A noite mais triste
Foi a noite mais triste
a mais negra noite.
Mais triste do que a sombra dos coqueiros
sem lua
mais negra do que o mergulho do tarrafe
nas águas fundas do Cacheu.
Enrolei-me na torrente de lágrimas
e não dormi as longas horas dessa noite.
Tudo se tinha rasgado:
o sol
a lua
a paisagem
os rios
os braços e o sonho
em tiras de trapos que à toa enfiei
nos sacos de lixo.
Não há remédio para o gemido
o gemido é a coisa mais só
mais terrível
mais cortante da carne viva.
Não dorme
ante o silêncio de mil ouvidos moucos
e agarra-se ao sangue como crude.
Apenas o dissolve a lama da noite
jorrando fontes de silêncio
sobre um corpo sem beijos
de bocas atadas.
A noite do desespero
despenhou-se sobre a cidade
fincou as garras nas janelas
rasgou o corpo nu da solidão
e queimou a vida em catedrais de cinzas.
Tudo soou a violino sem cordas
num ritmo de movimento sem cor
sobre um tabuleiro sem pedras
sem força nem entreactos
glosando a pobreza de mil retratos
tragicamente impressos em letra de amor.
Foi um texto de mil palavras sem língua
uma nicotínica melodia de álcool
e soníferos
na frágil clareza de um cérebro brumoso
trancado de sofrimento
gargalhando a fraqueza
para encher de nada um simples momento.
Secaram as lágrimas
fugiram as sombras dos olhos baços
e uma luz de prata sensual
escorreu de alto a baixo
conclusiva
desejosamente metafísica
mas tão fria
que o desejo das lágrimas quentes avançou.
Olhos doces de chorar
gritam do fundo do tempo
do altar do homem grosseiro
brutal
avarento
verdadeiro
a condição de ser inteiramente outro
nem eterno nem intacto nem primeiro
apenas o derradeiro.
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