Montanha já temos. Parirá o rato?

O realce do dia de hoje em títulos de caixa alta, com a pompa e as circunstâncias do público-alvo (o encargo noticioso tornou-se um serviço à lista), é a sentença do Dr. Paulo Gonçalves, com a pena suspensa, pelo crime de corrupção.
Gostaríamos que a Associação Nacional de Futebol de Rua pudesse ser agraciada não com os 5 mil euros que o réu deve depositar semestralmente na conta da instituição para não ser preso, mas com uma fatia maior dos lucros que o senhor teve pelas suas façanhas e com o alegado pagamento de favores, com que a SAD do SLB terá saldado a dívida moral a S. Ex.ª.
Pelo menos um magistrado, com responsabilidade na aplicação e graduação da pena, considerou o Dr. Paulo Gonçalves culpado, bem como o corrompido funcionário judicial que apanhou mais do dobro do corruptor.

Já a seguir, reentram em jogo os advogados, que, quanto se sabe, partirão da premissa de que simpatia e cortesia, por mais desmedido, encantador e afável que seja o seu alcance financeiro, não são corrupção, e um dia destes, por entre argumentações rendilhadas dos causídicos e a benevolência deste país de brandos costumes que convive servil na opulenta devoção à fé do réu, leitor emérito de missas dominicais e cumpridor exemplar dos sacramentos, teremos a Associação Nacional de Futebol de Rua a deixar de receber a semestralidade, regressando assim o país à paz de uma justiça às vezes alardeada, mas raramente cumprida quando se trata de fidelíssimos servidores dos grandes negócios, protegidos que estão pela elite dos sibaritas escritórios de advogados, pagos a peso de oiro na defesa dos sacrossantos clientes, as suas mordomias e os seus proverbiais esquecimentos que aguentam os Mercedes, BMW e outros luxos dos paladins, etimologicamente, pela via latina, trabalhando como “oficiais do palácio imperial”, mas, por corruptela, mastins de guarda das elites.
Claro que nesta teia se enredam todos os haters de redes sociais e afins que, não vendo sangue, já murmuram que, quem de 50 crimes abate 49 e guarda aquele que em sede de recurso é o mais difícil de manter, está a seguir um padrão da magistratura portuguesa, o da intangibilidade dos Grandes.
Não sou tão céptico! Para mim, enquanto viver, acreditarei que os karmas se cumprem, tarde ou cedo, por mais vorazes que sejam os cérberos que guardam a porta do inferno.

Vai ao fundo!


Era de esperar. Após a especial promoção do nome de Portugal em terras do Tio Sam, há quem queira criar um “fundo especial” para a defesa de uma causa que a ser classificável, é no mínimo, “exótica”.

O próximo passo poderá ser a convocação de uma marcha de rastos, a realizar-se entre o Rossio de Cantanhede e a porta da embaixada norte-americana em Lisboa. Pouco falta. Entretanto, a nossa imprensa vai fazendo passar a ideia de que a justiça americana, é parecida com aquela supina referência mundial, ou seja, a portuguesa que tão bem se conhece. Os deuses devem estar loucos!

O dominó (2)

Dominó Socrático O sub-director-geral da Administração da Justiça, Fernando Sousa Marques, demitiu-se por não concordar com o negócio da informatização da Justiça.

É de recordar as recentes demissões na Justiça:

O que é que se passa neste sector fundamental para um Estado de direito?  O dominó vai progredindo. É de sublinhar que Santana Lopes foi corrido por menos.

Ficam aqui algumas partes da carta de demissão do sub-director-geral da Administração da Justiça (fonte: SOL).

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Presente e futuro da Advocacia: uma questão de República (2)

 Tal como anunciei aqui, inicio uma série de textos dedicados ao tema “Presente e futuro da Advocacia”, abarcando as matérias da Justiça que lhe estão conexas.

Mas antes de mais, cumpre desde já esclarecer – e daí a razão deste texto -, quais os motivos e as finalidades.

Esta iniciativa não se enquadra em nenhuma preocupação corporativa e muito menos sindical. Esse tipo de preocupação e de lógica corporativas e sindicais, em sede de Justiça, já fizeram estragos que cheguem para também a Advocacia seguir tal caminho.

Decidi iniciar esta série porque a matéria não se esgota na esfera dos interesses de uma classe profissional. E porque do presente e do futuro da Advocacia, bem como das questões da Justiça com que se interligam, depende grande parte do rumo e da defesa da cidadania, do regular funcionamento das instituições da República, da paz social e da garantia pelo respeito da dignidade humana.

O Advogado representa os interesses dos cidadãos através do patrocino forense, sem o qual não adianta ter Juízes e Procuradores, pois que só há verdadeira administração da Justiça quando em tribunal, estão presentes quem representa a Sociedade (Procurador), quem diz e aplica o Direito (Juíz) e quem defende o cidadão (Advogado). Pelo menos num Estado de Direito Democrático, consagrado no artº 2º da nossa Constituição.

É de recordar que mesmo durante o Estado Novo, na barbárie que foram tantos julgamentos nos tribunais plenários, em que réus (naquele tempo não havia arguidos) chegaram a ser espancados por esbirros da PIDE em plena audiência perante os olhos complacentes e cúmplices de Juízes que jamais responderam por tais actos, foram os Advogados quem sempre estiveram ao lado do cidadão contra a brutalidade e o despotismo.

Como também estiveram, lutando tenazmente em 1926 e nos anos seguintes, aquando da politização do processo movido contra Alves Reis (o famoso falsário português), em que se chegou ao cúmulo de se aprovar leis criminais com efeito retroactivo que prejudicavam a defesa dos então réus, e de arrastar para a lama gente impoluta e honrada como Arthur Cupertino de Miranda, entre outros. Também aqui os Advogados lutaram sem temores contra um Estado e uma Justiça manipulada por interesses de grandes instituições bancárias (cuja temática irei, também, abordar, ainda que de modo muito sucinto e em sede própria).

Tal como outrora, aos Advogados cumpre garantirem a defesa dos direitos, liberdades e garantias do cidadão, o respeito pela dignidade humana, seja face ao Estado seja nas relações sociais, firmando a diferença entre a barbárie e a civilização, entre a vingança e a Justiça.

O Advogado é  e deverá ser sempre, um garante civilizacional, e como tal deverá ser encarado. E, também, como tal deverá comportar-se.

O presente e o futuro da Advocacia diz, pois, respeito a todos os cidadãos, porque o Advogado é o seu procurador. Pelo que interessa ao cidadão saber, estar esclarecido, qual o estado e o rumo de quem está e deverá continuar a estar a seu lado.

No próximo texto falarei do problema da massificação crescente da profissão, das suas razões, dos seus perigos para a classe e para a sociedade, com especiais cuidados na administração da Justiça, e de possíveis rumos e soluções.

Sei que a matéria é polémica. As caixas de comentários estão disponíveis.