Os bébés ibéricos

Em 1993/4 andei por Elvas para lançar o novo Hospital. O problema é que havia na cidade uma bela maternidade (Mariana Martins)  e para haver hospital era preciso fechar a maternidade.

 

Já naquela altura o número de partos era muito inferior aos necessários para manter uma equipa de profissionais  "com mão". Foi uma luta tramada. Claro que a reacção das pessoas era contrária,  mas não podemos decidir pela emoção, tem que ser pelos números, pela experiência .

 

Tínhamos Portalegre a 60 Kms e Évora a 90 Kms, e ainda Badajoz a 15 Kms. Muitos Elvenses me confidenciaram que nos casos dificeis já íam a Badajoz, ao hospital moderno, bem equipado ali à mão. O próprio hospital de Elvas foi construído numa dimensão que levou em atenção essa proximidade.

 

Hoje já não há nenhum drama em os Elvenses irem ao outro lado da fronteira, pelo contrário, é com prazer que leio, que a Administração regional de saúde tem vários protocolos e parcerias com as autoridades fronteiriças. Só, assim, é possível comprar e manter os caros equipamentos médicos necessários à prática de uma medicina moderna e eficaz.

 

Agora é perceber que no interior do território tambem há "fronteiras" que têm que ser ultrapassadas, pois de outra maneira o SNS não é viável economicamente, nem poderá garantir os níveis assistênciais que todos necessitamos.

 

Lembro-me bem, quando se ouvia na TV telefonemas a destruir a política de saúde de um homem excepcionalmente bem preparado, Correia de Campos,  valia tudo, escutas em directo e nunca ninguem foi acusado de utilizar os telefonemas para a luta política.

 

Desde então, não há política de saúde, os lobbies e as corporações mandam novamente, está tudo à manjedoura.

 

Temos um Estado entregue a forças não eleitas democraticamente, e que têm um poder que amordaça quem quer apresentar trabalho.

 

Estão lá há muito e renovam-se sempre com o mesmo objectivo. Essas forças sabem de onde vêm as quebras do segredo de justiça e quais são as "notícias" que aparecem nos jornais e nas TVs!

 

Mas ninguem pergunta, ninguem lhes vai à mão!

 

Um deputado de invulgar talento

Já escrevi sobre Ricardo Rodrigues o mês passado: o homem caminha a passos largos para o título de deputado banheiro do PS. Banheiro no sentido tradicional e veraneante do termo, aquele que nas praias arma barracas.

Agora numa embrulhada das antigas termina por admitir que o seu primeiro mentiu quando se referiu à TVI, já que pergunta a Manuela Ferreira Leite como sabia ela que o homem tinha mentido. A embrulhada é bem explicada no Cachimbo de Magritte e no Arrastão.

Abençoado in dubio pro reu que vai permitindo elevar o nível humorístico na Assembleia da República.

E vai uma apostinha em como a fonte desta notícia, a recusa do PS em votar as propostas do BE e PCP contra a corrupção por serem precipitadas, é o nosso vice-presidente do grupo parlamentar socratista?

Documento entregue hoje aos sindicatos pelo Ministério da Educação

PRINCÍPIOS PARA A REVISÃO DO MODELO DE AVALIAÇÃO DE DESEMPENHO-02dez09

http://d1.scribdassets.com/ScribdViewer.swf?document_id=23527843&access_key=key-1zpf5j4iky1h6qlmffa1&page=1&version=1&viewMode=list

I Tertúlia do Aventar: Salgueiro Maia e a Memória da Revolução

 

Tertúlia do Aventar – «Salgueiro Maia e a Memória da Revolução». Sábado, 5 de DEzembro, 18 horas. Com Carlos Abreu Amorim e João Teixeira Lopes. Clube Literário do Porto (à Ribeira).

 

A problemática dos testes

Hoje, na aula de inglês tivemos uma discussão sobre o sistema educacional português. Tudo isto porque, basicamente, eu resolvi dizer que achava que os testes não deviam valer tanto, como valem especialmente no ensino básico e secundário. Acho que somos obcecados com testes. Mas já vou a este ponto. Eu disse que achava absurdo que numa disciplina como História o teste valesse 60% da nota. Enquanto trabalhos maiores, em que é preciso fazer pesquisa, planificação, montagem do trabalho, por vezes até entrevistas ou gravações, e dá, consequentemente, muito mais trabalho, valem uns meros 20%. O meu professor, o Harry, perguntou a opinião dos restantes colegas. Todos olharam para mim como se eu fosse uma ave rara e disseram que achavam muito bem a existência e importância de testes pois eles obrigam a estudar, e obrigam os estudantes a estar preparados. O Harry riu-se e disse que achava divertida a reacção dos alunos quando ele lhes dizia que ia fazer um teste. Ficavam pálidos e assustados, até porque ele tem o hábito de chegar à sala e dizer: olhem hoje vamos fazer um teste. É preciso dizer que os testes que faço no inglês são praticamente uma maneira de aferir os nosso conhecimentos e não propriamente algo que vai influenciar a nota que vamos ter.

Eu dei então os exemplos com que me deparei ao longo dos meus anos de estudante. Ou seja, colegas que nada faziam nas aulas e cujo o comportamento nem era dos melhores mas, quando chegava o teste, estudavam e acabavam por se safar.

Ninguém pareceu estranhar isto. Pedi então ao Harry para explicar como funcionava em Inglaterra. Ele explicou-nos que para eles importantes são os exames – e só há 2 anos que têm exames – e a avaliação do resto da escolaridade  é feita através daquilo a que ele chamou desenvolvimento do trabalho e do estudante. Afinal, parece que há outras maneiras de saber se o aluno estava ou não a aprender.

No fundo a questão é esta. O aprender. Nós a estudar para os testes decoramos a matéria e já está. Eu sei do que falo, afinal estou em Humanidades. O facto é que no momento em que saímos da sala em que estivemos a fazer o teste aquilo varreu-se da nossa mente, mas isso não interessa para nada. Sim, eu estive a decorar as características da pintura modernista; lembro-me lá eu agora quem eram os pintores do Expressionismo. Se for estudar outra vez, é óbvio que me lembrar-me-ei com muito mais facilidade. Mas será que sei mesmo? Será que é isto que é conhecimento? No ano passado, durante o malfadado trabalho sobre o Humberto Delgado sinto que aprendi muito mais do que a estudar para meia dúzia de testes.

Vejo pelos meus colegas, alguns mais do que outros, que há uma obsessão nada saudável em relação aos testes. Lembro-me de colegas minhas que choravam – choravam! – quando o teste lhes tinha corrido pior e tinham uma nota inferior à que esperavam. O que é que isto diz sobre o nosso ensino? Os testes são uma maneira de obrigar os alunos a estudar e a esforçarem-se. Mas será que, no fim do dia, aprendemos alguma coisa?

Imaginem um mundo de suspeitas…

…e todas elas voam, voam, voam e nascidas no alto da montanha vão cair sempre no mesmo regaço. O que se poderá dizer disto? Com tantas variáveis, o vento que pode soprar numa ou noutra direcção com mais ou menos força, as suspeitas que não têm o mesmo tamanho e não têm o mesmo peso, as origens que podem ser diversas, como explicar, que numa hipótese destas a suspeita caia no regaço do mesmo ou no colo de alguem muito próximo?

 

Em termos de probabilidades temo que não haja nenhuma, ou no mínimo, é menor que a vacina da gripe A poder desencadear um mecanismo fatal e, mesmo assim, não se pode culpar a vacina, não só porque ninguem é obrigado a tomá-la mas tambem porque quem a vende está farto de dizer que todos os medicamentos têm efeitos secundários.

 

Então o que verdadeiramente interessa é saber porque raio as suspeitas atingem sempre o mesmo alvo? Põem-se a jeito? Ocupam muitos espaços e muitos interesses? Utilizam o poder que têm para fazer ajustes directos? E contratos onde o risco é todo do Estado? E aspiram a controlar a comunicação social? E controlam a banca? E mentem? E…

 

É que a hipótese, de uma pena, que sai de uma almofada que é esventrada no alto de uma montanha, ir cair no regaço dos mesmos, só se o regaço for muito grande, a dimensão do colo pode melhorar as probabilidades de a pena, sujeita a todas aquelas variáveis, ir cair no mesmo sitio.

 

Uma das técnicas militares é os soldados abrigarem-se nas covas feitas pelos morteiros, é quase certo que mais nenhum morteiro lá vai cair. E porquê? Porque é quase impossível  disparar outro morteiro nas mesmas condições!

 

Porque é que Sócrates, os amigos e os familiares fogem a estas regras tão simples? Esse é que é o problema!

 

 

De como a história liga Cyrano de Bergerac a Lance Atkinson, passando por carne enlatada

Hector Savinien de Cyrano de Bergerac ficou para a história como um hábil autor de cartas de amor. Não dele próprio para as suas amadas mas sim para as amadas de outros, daqueles sem arte para construir frases ao sabor da pena e da tinta disponíveis na França do século XVII. Ele escrevia, os outros assinavam por baixo.

 

Mesmo que a verdadeira história deste escritor gaulês seja, aparentemente, bem diferente da retratada pela peça de teatro de Edmond Rostand, a ficção acabou por se impor e deixou-nos um autor brilhante nas palavras e narigudo no aspecto. Distribuiu diversas cartas de amor, ajudando outros homens a conquistar as suas mulheres, enquanto ele próprio ficava a carpir mágoas, sem sorte nas coisas do coração, terminando sozinho.

 

Para o que aqui nos traz, fiquemos pela visão popular de Cyrano. Serve a contento para ilustrar o caso de Lance Atkinson. Neozelandês mas a viver na Austrália, Lance foi condenado, há dias, a pagar uma multa de 16 milhões de dólares. A penalização foi aplicada pela US Federal Trade Commission, que acusou e condenou Lance por ser responsável pelo envio de 10 mil milhões de emails de spam por dia, promovendo a venda de medicamentos pela internet. Num dado momento, terá sido, garante a organização, responsável por um terço de todo o spam mundial.

 

Esta é a segunda multa que Lance terá de pagar, depois de já ter sido condenado em 100 mil dólares por um tribunal de Queensland. Dessa feita por ter enviado dois milhões de spams a endereços de email da Nova Zelândia.

 

Com esta doentia epistolar, Lance e a sua equipa obtiveram rendimentos de dois milhões de dólares. Não se sabe quanto auferiram as empresas que encomendaram o serviço a estes spammers. O que torna o caso deste jovem aproximado ao de Cyrano. Tanta produção epistolar, tão pouco rendimento, tão pesado castigo.

 

P.S. Para quem não sabe, aqui fica uma informação extra. O termo spam aplicado ao envio maciço e não autorizado de emails tem a sua muito provável origem numa marca de carne enlatada, muito em voga na II Guerra Mundial, em Inglaterra. O racionamento de alimentos durante e após a guerra foi uma constante. Com a excepção de spam (spiced ham – fiambre condimentado), que eram amplamente consumida até à exaustão e ao enjoo. Mais tarde os comediantes Monty Phyton efectuaram uma paródia sobre esta matéria. O resto é história…

 

 

Nascer, crescer, morrer. A persona é transição

Transição é um conceito trabalhado por nós em Portugal, na sequência dum seminário da UNESCO, realizado entre Paris e Lisboa. Definimos o conceito tal e qual como está referido no livro publicado em 1991 e que consta na bibliografia do presente texto. Era um conceito sobre o social; de como dentro da interacção, há rasgos de comportamento estabelecidos a permanecerem, ideias a mudarem, gerações de diferentes saber a conviverem, contexto social de memória larga, contexto social de memória curta, contexto social em permanente mudança. Uma sistemática contradição do que as pessoas pensam, dizem e fazem. Contradição a dinamizar o crescer no labirinto da história.

 

Um conceito sobre o social não pode ser pensado fora do ser humano, como parece evidente. Mas, de qual ser humano e dentro de que posicionamento? É parte da questão da pessoa individual? Dos indivíduos em interacção? De grupos? Porquê pensar entre indivíduo e grupo? A pessoa parece não poder ficar longe de outras pessoas. Já o Direito Romano das Institutio Justinani ou o Código de Direito Romano compilado por Justiniano I em 553 D.C., Imperador de Roma, definia persona como todo o ser humano capaz de ter direitos e deveres para exercer perante os outros, ou com os outros, conforme a sua capacidade, idade e condição. Lembro-me ter arguido no meu capítulo do livro supra invocado, que toda a sociedade é um sistema em permanente interacção para a mudança. Mudança em resultado da persona estar a passar entre diversos ciclos de vida. Ciclos de vida? Cronologia? O que é que eu entendia? Por ciclo de vida, eu entendia os ritos de passagem de acordo com Van Gennep (1909), a passagem duma forma de viver para outra, processos diferentes em toda a cultura. Como Frazer tinha ensinado ao analisar mitos em 1890. Como Goody me ensinou directamente e, posteriormente, escreveu de forma muito esclarecida (1995). Ou como Maurice Godelier debatera connosco no citado seminário, passando essas suas ideias à escrita em 1981 e 1984. Análises que todos temos desenvolvido nos nossos trabalhos ao longo dos derradeiros 20 anos. Persona acabava por ser uma entidade em transição, em mudança permanente. Rasgos do ser ficam a serem desenvolvidos ao longo da vida, rasgos do ser a nascerem nesse itinerário histórico em interacção.

  

Será que vou dar uma aula sobre transição? Será que o estimado leitor deve sofrer as minhas concepções sobre o social, sobre essa heterogeneidade que é a vida? Ou será que o leitor vai apreciar apenas estas minhas meditações sobre a vida provocadas pelo domingo à tarde, pelas minhas ideias sobre como ampliar o aparelho conceptual para entender o contexto epistemológico das crianças. Um contexto em mobilidade permanente, processo pelo qual a criança passa sem reparar, ao longo do tempo. Sem reparar que a vida tem feitos de começo, meio e fim. Porque, enquanto vive, não entende que está a mudar sempre. Até chegar o dia da experiência em que fá-la parar, meditar e pensar: mudança, qual o conteúdo?

 

 

 

1.Nascer

 

 

É a primeira mudança de todo o ser humano. É a passagem a ser pessoa autónoma de repente. Sem se ter a capacidade de entender, sem se ter a força de confrontar a separação da vida do corpo da mãe que o chocava, para passar a ser um corpo ainda a precisar da colaboração dos seus adultos para se criar. Para se desenvolver. Criança que chora e ri conforme os estímulos sensitivos mais elementares num ser que, às tantas, pode filosofar. Ou ter imaginário, ou fantasia. Nascer é o grito de liberdade duma entidade que lança o primeiro berro mal lhe entra o ar nos seus pulmões, mal fica a sentir o ar que penetra pelo seu corpo. Um sair da piscina aquecida do útero materno para entrar no ambiente mais amplo do lar. Eis a necessidade de levar o pequeno ser ao peito da mãe para sentir ainda esse calor que o envolveu durante nove meses. Sítio de onde ouvia os estímulos externos de paz ou de raiva que entravam no seu corpo pelo sangue da mãe ou ouvia pelas vibrações da água que o envolvia. Nascimento a desmamar da nicotina, de sabores de comidas que no corpo entravam pelo corpo da mãe; ou, do som da música da voz do pai, dum Mozart às tantas ouvido, duma calma especial ou dum exercício feito pelo corpo que o transportava. Nove meses de entender, através da matéria corporal, as ideias da vida. A ficarem numa memória ainda não desenvolvida. Melhor dizendo, ainda a ser formada. Porque nascer é trazer já a história do casal, a história do lar, a história dos ancestrais contida na experiência cuidada da casa. Ou, não cuidada para ele. No entanto, memória. O grupo social vê o neo nato como um bebé, sem tentar sentir que, perante os adultos todos, está presente um indivíduo a comunicar com os seus signos retirados do saber incutido no ventre materno, e através do ventre materno, pela história que lhe coube viver quando não parecia actor da mesma. Transição em nascer, é participar na interacção social enquanto se acumulam dados para, mais tarde, agir na vida conforme os objectivos apreendidos, desenhados, definidos, imaginados, configurados conforme o contexto no qual se vive. Ideia rara, já entendida por Justiniano, esse invocado Imperador. Uma lei do Século V a entender o ser persona como uma realidade dinamizadora da inspecção feita pelo bebé das suas mãos, dos seus olhos, dos seus intestinos. Até ao ponto de se ter pensado que era persona apenas o novo ser capaz de olhar para os quatro cantos do quarto. Nascer é continuar a história aprendida a partir da comunicação sentida dentro dum outro corpo, para desenvolver depois na interacção individual autónoma, culturalmente escolhida. Um código genético no qual os biólogos nos fazem pensar. Desde faz tempo. Sabida a sua existência, faz pouco. Sabida por poucos. Mas, já entendida pelos redactores do primeiro código legal a governar o nosso ocidente. Descoberta para ser espalhada rapidamente, a correr, dentro do grupo social, para se saber que todo o bebé é uma persona que sabe. Saber cuidado e cultivado como memória, pelos denominados nativos de culturas não ocidentais, com experiência oral do gerir dos mais novos. Bem dizia Maurice Godelier, em 1981, como os Baruya isolam as mulheres grávidas num sítio diferente e calmo. Bem vejo como a lei do império do capital permite apenas um mês de licença pré-natal e mais um mês de pós-natal…apenas Bem vejo os meus Picunche da América do Sul olhar com todo o respeito para uma mulher grávida, e lhe proporcionar um canto de paz, sem mais deveres do que os que ela própria decidir. Bem velhas são as críticas a esta situação feita nos romances de Charles Dickens…e os costume rurais portugueses e galegos para tratar a grávida com essa mesma palavra: grave, situação de cuidado. Porquê?

 

 

2. Crescer

 

Nasce e cresce. Desenvolve, sem saber, o código genético da sua memória, do seu livre arbítrio,
or
ientado pelo saber da sua cultura. Sem saber que o que está a aprender já o percebia. Como andar, comer, rir, escapar…perante imagens gravadas com antecedência na sua memória individual. Porquê o comentário típico dos adultos, ao dizerem: ri como a mãe, tem as cores do pai, foge como o seu avô fugia em pequeno, ri perante as mesmas tolices que o seu tio mais velho? Comentário de família feito em torno de uma teoria da qual ainda pouco se sabe. Ainda menos, tecida com o saber da experiência do grupo. O crescimento não é apenas o nutrir, ensinar, orientar e dinamizar. O crescimento é assimilar o afazer dos pequenos ao afazer dos adultos. Ou, comparar essas tarefas com as tarefas dos adultos. Como esse avô do qual falo num outro texto (1999d), a ensinar gentileza a uma criança por meio de a fazer repetir gestos dum homem adulto: Menino, faça um cavalheiro, e o menino calava, cruzava as pernas e ficava a olhar à distância, sério, de olhos fixos, calmo e senhor de si próprio. Talvez seja a primeira vez que eu próprio me tenha apercebido do saber envolvido no crescimento da criança: um saber sabido, evidenciado enquanto lhe é transferido o saber social que a criança pensa, mede, calibra e aceita (ou não). Chamam teima ao não querer fazer. Chamam manha ao teimar em fazer como a criança quer. Chamam mal comportamento à autonomia do agir, ao isolamento procurado pelos mais novos, à resistência a querer obedecer o que não gosta de fazer. Os adultos não sabem que a criança tem pensamento. E que a dita teima é apenas o conferir entre o que sabe e o que lhe é transmitido como ciência ou fazer social, saber social. Bem diz Paulo Raposo nos seus textos (1991,1996,1998), que os ateliers que faz com crianças, retiram das mesmas um saber aprendido de não sabe onde, antes de irem à escola ou serem ensinados no lar, na rua ou na catequese. Um Paulo Raposo que deverá entender agora que esse saber vem incutido desde o primeiro dia de existência e é apenas desenvolvido por meio dos estímulos que os adultos lhes dão. Em actividades performativas ou rituais criadas pelos mais novos ao longo das brincadeiras da vida. Essa que Filipe Reis estudou (1991), quando prova que a brincadeira é uma forma de calcular o sim e o não da opção que todo o ser humano faz na vida adulta. Uma ideia que já tínhamos estudado em equipa nos Tempos Livres de Vila Ruiva e relatada em vários textos a teorizar o saber que a criança tem porque o traz consigo.

 

Quem me dera que o Ministério da Educação dedicasse tempo especial a essa epistemologia para ser incorporada nos estudos das escolas. Mas, quem me dera que os adultos soubessem que a criança é já sabida na sua transição do corpo da mãe à vida adulta. Vida orientada pelo saber intra-uterino. Vida orientada pelo desenvolver da memória do código genético perante estímulos que andamos agora a aprender e que muitas mães tinham já entendido para elaborar a educação dos seus filhos, bem ao contrário da vontade dos pais. Um saber sabido é o desenvolvido em palavras e conceitos no crescimento das crianças. Como tentei mostrar num livro meu em 1998. Queira o leitor pensar no assunto. Eu sou capaz de me colocar a pergunta por ter visto uma mãe tratar os filhos tal e qual a sua capacidade de apreciar a vida. Persona em transição entre o saber incutido nos genes e o saber social, desenvolvido na interacção.

 

 

3. Morrer

 

O acto final duma vida. O fecho da transição. Quando a memória se fecha e os olhos também. Quando o código genético descansa. Esse código genético que trazia inscrito o dia e a hora na qual íamos parar de viver e passar à denominada eternidade. Um facto contra o qual nos rebelamos de tal maneira, que não queremos dizer a palavra morte. Há muitas outras usadas em várias línguas que retiram o peso do fim: fechou, passou, ficou a dormir, o sono eterno, foi-se embora. Ou, com profunda tristeza: deixou-me, traiu-me, abandonou-me. A morte acompanha o início da vida. O começo da análise da vida que podemos fazer sobre uma persona. De medir quanto é que sabia e quanto é que tinha entregue aos outros o recebido de outros, quais as sua maravilhas. Ou as suas tolices. É dito algures que não há morto mau. Se pensarmos com calma, todo o morto é bom. Ficam connosco os sentimentos que a essa pessoa nos unia. Um acto de cena final para o qual não estamos nada preparados. Nem se fala do derradeiro acto da vida, tenta-se ocultá-lo. Disfarçar com rituais e com lembranças das excelências espalhadas no contexto social da história a que essa persona coube viver. Ou, soube fabricar. Tanto e de tal maneira, que temos criado uma outra vida para essa persona. Manipulada de duas maneiras: as lembranças da memória social, as aventuras dentro da vida eterna. Ou, a saudade de pensar que já não tem que trabalhar, que não tem que sofrer no seu corpo a dor que o leva à morte. Como diz essa mulher Picunche que me falava da morte, essa etnia que almoça aos domingos no cemitério, na campa do pater familias do grupo familiar: a morte é uma dor tão forte, que nos mata. Redundância ou explicação? O que é que interessa? Interessa entender como o grupo social acaba por criar um asilo para esta etapa do acto final. A vida está cheia de prevenção à morte, a vida é uma luta para viver a vida calma, em paz e serena. A vida é uma ditadura que pretende retirar todos os elementos que fazem mal ao corpo. Excepto um, o mais importante: a desigualdade social e as formas etnocêntricas de a criar: que sistematiza hierarquias que permitem, aos menos, viver bem, e aos mais, viver em desamparo.

 

O desamparo é a morte, essa perda que deixa um vazio impossível de substituir, mas passível de alimentar com o desenvolver de outras relações ou de outras actividades. O desamparo é causado pela morte duma persona a nós ligada. Ensino omitido entre os seres humanos que causam duelo e luto. Tristeza e meditação. Cria uma transição do corpo à alma, como já fiz referência num outro texto meu, em 1997. A derradeira transição social é passar de corpo a espírito. Saber sabido e ocultado pelo desespero de não poder controlar o seu próprio fim. Da mesma maneira que não se pode controlar o próprio princípio ou começo da vida. Mais uma contradição dentro da qual vivemos: somos feitos e somos enterrados, mas o crescimento é dito ser autónomo e de auto responsabilidade. A transição está aí: no entendimento de sermos seres nascidos sabidos e morrermos na mais completa ignorância do que virá a acontecer depois de acabada a vida pessoal. A vossa morte, é comigo. A minha, é convosco.

 

É neste ponto que deixo o leitor. O tema não é leve. A proposta que lanço neste texto é para ser comentada. Genealogia, genética, cultura. Nascer, crescer, morrer. Começar, mobilizar, fechar. Biologia e Antropologia. Cultura e natureza. Sermos pais de filhos que nos herdam, no saber como nos bens. Queiramos ou não.

 

 

 

Bibliografia.

 

•Fazer, James Sir, (1890) 1994: The golden bough. A study in magic and religion. Papermack, London.

•Godelier, Maurice (org), 1991: Transitions et subordinations au capitalisme. MSH-CUP, Paris.

•1981: La production des grandes-hommes, Fayard, Paris.

•1984: L’idéel et le matériel. Pensée, économies, sociétés. Fayard, Paris.

•Goody, Jack, 1995; Representations and contradictions. Ambivalence towards images,

theatre, fiction, relics and sexuality. Blackwell Publishers, London.

•Iturra, Raúl, 1991: Changement et continuité: la paysannerie en transition dans un paroisse galicienne, in M.Godelier, (org) Transitions et subordinations au capitalisme, MSH-CUP, Paris.

•1997: O imaginário das crianças. Os silêncios da cultura oral. Fim de Século, Lisboa.

•1998: Como era quando não era o que sou. O crescimento das crianças. Profedições, Porto.

•1999: Meu pequeno, faça um cavalheiro, in Brincadeiras da minha meninice, Associação de Jogos Tradicionais da Guarda, Guarda.

•Justiniano I: in Hunter, William, 1909, Roman Law, Sweet and Maxwell Ltd, London.

•Reis, Filipe, 1991: Educação, ensino e crescimento. Escher, Lisboa

•Raposo, Paulo, 1991: Corpos, arados e romarias. Escher,. Lisboa

•1996: Diálogo com os santos: performance, dramaturgia e aprendizagem ritual, in O saber das crianças, R. Iturra (org), I.C.E., Setúbal.

•1998: O Auto da Floripes: <cultura popular>, etnógrafos, intelectuais e artistas, in Etnográfica, Revista do Centro de Estudos de Antropologia Social, Vol.II, N.2.

•Van Gannep, Arnold, (1909) 1981 : Les rites de passage. Picard, Paris.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Sócrates e o seu mundo de fantasia

Acabo de ouvir o Primeiro Ministro e só o facto de já estar habituado é que me leva a ouvi-lo até ao fim. Somos o país que "mais cresce" no PIB, perdão, temos o maior, perdão, somos os que temos um menor crescimento negativo da UE!

 

O Desemprego cresce todos os dias, já ultrapassou a barreira mítica dos 10%, o déficite é de 8.4%, contra os 5% do governo, o orçamento rectificativo, perdão, distribuitivo, a não ser aprovado inviabiliza pagamentos já este mês.

 

Se as fábricas fecham todos os dias como é que o PIB é o que melhor se comporta ? Hoje é ponto assente pelas instituições europeias que Portugal vai empobrecer nos próximos oito anos, vai divergir da média europeia, ficar mais pobre em comparação com os restantes países da UE, como é que José Sócrates se convence que a propaganda passa?

 

A Segurança Social foi "corrigida" à custa de um corte de 40% nas pensões futuras, as receitas do Estado caíram cerca de 15%, o que mostra que a economia abrandou e já não há recuperações possíveis, só o aumento de impostos aumentaria as receitas, cortar despesas não se vê por onde, a dívida é colossal, este homem vive aonde?

 

Quando Sócrates sair do poder vamos ter muitas revelações. Na Economia, na Banca, na Comunicação Social, na Justiça …

 

A síndroma " vale e azevedo" vai passar por aqui…

…e o exílio continua…

 Acordei feliz e contente, hoje visitava a minha Presidenta da República do Chile, a convite do Senhor Embaixador da República em Portugal. Contente e feliz, porque ia estar dentro de uma parte da minha soberania, ia conhecer umas das mulheres mais destemidas do mundo. Pessoa que foi obrigada a presenciar as torturas inflingidas ao seu pai, nos seus quinze anos. Mulher médica e graduada de defesa nacional, o seu melhor saber. Não apenas governa, defende-nos.

Na Cimeira de Lisboa, que acabara ontem 1 de Dezembro, foi nomeada membro do Conselho de Segurança para América Latina, no qual já estava, e para Europa.

Infelizmente, uma doença que me tem às portas de deixar esta vida e o temporal não me permitiram visitar a nossa Soberana. Mais um golo do exílio dentro de meu pobre corpo e espírito. Tinha já passado por um campo de concentração em 1973, ao visitar o Chile de Allende. Já tinha sido ameaçado com fuzilamento, três vezes em diferentes dias, sempre

dentro do mesmo mês. A parte mais terrível, é se a ameaça não é cumprida. Pensava eu, como referi  noutro texto, por justa causa morreria.

Mas, não fui morto. Bem ao contrário, não apenas a vida, não sei porque, era-me perdoada sub custódia do exército do Chile, com um tutor que devia vigiar todos os meus movimentos. Para estarem certos de que eu não fugia do país, para cumprir no Chile todas as ordens que me mandavam, como dar aulas ao exército, escrever um livro sobre usos e costumes dos naturais do sítio em que eu estava e assim estarem certos que podiam dominar melhor  na base de essa terrível injustiça de asssassinar um Presidente legitimamente eleito e que o povo amava. Todos fomos punidos: os ameaçados de morte como eu, os mortos, como muitos amigos meus ou companheiros de causa, e o povo, com o seu amadao Presidente morto, um povo pobre e sem dinheiro. Ia, hoje, ver a minha Soberania. O médico não o permitiu e fiquei, em desespero, como este que sinto agora, fechado em casa. Este clima imclemente é perjudicial para a minha saúde.. Amigo nenhum me congratulou pela visita da minha Presidenta, nem se ofreceu a transpostar-me para o local do encontro. Certo estou, que o tempo que pudesse estar com a minha a minha Presidenta, melhoraria, se não o corpo, pelo menos o meu espírito. Não aconteceu assim. Senhora Presidente, bem sabemos que não existe mulher de milagres nem que Fátima tenha poderes de curação. Mas a sua solidariedade para nos receber dentro da sua apertada agenda, era já uma cura para a minha terrível melancolia e saudade de estar longe da minha terra, das minhas memórias, da nossa forma de falar. Não sei se vai ou não ler este texto. Talvez não: é triste mas não tem tempo. Acredite que só ver a sua foto e conhecer a sua história e ter estado perto do seu pai, já foam um milagre para mim, homem sem fé. Não vou pedir que o texto seja corregido, vou enviar como está, solitário e despatriado como meu coração. Não por ser Michele Bachelet, é por ser a minha soberania. Continue o seu trabalho para nós. Eu devo melhorar em breve e estou ao seu dispor como ao dispor da Pátria amada e tão longinqua. A sua presença, fez viajar o Chile para mim. Não estar com a minha Soberana, é parte da punição do exílio.

 

 

A máquina do tempo: a Suíça e os minaretes

 

 

Domingo passado, dia 29 de Novembro, 57,5% dos eleitores suíços exprimiram em referendo o apoio à proposta do Partido Popular Suíço (SUP-UDC), uma organização ultra-direitista, de integrar na Constituição a proibição de construir minaretes nas mesquitas que se edifiquem em território helvético. O índice de participação foi de 55% dos eleitores recenseados. O resultado deste referendo não afecta os quatro minaretes existentes em mesquitas já existentes em território helvético.

 

 

aqui falei da Suíça, salientando a ausência de tragédia que assombra um país onde a grande tragédia, estatisticamente expressa no elevado número de suicídios, é precisamente essa extrema arrumação, a obsessão pela correcção e, sobretudo o facto de tudo isso, incluindo o elevado nível de vida que os cidadãos gozam, ser conseguido à custa dos negócios ínvios que para ali canalizam fortunas, protegidas pelo sigilo bancário blindado. No fundo, uma tranquilidade conseguida pelo preço da miséria, da exploração, da lepra do narcotráfico, das máfias, do tráfico de seres humanos, de tudo o que de podre, corrupto e horrendo se passa em redor da Suíça, no resto do mundo, em suma.

 

Mas que importa isso aos suíços se eles vivem bem e numa sociedade assepticamente organizada? Que lhes importou a II Guerra Mundial que dilacerava o mundo em seu redor? Isso era fora da Suíça, que tinham eles, povo neutral, a ver com os outros que se matavam entre si? Além disso, seis milhões de judeus eclipsaram-se em fumo, saindo pelas chaminés dos campos de extermínio. Muitos deles tinham contas nos bancos suíços e todo essas fortunas foram incorporadas no tesouro nacional. Morreram muitas dezenas de milhões de seres humanos? Que importa? Quem os mandou não ser inteligentes como os suíços?

 

Também já falei aqui do problema do Islão. Da intolerância da sua hierarquia clerical e da compartimentação cultural, semelhante à da nossa Idade Média. Quando duas intolerâncias colidem, o que acontece? Resultados como o do referendo de domingo em que os suíços recusam a existência de minaretes de mesquitas nas cidades da Confederação Helvética. Lamentável? Certamente.

 

      

A intolerância da clerezia islâmica baseia-se no pressuposto de que sendo a sua fé a única verdadeira, não fazem os cristãos (os infiéis) mais do que a sua obrigação em tolerá-la, sendo mesmo assim grave aos olhos de Alá o facto de não se apressarem a converter-se. Eles, possuidores da verdadeira e única fé, não têm de tolerar as falsas confissões. Exactamente a postura que na Idade Média levou os cristãos a empreender a triste aventura das cruzadas. Já aqui falei desse fenómeno da intolerância dos islamitas.

 

As fotografias que o João José Cardoso aqui publicou provam que não é por uma razão de ordenamento paisagístico, como alguns defensores do resultado do referendo afirmam, que os suíços recusaram a edificação de minaretes. É por medo. Justifica-se esse medo? Em parte sim. Os islamistas não brincam e entre inofensivos fiéis de Maomé que limitam a sua crença às cinco orações rituais e à observância das demais leis corânicas, misturam-se aqueles que acham que se «não vai a bem vai a mal».

 

Porque a verdade é que o índice de conversões ao islamismo entre as populações de acolhimento aos imigrantes muçulmanos é irrelevante – deve mesmo estar abaixo dos números obtidos pelas Testemunhas de Jeová. Não será pela prática do proselitismo que o Islamismo entrará nos países europeus de maioria cristã. A iniciativa de Kadhafi em Roma, ao reunir 200 boazonas para lhes falar do Islão (deixando muitas delas desiludidas, pois pensavam que iam para uma orgia de Berlusconi…), só nos pode fazer rir.

 

Nós cristãos, judeus, ateus, temos de fazer um esforço para compreender a maneira que os islâmicos têm de ver o mundo. Afinal eles são muitos milhões. Porém, enquanto eles não compreenderem também que há muitos mais milhões de pessoas no planeta que se estão nas reais tintas para o que Maomé terá dito ou não e que nunca conseguirão convencer-nos duma verdade que só o é para eles, nada feito. Há mesmo o perigo de uma grave confrontação, porque a cegueira dos fanáticos (os islâmicos, os judeus, os cristãos…) é enorme.

 

O sim suíço à proibição é lamentável. Atesta a existência de uma corrente dominante de islamofobia no pais e é um sintoma de medo e de intolerância. Não porque os activistas islâmicos sejam tolerantes e, por essa tolerância, mereçam reciprocidade. Mas porque a intolerância vinda do nosso campo só aumentará o ódio no campo deles. Demonstrar medo (porque foi isso que aconteceu domingo na Suíça), fornece-lhes argumentos e motivos para o seu fanatismo.

 

O que me parece pedagógico é aceitarmos que eles pratiquem livremente a sua crença entre nós e que tentem convencer-nos à vontade. Para mim e para os que pensam como eu, vêm de carrinho… Quanto ao terrorismo, sendo uma forma inaceitável de fazer política, tem de ser reprimido com firmeza, não por ser islâmico, mas por ser criminoso. A integração dos islâmicos nas sociedades europeias é a arma mais eficaz contra o fanatismo e contra o consequente terrorismo. Leis como esta que o eleitorado suíço acaba de aprovar são o que os extremistas querem – motivos para odiar e para matar.

 

O resultado deste referendo, fornece-lhes álibi para mais uma das suas sangrentas acções. Os islamitas honrados e trabalhadores, que são a esmagadora maioria, terão ficado tristes por este acto de descriminação para com a sua crença. Os outros, os islamistas fanáticos, minoritários, mas influentes e manipuladores, esfregam a estas horas as mãos de contentes.

 

E mais alguns dos primeiros, passam para o campo dos segundos.

 

 

Quem tem medo morre duas vezes

Uma das óperas de Mozart foi retirado da lista da Ópera do Estado de Berlim

por medo de um ataque terrorista. É um exemplo chocante de capitulação

preventiva: neste ponto, ao que parece, os terroristas não precisam mesmo

de emitir uma ameaça específica, a fim de nos intimidar.” (DER SPIEGEL 27.09.2006)

 

 

 

Foi esta notícia (traduzida por mim do alemão) de 27 de Setembro 2006 que repassei e comentei no meu mail abaixo referido.

 

O que aconteceu há 3 anos em Berlim é um dos exemplos do que não se deve fazer em caso algum:

 

1º Reagir capitulando preventivamente

2º Reagir proibindo – p.ex. minaretes – e/ou procurando a confrontação com métodos autoritários que podem ir até às guerra preventivas.

 

Os “istas” das mais diversas facetas adoram comportamentos deste tipo, pois sabem quem reage assim encontra-se na mó de baixo e em vias de uma derrota psíquica que antecede à física.

 

Hoje não vou repetir o que significa agir, ou seja, a 3ª hipótese e única forma de saír airosamente do atoleiro. No entanto, peço desculpa por me estar a repetir mais uma vez enviando o seguinte texto:

 

“A complexidade gera insegurança. A insegurança, por sua vez, gera medo. É desse medo que nos queremos proteger. Por isso o nosso cérebro filtra tudo o que é complicado, impenetrável e incalculável. O que resta é um aspecto parcial – aquilo que já conhecemos. Porém, como este aspecto parcial se encontra entrelaçado com o todo que não queremos ver, cometemos muitos erros – o fracasso é logicamente programado. Sem dicção aborrecida e academizada, mas sim com muito juizo e humor, Friedrich Dörner, um dos primeiros premiados Leibnitz da comunidade investigadora alemã, nos mostra todos os pequenos, cómodos e tão humanos erros de pensamento pelos quais, no melhor dos casos, só paga um e, no pior, todo o globo.

 

Recensão do livro “The Logic Of Failure: Recognizing And Avoiding Error In Complex Situations” do catedrático alemão de psicologia e investigador de complexidade Prof. Doutor Dietrich Dörner, pelo jornal alemão “Rheinischer Merkur/Christ und Welt”.

 

Como se consegue evitar caír em paralogismos é conhecido mas só uma minoria o admite: basta desactivar esse filtro que no “nosso cérebro filtra tudo o que é complicado, impenetrável e incalculável”. E isto faz-se reduzindo os factos de cada situação complexa e impenetrável ao seu teor energético-estratégico.

 

Exemplo prático: quando uma empresa se encontra em declínio, costuma tecer-se um sem-fim de considerações sobre possíveis causas, efeitos e medidas de salvação. Não raras vezes dá-se a culpa aos clientes que não compram, pensa-se, com espírto de contabilista, em malabarismos financeiros ou então pede-se ao estado para nos socorrer – vai-se ao IAPMEI, claro. Desligando o tal “filtro”, rapidamente chega-se à conclusão que se está perante uma desarmonia que precisa de ser eliminada. Com outras palavras: o nosso produto já não preenche as reais necessidades dos clientes. Daí, basta seguir o seguinte conselho

 

„A melhor hipótese de aumentar a venda de um

produto consiste no seu melhoramento“.

David Ogilvy

 

e já está*. Isto não será uma verdade de La Palisse? Claro que é, mas pergunto: como é que tanta gente importante, formada nas melhores faculdades e principescamente paga, não consegue ver o óbvio? A resposta é fácil: porque não conseguiram desactivar o tal filtro ficando, assim, impedidos de ver o mundo com outros olhos e, assim, soluções viáveis. It’s the strategy, stupid….!!!

 

RD

 

* Até tenho conhecimento de uma empresa em declínio onde aparentemente tudo batia certo: imagem, grau de notoriedade, publicidade, qualidade do produto, preço, assistência técnica, etc. Foi tudo analizado segundo o last state of arts das (pseudo-) ciências da gestão. E nada. Quando finalmente alguém com o “filtro desligado” se lembro aprofundar o inquérito aos clientes, ficou a saber que a culpa ds baixa de vendas era dos prazos de entrega irregulares. Bastou preencher este “factor mínimo” e a empresa voltou ao sucesso.

 

 

 

A perda de poder solidário do ocidente ficou mais uma vez

óbvia. Todavia, não é com armas e violência que pode ser

reconquistado. Assim, vamos recuando mais e mais até que

um dia as cruzes nas igrejas cederem o lugar à meia-lua.

 

RD

Rolf Damher – convidado 

 

SPIEGEL ONLINE, 09/27/2006

 

I Tertúlia do Aventar: Salgueiro Maia e a Memória da Revolução

 

«Salgueiro Maia e a Memória da Revolução», com Carlos Abreu Amorim e João Teixeira Lopes. Sábado, dia 5 de Dezembro, às 18 horas, no Clube Literário do Porto (à Ribeira).

A Restauração de 1640, Rafael Valladares e a revista Clio

 

 

 

Os historiadores espanhóis manifestam intermitentemente, algum interesse quanto ao relacionamento que o seu país manteve ao longo dos séculos, com Portugal.

1640, é sem dúvida, a data chave convencionada além Guadiana, que marca indelevelmente o declínio do poderio mundial espanhol.

Se a revolta catalã mereceu – dada a proximidade territorial com a França – uma rápida reacção militar e se integrou no conflito espano-francês a decorrer no âmbito da Guerra dos Trinta Anos, a independência portuguesa era de difícil resolução, embora os estudiosos espanhóis ainda a encarem depreciativamente como um mero conflito entre a alta nobreza conservadora e o governo centralizador de Madrid.

O artigo descreve sucinta e cronologicamente os factos ocorridos, embora a interpretação dos mesmos, peque da habitual parcialidade, omissões várias e alguns erros de alguma importância. Assim, é decerto por mero desconhecimento, que o autor apresenta Filipe II como o herdeiro natural e …"el mejor situado en cuanto a parentesco"… para assumir a coroa vacante em 1580. O argumento utilizado, pode de facto, ser aplicável ao Prior do Crato, devido à sua condição de filho bastardo do infante D. Luís. No entanto e segundo o autor, a Duquesa de Bragança, seria automaticamente arredada da sucessão, por ser uma herdeira feminina, o que a deixaria em desvantagem sucessória perante o rei espanhol. 

Neste ponto, o dr. Valladares decerto não desconhece a inexistência da Lei Sálica nos dois maiores reinos da península, até porque no que a Portugal respeita, existia o bem conhecido precedente de D. Beatriz, natural sucessora de D. Fernando I. Torna-se assim evidente que a exclusão de D. Catarina, duquesa de Bragança, se deveu ao exercício de uma clara coacção por parte de quem detinha a força militar e o poder corruptor do dinheiro. Argumentando correctamente acerca de movimentos precursores da fusão dos diversos reinos da península, nomeia sem especificar …"un nieto de los reyes católicos"… que no ocaso do séculos XV, era o herdeiro dos três tronos. É claro que sabemos tratar-se de D. Miguel da Paz, filho de D. Manuel I e da princesa D. Isabel, herdeira de Castela e de Aragão. O facto de D. Miguel – se tivesse sobrevivido aos seus progenitores – ser o possível unificador da península sob o ceptro de Avis, é para o autor, despiciendo. Compreendemos porquê.

O período efectivo da chamada União Ibérica, não merece senão algumas muito vagas referências, limitando-se Valladares a focar os interesses mercantis de sectores muito localizados de mercadores desejosos do comércio e acesso à prata espanhola, e da nobreza sequiosa de prebendas e desempenho de cargos administrativos na Monarquia dos Áustrias. 

Ao longo do texto, esperámos encontrar, mesmo que de forma difusa, alguma menção aos factos que decididamente levaram à colisão de interesses entre os dois reinos e isto mais estranho se torna, por serem tão evidentes e conhecidos. Não há qualquer referência à proibição do rendoso e tradicional comércio com as potências do Norte – a Holanda sublevada e a Inglaterra protestante -, não existe a mínima menção à depredação do poder naval português em empreendimentos de cariz imperial (Invencível Armada, etc) e nos conflitos com aqueles que eram alguns dos nossos mais importantes clientes; não se vislumbra qualquer interesse no estudo da situação criada pelo esvaziamento dos arsenais portugueses, cujas armas foram utilizadas nos campos da Flandres e na guarnição da rede de fortalezas que protegiam os territórios filipinos no norte da Itália e zona renana. O estado de abandono das defesas portuguesas no Oriente, que foram aliás os primeiros alvos dos inimigos de Espanha (antigos clientes de Portugal), levou à total ruína da presença lusa no Índico e Pacífico ocidental, onde ingleses e holandeses instalaram uma nova talassocracia. A perda de vultuosas rendas provenientes do antigo monopólio do comércio com a Índia, China e Insulíndia, levou à inevitável e extrema pauperização do tesouro da coroa de Portugal, com a eclosão de um descontentamento sempre ascendente. O não cumprimento dos juramentos efectuados nas Cortes de Tomar, nem sequer merece uma reflexão sumária e tão mais importante, quando se torna afinal, no móbil ideológico e propagandístico utilizado pelos revolucionários de 1640, na sua acção diplomática em toda a Europa. 

Já na fase pós-1º de Dezembro, o autor vai divagando acerca …"del nuevo régimen bragancista: una monarquía limitada por la tradición, respetuosa con las inmunidades estamentales y regida por unos consejos integrados por la nobleza". Desta forma, o dr. Valladares parece não compreender o transcendente suporte que o trono dos Bragança recebeu por parte daqueles a quem os espanhóis habitualmente chamam de "poderes fácticos", isto é, os interesses comerciais, a nobreza administrativa e militar e a Igreja. Não parece entender o aspecto chave de toda a questão, até porque todos os conflitos internos do Estado espanhol, giram até aos nossos dias, em torno da velha questão dos "fueros".

A evidência de todo o Império colonial luso ter aderido ao novo estado de coisas, não merece qualquer relevo e isto é demonstrativo, de uma verdadeira incompreensão da situação vista pelo prisma português. É que a viragem do interesse da expansão para a zona do Atlântico, já era notória no reinado de D. João III e a aventura africana de D. Sebastião, pode talvez, ser encarada neste âmbito de consolidação de posições de controle de uma nova área de influência. Assim, as boas relações com as potências marítimas – que para grande alívio dos governos de Lisboa foram reduzidas, décadas após a Restauração, a uma Inglaterra interessada na manutenção de um Portugal independente -, não são compreendidas à luz do interesse do estado português. Este aspecto é tão mais relevante, porque é bem conhecido dos estudiosos além Pirenéus, como condição sine qua non da política externa nacional desde 1372, e que chegou sem fissuras ao século XXI.

As explicações relativas às tentativas diplomáticas para a reincorporação na coroa de Filipe IV, são igualmente nebulosas e inconsistentes, uma vez que versam repetidamente, a correcção do caminho trilhado por Madrid, que rasgara o acordado em Tomar. Assim, o texto menciona o objectivo de Filipe IV, consistindo aquele em …"restaurar un patrimonio usurpado y tiranizado para devolver a los portugueses a un gobierno legítimo y justo basado en las leyes y tradiciones de Portugal". O autor não tem em conta a profunda clivagem ocorrida quando da tentativa de colocação em prática da chamada União de Armas gizada por Olivares, talvez a faísca que ocasionou a explosão da revolta. Esta política de assimilação, pressupunha um esforço militar colectivo e necessariamente, a redução das leis de todos os reinos componentes da Monarquia, à lei geral de Castela.

Não pretendendo discorrer muito mais acerca do texto, deparamos também com a habitual minimização do factor militar. No entanto, é sabido que os grandes confrontos ocorridos após a morte de D. João IV
e
em plena regência da rainhaD. Luísa, fizeram ruir a esperança espanhola numa rápida resolução bélica do conflito, dada como garantida por Madrid. É certa e infalível a costumada menção ao factor da intervenção inglesa – justificando-se airosamente as estrondosas derrotas do exército espanhol – sem manifestar qualquer referência ao tremendo esforço português, que pagou caro em sangue e em bens, as vitórias que de tão incontestáveis, ditaram o sucesso em 1668. Este esforço militar não se fez sentir apenas na defesa da integridade do território metropolitano, pois foi também evidente na defesa do Brasil face à ameaça holandesa – a grande potência naval daquela época – e à posterior reconquista de todos os territórios do nordeste ocupados, assim como a expulsão dos batavos de Angola e S. Tomé. O empenho da nova dinastia – uma das grandes casas senhoriais da península, senão a maior – na consolidação da independência, se ditou a sua ruína financeira, foi a base sólida que fez dobrar a vontade espanhola. A essa energia e porfiar de esforços e sacrifícios, deve Portugal a sua existência como país e nação independentes.

Este texto publicado pela Clio, é uma vez mais, um já habitual reescrever da História. Uma história que não é agradável para alguns, mas que deverá ser sempre vista sob o crivo da verdade.