Canelas e caneladas

E assim arranjado, com as canelas vermelhas de diabo aparecendo sob o paletó, a gargantilha escarlate à Carlos IX emergindo da gola, a velha casqueta de viagem na nuca, o pobre Ega tinha o ar lamentável dum Satanás pelintra, agasalhado pela caridade dum gentleman, e usando-lhe o fato velho.

Eça

Le jour du mardi gras de cette année 1574, la cour se trouvait à Saint-Germain avec le pauvre roi Charles IX, qui s’en allait mourant.

Stendhal

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Quanto ao “documento comprovativo desse fato”, sugiro uma visita a esta etiqueta, onde há vários documentos que comprovam o fato. O fato, de facto, é velho e, afinal, as canelas, segundo Eça, são vermelhas.

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A exactidão e o estendal II

Pegou no estendal, uma armação leve, duas patas para apoiar no chão, dois braços que se abrem e fecham, pegou nele com a roupa ainda estendida, empurrou-o para fora de casa, arrastou-o a ranger pela tijoleira do chão, pelo empedrado da rua, e foi sentar-se com ele no largo ali ao pé.

— Carla Romualdo

Accuracy
Accuracy
Practice all day for accuracy

— Smith/ Tolhurst/Dempsey

quand vos copies seront terminées, cherchez dans le dictionnaire les mots de l’orthographe desquels vous ne serez pas sûr.

Stendhal

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Efectivamente, durante as tardes de sábado, convém ler o Aventar.

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A exactidão e o estendal

Como outros passeiam os cães de companhia, ela traz à rua o seu estendal.

— Carla Romualdo

Nun, was >Tatsache< hier meint, ist nicht die Tatsãchlichkeit der fremden Tatsachen, mit denen man fertig werden muß, indem man sie sich erklãren lernt.

Hans-Georg Gadamer

J’ai passionnément désiré être aimé d’une femme mélancolique, maigre et actrice.

— Stendhal, 30/3/1806

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Eis como alguém na RTP decidiu traduzir para português europeu o remate do «We’re just not going to sit back and let, you know, false narratives, false stories, inaccurate facts get out there» de Sean Spicer.

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Agora, aproveitando este intervalo dado quer à frase nuclear, na perspectiva de Grevisse e de Goosse, quer aos sintagmas nominais do Antoine de La Sale, regresso ao Krugman (que percebe imenso de factos) e ao meu espanto por ver o Searle (um velho conhecido do Aventar) mencionado por aquelas bandas.

Continuação de um óptimo fim-de-semana.

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Mulher e estendal

Como outros passeiam os cães de companhia, ela traz à rua o seu estendal. É preciso que vos diga que não é capricho nem bizarria, não há nela nenhuma excentricidade. É que há casas que são tão pequenas que nem o sol lá consegue entrar. E secar a roupa nesta cidade é um problema de que não se fala. Há casas baixinhas, sombrias, infiltrações de água, paredes corroídas, azulejos que se desprendem das paredes, senhorios que vivem longe e não assistem à lenta agonia das casas que arrendaram, há miséria, miséria, tantas formas de contar a miséria nesta cidade. Até a água a conta, no seu percurso sinuoso pelas paredes de casa, a tinta a estalar em crateras amareladas, a mancha negra a alastrar no tecto, “qualquer dia caem-nos os vizinhos em cima”.

Num cantinho da sala ficava o estendal e era preciso afastá-lo para passar. E a roupa não secava. Lavava-se ao sábado e os dias passavam, a roupa ganhava cheiro a humidade, a janelas fechadas, à comida que se cozinhou, e não havia forma de ficar seca. E a roupa húmida no corpo, não há pior, esse frio que vai atravessando a pele, fica-se gelada até à alma. Então lembrou-se de ir ela atrás do sol. [Read more…]