Ser pai em tempos de guerra

Não sei se vai ficar tudo bem. Gostava de ter a certeza, mas não tenho. É impossível ter certezas durante uma guerra, mais ainda quando o agressor é um tirano sanguinário e sem escrúpulos, frio e calculista, que de louco não tem nada, por muito que aparente ser.

Ainda assim, recuso fazer parte do coro que anuncia o holocausto nuclear, porque as lições da Guerra Fria ainda estão bem presentes e a escalada é altamente improvável, mais ainda quando a NATO não intervém directamente no conflito. Contudo, no imediato, a situação com que nos deparamos é muito preocupante, por outros motivos que já todos conhecemos, e torna-se cada vez mais difícil de processar, principalmente para quem, como eu, tem filhos. Felizmente, estamos no conforto da paz, a 3400km daquele inferno. Se lá estivesse, “preocupante” não seria a palavra que utilizaria.

De facto, ser pai muda a nossa vida, as nossas prioridades, os nossos objectivos. Ser pai em tempo de guerra, mesmo que a guerra esteja a 3400km, é um sobressalto que não nos deixa em paz. Passam pela nossa cabeça todo o tipo de possibilidades:

  • Será que isto escala, a NATO se mete ao barulho e o nuclear passa a ser opção
  • Será que a guerra chega aqui?
  • Será que, mesmo não chegando, vai parar a economia?
  • Será que o custo de vida vai aumentar para níveis incomportáveis?
  • Será que vamos falir?
  • Será que vamos perder o emprego?
  • Será que nos vai faltar dinheiro para pagar as contas?
  • Será que vamos perder a casa por não conseguir pagar a prestação?
  • Será que o meu(s) filho(s) vai passar necessidades?!

Não sabemos. Se tivesse 18 ou 20 anos, e ainda me achasse invencível, estaria a encarar as possibilidades mais pessimistas cheio de peito e a dizer qualquer parvoíce como:

  • Eles que venham!

Mas a nossa invencibilidade termina no dia em que passamos a ter uma pequena criatura à nossa guarda. Uma criatura que traz com ela o melhor da nossa vida, mas também o medo permanente de algo lhe poder acontecer. E, por muito que acredite que este pesadelo não chegará aqui, esse medo, talvez irracional, não me deixa ter sossego. Só inquietação. Não quero nem imaginar o que seria estar lá.

Comments

  1. Rui Naldinho says:

    Se tu e família lá estivessem, farias o mesmo que os que lá estão fazem. O mais provável era ela e o pequeno terem saído para um qualquer sítio mais protegido e pacato, quem sabe Portugal(?), não tanto pelo que poderiam vir a ganhar como recompensa pelo seu trabalho, mas pela sensação de segurança que um país longe do conflito nos transmite. Tu lá ficarias, até porque não tinhas alternativa, a não ser que fugisses. Todos os homens saudáveis, dos 18 aos 60 anos estão inibidos de abandonar o país legalmente. Os que saíram, fizeram-no antes do início da guerra.
    O problema não está em defenderes a tua pátria. Esse é o teu dever. O problema está sempre na avaliação dos danos causados pelo agressor, em vidas e património. Qual o limite das nossas capacidades, primeiro individuais e depois colectivas, diante de uma força mais poderosa, no qual o chefe em último recurso não se inibirá de utilizar todas as armas ao seu dispor, matando de forma indiscriminada.
    Ao contrário de alguns heróis de bancada, jamais poriam o cu num teatro de guerra, a não ser que fossem apanhados de surpresa, e na primeira oportunidade desertavam, a diferença não está “entre o cobarde vivo e o herói morto”. A diferença está nos limites da nossa própria sobrevivência como povo. E a mais pequena unidade da expressão povo, é a família.
    Mas há uma avaliação que todos devemos fazer. Isto num país livre, claro.
    Estaremos mesmo só a defender a nossa integridade territorial de um agressor que pura e simplesmente nos quer exterminar, ou estaremos também a ser instrumentalizados numa guerra entre duas grandes potências pelo domínio dos recursos do planeta, acabando nós próprios por nos tornarmos o bode expiatórios desses interesses?
    Pergunta aos Afegãos e aos Iraquianos, entre outros, talvez eles te saibam responder.

  2. Paulo Marques says:

    Bem, as duas primeiras são a mesma, e acontecendo, tornam o resto irrelevante. Mas o resto, mais crise menos crise, também já para lá caminhava e continuará o seu caminho, pelo menos a quem não possa herdar e “investir” desde cedo. E tão cedo também não muda, com a clara preferência dos chamados chulões para as pequenas variações permitidas que os iluminados economistas das universidades tão bem demonstram.
    Ensinar mandarim aos petizes é a minha sugestão.