Uma Grande de Portugal


As mais extraordinárias iniciativas são por vezes desconhecidas da imensa maioria, para quem apenas é notícia aquilo que a imprensa entende divulgar. As obras de assistência social são hoje geralmente aceites como da atribuição desse ente que flutua acima das nossas mortais consciências e que se convenciona denominar como Estado. Esta mirífica entidade do éter, é afinal a soma de todos os portugueses e esta é uma clara verdade que não queremos reconhecer, devido ao muito luso e atávico costume do desinteresse pela coisa pública. Esquecemos facilmente associações beneméritas – algumas velhas de séculos – e que preencheram o imenso vazio que as mentalidades de outrora votavam a dezenas de gerações que permaneceram na desafortunada base da pirâmide social.

Outra injustiça a apontar, consistirá sem dúvida, no progressivo e intencional desprestigiar de termos que encontram a sua razão mais profunda naquilo que de essencial deverá ter o cristianismo que conformou a Europa que conseguimos ser: a Caridade, hoje olhada como princípio anacrónico nos países do Sul, mas que noutras paragens onde o desenvolvimento humano é a essencial condição para a paz social, consiste num elo fundamental da educação geral, cobrindo intransponíveis lacunas e erguendo bem alto, a verdadeira solidariedade que se traduz num trabalho permanente e sempre no sentido da formação das gentes. Deverá ser essa então, a grande função de uma Igreja que se ainda impressiona pelo aparato de Te Deums e de cerimoniais herdados de milenares e já desaparecidas civilizações, encontra a sua quase exclusiva razão de ser na protecção, resgate e emancipação dos mais desprotegidos.

Ao longo da nossa História, muitas foram as personalidades que se interessaram verdadeiramente pelo outro, sem que isso obedecesse às normais e aceites regras impostas pelo preceituado social vigente. Quantas vezes anonimamente dedicaram as suas vidas a quem menos podia, enfrentando a mofa e o preconceito, removendo colossais escolhos para a prossecução de uma obra e crendo num futuro melhor e mais justo?

Dª Maria Adelaide de Bragança é um destes exemplos desconhecidos para a imensa maioria dos portugueses. Residente na Outra Banda, em Murfacém (Trafaria), tem um percurso de vida que no século XX português só pode encontrar paralelo na grandiosa obra benemérita – e também na maior parte das vezes no mais rigoroso anonimato – da rainha D. Amélia.

Nasceu a 31 de Janeiro de 1912, em S. Jean de Luz (França), quando a Lei do Banimento impedia a presença de membros da Casa de Bragança em solo português. Viveu a juventude na Áustria, trabalhando como assistente social e enfermeira. Durante a II Guerra Mundial percorria a cidade durante os bombardeamentos nocturnos, prestando o auxílio às vítimas. Membro do subterrâneo movimento de resistência anti-nazi, foi detida e condenada à morte pelo tribunal fortemente controlado pela Gestapo e apenas a intervenção de Salazar junto de Berlim, permitiu a sua libertação sob a protecção do Estado português, alegando a sua condição de Património Nacional. Imediatamente deportada para Suíça, ali permaneceu junto do seu exilado irmão D. Duarte Nuno, Duque de Bragança.

Casada com o médico holandês Nicolaas van Uden, estabeleceu-se em Portugal em 1949 e iniciou a sua actividade de âmbito social na zona da Trafaria e Monte de Caparica. Dedicou-se à protecção às crianças das áreas degradas, recolhendo-as sob os auspícios da Fundação D. Nuno Álvares Pereira (em Porto Brandão), à qual presidia. Durante anos criticou desassombradamente a 2ª República pelo seu pendor repressivo e pelo caótico estado de pobreza a que votava uma grande parte da população portuguesa. Era uma visita bem conhecida dos mercados, onde sempre podia contar com o precioso auxílio das vendedoras de géneros que jamais regateavam aqueles bens essenciais à subsistência dos numerosos protegidos da Infanta.

Ainda vive e aos 98 anos permanece num rigoroso anonimato, mas sempre interessada no dever para com o próximo e no abnegado cumprimento da missão entre nós pioneiramente iniciada pela sua madrinha de baptismo, a rainha Dª Amélia.

Nas memórias de Álvaro Lins, o embaixador do Brasil em Lisboa, para sempre ficou conhecida como a Infanta Vermelha. Dª Adelaide bem merece ser considerada como uma Grande de Portugal.

Comments

  1. Maria Helena Cabral says:

    Tive oportunidade de conhecer pessoalmente Dona Maria Adelaide de Bragança há muitos anos em casa do Senhor Dom Duarte Nuno e logo a achei encantadora.

  2. Carlos Alberto de SOUSA OLIVEIRA RIBEIRO GUIMARAES says:

    Ja antes comentei a minha admiraçao pela INFANTA