A "opinião pública" de dois ou três zangados convivas


Os habituais fazedores daquilo a que abusivamente se chama opinião pública, desesperam no final de cada verão que como é regra, sempre foi a estação em notícias capazes de atrair um mínimo de atenção. Passada a fase seca, os frios que sopram do norte e do leste, fazem recrudescer o manancial para o espectáculo do entretenimento.
De facto, não existe em Portugal, uma opinião pública tal como a conhecemos em alguns grandes centros urbanos na Europa ou nos Estados Unidos. No nosso país, essa opinativa actividade, é reservada a uma dúzia de participantes no jogo político que aparentemente criticam. Os habituais amigos, filhos, primos ou amantes de “personalidades de relevo”, entram-nos em casa todos os dias, perturbam-nos a digestão e obrigam os telespectadores à maçada muito pequeno burguesa do zapping, na esperança de uma fuga às pequenas misérias que pelo passe prestidigitador desses opinion makers – é assim que se reconhecem e se comunicam, sempre em inglês -, sobem às alturas e transcendências dos outstanding events ou breaking news.

Para existir uma verdadeira opinião pública, essa massa anónima que teoricamente nomeia ou despromove políticas ou personalidades, um país terá infalivelmente que contar com sectores consistentemente organizados e participativos nas mais ínfimas formas de manifestação de interesse pelo destino comum. A isto normalmente se chama “espírito cívico” e na Inglaterra, por exemplo, proliferam sociedades já centenárias, onde os seus sócios se dedicam à preservação de testemunhos de um passado aparentemente desinteressante e por vezes muito excêntrico – a sociedade dos arqueiros, dos lanceiros ou dos amigos dos torneios -, mas que para uma comunidade, reafirma pela sua simples existência, uma constante naquele sentimento de pertença a uma terra, a um povo, enfim , à identidade que lhes é por qualquer forasteiro reconhecida. Desta forma, se em Lisboa entrarmos numa casa de revistas e jornais, podemos contar com um grande número de publicações especializadas em temas por vezes estranhos ou anacrónicos, onde após milhares de páginas publicadas durante dois séculos, ainda são publicados textos relativos a Waterloo, ou às características náuticas deste ou daquele vaso de guerra da Marinha Real do século XVII. Há quem se interesse, investigue e publique, sabendo da existência de um público ansioso por saber mais, em cimentar certezas e talvez, ávido em cultivar um certo fetichismo por símbolos de um passado que lhe dá razão de ser. É esta gente que lê, que se interessa e segue atentamente os debates sob os mais diversos temas nas tv’s nacionais e estrangeiras, que constitui verdadeiramente a chamada opinião pública. Entende os discursos, possui referências capazes de situar o colóquio ou tema deste, no espaço e tempo histórico e forma assim, um núcleo decerto restrito mas influente, de verdadeiros cidadãos aos quais os agentes políticos terão forçosamente de dar a devida importância.

Esta é a única cidadania possível.

Em Portugal, não existe esse tipo de opinião pública e é supérfluo explicarmos a causa dessa grande lacuna num sistema – ou melhor, forma de governo – que se reclama da democracia. Existe sim, uma opinião que, sendo restrita a um círculo indecentemente íntimo dos donos da situação, não pode ser considerada pública, pois reserva-se a uma casta de duvidosa pré-selecção em conformidade com as regras acima descritas e que condiciona a informação que interessa. Os debates televisivos alongam-se infinitamente em discussões absolutamente irrelevantes e a aproximação da abertura ou conclusão das taças e campeonatos da “Liga” são um bom exemplo, ou recorrendo ao hipocondrismo latente na sociedade, debatem-se consecutivamente, centos de cancros e tumores, gripes imaginárias -e sobretudo lucrativas para a meia dúzia do costume -, fungos e bactérias. Os horários nobres são desta forma monopolizados por todo o tipo de lixo susceptível de consumo, seja aquele protagonizado por um Dono da Bola, um intriguista dos mentideros das alfurjas da partidocracia tentacular, ou pior ainda, por novelas ou séries sem qualquer interesse e perfeitamente virtuais no que respeita à realidade portuguesa. A esmagadora maioria dos sujeitos passivos – os espectadores -“não quer saber” e pior, manifesta orgulhosa fanfarronice nesse desinteresse. A política, o ambiente, os problemas locais, a História, isso, …“é para eles, os malandros que se governam à nossa conta”…É esta, a grande opinião pública que temos.

A verdadeira opinião local, é diariamente engendrada pelos fazedores de casos e açuladores daquilo que é mais rapidamente assimilável por massas embrutecidas ao longo de muitas décadas. Uma notícia vem quase sempre acompanhada pela censura velada …“à arrogância, afastamento e desinteresse pela festa popular”... e desta forma, o putativo candidato a governante, terá para essa gente, que se sujeitar ao íntimo contacto e à perda do seu precioso tempo e de energia, com o eleitor incapaz de qualquer discernimento, ou, ainda pior, de decidir conscientemente acerca de qualquer aspecto minimamente relevante da sociedade. Para os opinion makers domésticos, o bom político interessado, é aquele que se sujeita ao regabofe circense, ao permanente escrutínio da sempre presente inveja e do despeito deste ou daquele grupo de melindrados, estranhos ao círculo próximo da vítima a abater. Deve mercadejar em feiras de salsichões ou de Bentley’s, calcorrear lotas ou Bolsas até à síncope libertadora, em nome da condescendência perante o zero absoluto. Quantos de nós não conserva a memória das patéticas cenas protagonizadas por ex – e presentes – Chefes do Estado, que cedendo ao populachismo fácil, envenenaram o relacionamento das gentes com as forças da autoridade, desrespeitaram o próprio Estado que dizem encarnar e deram deplorável sinal de fraqueza e rendição diante do voraz apetite de umas quantas objectivas fotográficas? Tudo isto se paga caro, a seu tempo e de forma irreversível. Infelizmente, esta gente perdeu o tino.

Comments

  1. Luis Moreira says:

    Muito bem, Nuno! O meu poste (7 000 000 de dependentes) aponta uma das razões para não haver “opinião pública”