão, o João deve compreender a minha: também eu não entendo como se pode defender esta farsa democrática, este regime putrefacto gerido por canalhas, onde os cidadãos decidem zero.
Sim, por isso é que nunca ninguém pode criticar Sócrates ou Cavaco, bem como quem os rodeia, bem como nem tem nada a ver com eles; é porque é exactamente igual.