Problemas de percepção

If the doors of perception were cleansed every thing would appear to man as it is, infinite.

William Blake, The Marriage of Heaven and Hell, plate 14

Segundo o ministro dos Negócios Estrangeiros, o resgate financeiro era a causa de uma maleita de que Portugal sofria. A maleita tinha um nome: “problema de percepção internacional”. Há um ano, a resolução desse “problema de percepção” tornou-se a “prioridade”. Ao Público, Paulo Portas admitiu que, entretanto, “ a percepção sobre Portugal melhorou consideravelmente”. Felizmente. A percepção manteve-se e melhorou. Consideravelmente. Óptimo.

Infelizmente, Paulo Portas esqueceu-se de resolver um problema de “percepção” mais premente, sobre o qual foi avisado, cuja resolução está ao seu alcance e que não se limita aos “efeitos na percepção sobre Portugal” causados pelo que “a imprensa americana diz”.

A percepção em português europeu está em perigo, devido a uma maleita mais grave do que um mero “problema de percepção internacional”. Quando pensamos em “percepção internacional”, lembramo-nos imediatamente da volatilidade. Há um ano, havia um “problema de percepção”. Entretanto, a percepção “melhorou consideravelmente”. Amanhã? Não sabemos.

O problema da percepção em português europeu, contudo, corre o risco de ser perpétuo. É um problema de eliminação. A resolução do problema, a manutenção da percepção, faz-se com acção, com actos, com actividade. Porque há uma perceção que ameaça a percepção. Estamos atentos. Porque sabemos o que é uma percepção. No limite, trata-se duma palavra que respeita a norma ortográfica do português europeu. Sobre a perceção, confessamos, nada sabemos. Nem a um falante de português do Brasil podemos perguntar. Não sabe. Perceção foi coisa que nunca teve. Sempre teve percepção. E terá. Não percebemos.

Então, a “existência de duas ortografias oficiais da língua portuguesa” não era “considerada como largamente prejudicial para a unidade intercontinental do português e para o seu prestígio no Mundo”? Não percebemos. E, garantimos, não se trata dum problema de *perceção.

Trackbacks

  1. […] Yanny ou Laurel? Como se diz em Linguística, depende. Neste caso, segundo Patricia Keating, David Alais e este vídeo, talvez da idade. É a percepção (área muito problemática). […]

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