Perigos de má memória

Não tardou que a morte de Otelo Saraiva de Carvalho, servisse para dar ânimo à teoria que há mais condescendência moral com os excessos da Esquerda, do que com os da Direita.

Desta feita à boleia das FP-25, e do indulto presidencial a Otelo Saraiva de Carvalho e companhia. Para chegar ao desejado destino de como a Extrema-Esquerda foi ou é mimada com condescendência jamais expectável em relação à Extrema-Direita.

Esquecem tais teóricos – ou, conforme os casos, querem fazer esquecer -, que Otelo Saraiva de Carvalho esteve 5 anos preso numa cela. Enquanto que, por exemplo, António de Spínola ou Alpoim Calvão, líder e responsável operacional, respectivamente, do MDLP, nunca responderam perante a justiça pelos actos bárbaros de assassinato e de destruição praticados por aquela organização terrorista.

Isto, para não falar no terrorismo castrador e assassino que a PIDE levou a cabo durante décadas, a bem de uma nação orgulhosamente só, e pelo qual ninguém respondeu.

Pelo contrário: houve quem fosse premiado por “serviços excepcionais e relevantes prestados ao país”.

Pode-se pensar que esta espécie de calimerismo de que há mais condescendência com os excessos da Esquerda do que com os da Direita, é apenas mais do mesmo. Mas, nos dias de hoje, não é apenas isso. E não é, pelo risco de ser parte de algo muito mais pernicioso em construção: o revisionismo que aproveita aqueles para quem a memória é inimiga.

A Culpabilização da Vítima

Mariana Seabra da Silva

Em pleno ano de dois mil e vinte e um, ainda se ouve muitas pessoas a proferir que a violação acontece fruto de acções, comportamentos ou caraterísticas específicas da vítima. É impressionante que, mesmo quando os indivíduos se deparam com uma quantidade abismal de casos de violação no mundo, no país vizinho e no próprio país, ainda hajam pessoas a culpabilizar o sucedido pelos sujeitos que passam pelo próprio trauma sexual.

Até quando vamos continuar a culpabilizar a vítima por ter sofrido de assédio, violação ou trauma sexual? Já não basta que as vítimas tenham de lidar com a própria experiência traumática, por si só? Ou a sociedade também tem de cair sobre os ombros das mesmas, dizendo-lhes que as responsáveis por aquilo ter acontecido são elas?

Até quando vamos continuar a contribuir para um discurso que perpetua as diferenças e violência de género, a violência doméstica e no namoro? Até quando?

A violação não é culpa da vítima, é de quem viola. A violação não acontece pela forma como a vítima fala ou veste, se tem mais ou menos tecido no corpo. A violação é um atentado aos Direitos Humanos, é um boicote à Liberdade e à Dignidade Humana.

Empenhemo-nos na mudança dos discursos sociais em casa, no café, com amigos, colegas de trabalho, familiares e simples civis que se encontram no passeio, principalmente no que respeita ao fenómeno da violação. Empenhemo-nos em educar os homens e as mulheres da sociedade para que a violação não seja vista como algo normal e justificável. Empenhemo-nos em consciencializar as crianças e jovens, adultos e idosos, que o consentimento é chave principal para o respeito da vontade de cada um, aceitação e empatia pelo outro. Passar a mensagem de que precisamos de saber como o outro pensa e sente, os seus limites e barreiras, para sabermos o nosso lugar.

Por isso, espero que aprendamos a conhecer melhor o nosso lugar no mundo.