Há uns anos, Xanana Gusmão foi preso e apareceu na televisão a fazer declarações conciliatórias, depois de ter sido sujeito a um interrogatório “intenso”, nas palavras das autoridades indonésias. Nesse momento, eu integrava num grupo de corajosos lutadores que bebiam bravamente umas cervejas. Havia, até, alguns guerrilheiros mais afoitos que tinham chegado ao ponto de pedir umas tostas mistas. Penso que é fácil imaginar o ambiente pesadíssimo que se vivia naquela trincheira – a vida em combate é dura, meus amigos!
Um dos convivas, enquanto engolia um trago de cerveja, olhou para a televisão e sentenciou, em tom de desprezo, a propósito de Xanana: “Este gajo é um palhaço!” Como é que era possível, alguém, muito provavelmente torturado, trair daquela maneira soez os ideais da justa guerrilha que tinha comandado durante anos? Realmente, não era admissível! Fraco!
Ainda esperei uns segundos, cerrei os olhos em busca de alguma ironia. O valente bebedor estava a falar a sério. Do fundo do meu sossego burguês, sentado em cima de um privilégio que não o deveria ser, limitei-me a dizer que era muito fácil enfrentar exércitos e prisões ali onde estávamos e querer dar lições a um homem que teria sido sujeito sabe-se lá a quê. O meu interlocutor não gostou. Não éramos íntimos e assim continuámos, ninguém perdeu nada com isso.
O Fernando Moreira de Sá invocou a História de um modo, a meu ver, reducionista, dando exemplos de valentia ou de luta que deram origem ou mantiveram a independência desejada por muitos ou pelos suficientes, fazendo referência à guerra da Restauração, porque, na verdade, Portugal precisou de lutar muito para se manter independente depois de 1640. Acrescentou que não se negoceia com criminosos de guerra, com quem nos mata.
A História, no entanto, conta-nos muitas histórias nada épicas ou então inteligentes, dentro e fora do país, e poderíamos passar aqui o resto do dia. Basta lembrar, por exemplo, a ida (fuga? retirada estratégica?) da corte portuguesa para o Brasil em 1807, diante da chegada das tropas francesas, havendo, inclusivamente, instruções para não se hostilizar o exército invasor – o chefe de Estado não foi capturado por Junot e a capital do país mudou para o outro lado do Atlântico. Também poderíamos lembrar o Ultimato de 1890, a humilhação que nos permitiu manter algumas possessões em África, ao mesmo tempo que provocou a revolta de 31 de Janeiro, porque a História tem a mania de ser complicada. O próprio David, aliás, só derrotou Golias usando uma funda, porque perderia na luta corpo-a-corpo. É verdade, a História está cheia de momentos destes.
O que é que eu faria no lugar de Zelensky? A resposta é simples: nunca estarei nesse lugar, porque sou um cobarde militante. De qualquer modo, apesar do asco que sinto por Putin e filhos da puta anexos, entenderia que houvesse recuos estratégicos que pudessem ser ultrapassados mais à frente e que permitissem poupar vidas. Por outro lado, não me imagino, em frente à televisão, a intimar o presidente ucraniano, gritando-lhe sem medo: “Não sais daí, ouviste?! Tens de te aguentar! Estás proibido de falar com o filho da puta do russo! Eu que saiba, caralho!” E era um pires de tremoços, também, obrigado.
Quando ao impedimento de negociar com quem nos mata, gostaria de lembrar nomes como Gandhi ou Mandela e, voltando ao princípio, Xanana. Isso quer dizer que os ingleses, os afrikaners e os indonésios passaram a ser boas pessoas, que passaram todos a gostar uns dos outros, que tudo será esquecido? Tanta camada para descascar, tanta História, tanta Realpolitik mais ou menos suja.
Haverá quem queira aproveitar para pensar que quero relativizar as acções de um criminoso como Putin ou que sou insensível ao sofrimento causado por esta guerra ou que não sonho com um ataque que destruísse como por milagre o exército russo que está dentro da Ucrânia ou que não tenho admiração por quem luta e resiste. Tudo isso faz parte do actual pensamento único, que não admite dúvidas, a convergência do “ou estás comigo ou estás contra mim”. Que esse pensamento vos faça bom proveito. À vossa.
Não posso estar mais de acordo contigo, Nabais. Quando escrevi o “ide vós falar com Putin” não me estou a referir aos lideres ucranianos. Sim, esses são quem deve falar e negociar o que entenderem negociar em nome em prol do seu povo. Estou a falar/escrever sobre os outros. Os que querem ditar o que devem os ucranianos falar e decidir.
Quanto ao mais, completamente de acordo e foi bom lembrares Timor e Xanana, como o fiz a semana passada exactamente sobre a tropa do “mas”. Abreijos.
A chamada retirada estratégica
O ataque das forças armadas russas a mando de Putin e dos seus Generais, à Ucrânia, é indefensável.
Tal como a defesa do seu território, por parte dos ucranianos, é de louvar e demonstra o enorme patriotismo daquela gente. Nada disso pode ser posto em causa.
O que podemos e devemos pôr em causa, são as razões próximas e remotas para aqui chegarmos. Onde o dedo dos Norte Americanos, mais até do que os restantes membros da Nato, terá de certa forma cunhado o desfecho evitável deste conflito. E não foi agora. Começou muito lá para trás.
Sejamos claros. Neste momento a Nato são os EUA e mais 26 Nações, cada um no seu pequeno território, quando não minúsculo, com excepção do Canadá, à espera da ajuda militar de Washington para se defenderem, caso seja necessário. Em face deste cenário, os EUA pode fazer o que quiser, que esta gente do lado de cá, aninha-se por comodismo, por incompetência, eu sei lá as razões para tanta inépcia.
Pode quem manda, obedece quem deve.
A Ucrânia é um território maior do que qualquer um dos actuais membros Europeus da Nato. Caso aderisse à organização, todo o Mediterrâneo, do mar Negro ao estreito de Gibraltar, estaria sob domínio da Aliança Atlântica. Do outro lado da Ucrânia temos a Turquia. É olhar para o mapa e perceber que a Rússia tem ali apenas com umas centenas de quilómetros de costa, junto à Geórgia e pouco mais.
De facto há duas guerras. A militar e a mediática. Se no campo militar os russos podem até ter alguma vantagem apesar das inúmeras baixas, já no campo mediático estão a ser arrasados.
No campo mediático em Portugal também temos um guerra de audiências e de narrativas. Uma espécie de luta de argumentos, muitas vezes completamente desenquadrados da realidade e do senso comum, entre a esquerda e a direita, pela defesa da liberdade dos povos e da integridade territorial das Nações.
A esquerda arvora-se dona da liberdade e da solidariedade dos povos. A direita cheia de telhados de vidro, só agora descobriram um povo mártir e invadido, antes não lhes dava jeito, chora uma dor que nunca foi sua.
A sério que são contra as invasões?
No meio desta tragédia na Ucrânia, por cá, percebe-se que existe uma agenda criteriosa contra os que não pensam dentro do unanimismo da agenda mediática que nos é vendida.
Essa luta verbal tem muito pouco a ver com a guerra, e muito mais a ver com a orfandade da direita portuguesa nos últimos anos, derrotada em toda a linha em eleições sucessivas, depois de anos a destruir o Estado Social que criámos com o 25 de Abril.
Ainda há um mês estavam a ter sonhos húmidos com o fim da maioria de esquerda no parlamento, a saiu-lhes o tiro pela culatra. Ela mirrou mais á esquerda, mas engrossou mais ao centro.
Ainda não perceberam que esta guerra, evitável, como disse no início, chegou tarde. Ela assentava-vos como uma luva se tivesse vindo entre 2016 e 2020.
Não veio. Temos pena.
Só um idiota mede o poder a palmos de terra.
Os europeus, dedicaram-se a abrigarem-se sob o poder americano para agasalhar a esquerdalhice e o pacifismo idiota perante a comunada soviética e a mafia imperialista que lhe sucedeu.
«depois de anos a destruir o Estado Social que criámos com o 25 de Abril», por outras palavras,:
depois de anos a endividarmo-nos e a pedinchar subsídios, fomos criando um estado social a par de um país recheado de treteiros, esquerdalhos, chulos e idiotas incapazes de o gerirem ou sustentarem.
Agora que veem a mama ameaçada, e vão levar com as consequências nos cornos, a responsabilidade pela merda que montaram em 48 anos de esquerdalhice, só pensam em culpar os EUA, a NATO, os que querem ser da NATO …nem lhes sobra vontade para culpar o Putin, coitadinho, que tem saudades do império comuna!.
Se não fosses mesmo burro, eu até achava que percebias alguma coisa destes assuntos.
“A dívida nacional dos Estados Unidos ultrapassou US$ 30 triliões, pela primeira vez, refletindo o aumento dos empréstimos federais durante a pandemia de coronavírus.
A dívida pública total era de US$ 30,01 triliões em 31 de janeiro 2022, segundo dados do Departamento do Tesouro divulgados na última terça-feira (1). O número representa um aumento de quase US$ 7 triliões em relação ao final de janeiro de 2020, pouco antes da pandemia.”
Num país com moeda própria,
Num país que se pode dar ao luxo de por as rotativas a emitir notas,
Num país cuja moeda é referência para milhares de transações a começar logo pelos produtos energéticos,
Num país onde uma das indústrias mais pujantes é a de produção de armamento, para os outros se mataram,
Ter uma dívida destas não me parece exemplo para ninguém.
Mas pronto. Tu isto nunca perceberás.
Que parte dos bancos centrais serem emissores de moeda é que tu não percebes?