Verdade, essa vingativa

Perdoem-me que regresse a temas locais.

O Porto tem um belíssimo teatro municipal, o Rivoli, um edifício de inícios do século XX, e que após um período de remodelação reabriu, em 1997, como um dos principais equipamentos culturais da cidade. Durante os mandatos do executivo liderado por Rui Rio, e no âmbito da sua política de “contenção de despesas”, o teatro foi entregue a uma empresa privada, a do encenador Filipe La Féria.

O actual executivo de Rui Moreira herdou um teatro entretanto vazio (La Feria saiu há anos) e abriu um concurso público para a escolha de um director artístico do Rivoli e do Teatro Campo Alegre. O escolhido foi Tiago Guedes, que, na sua primeira entrevista nessa qualidade, afirmou que encontrou um teatro que havia sido deixado “em muito mau estado pelo Filipe La Féria”, afirmação que parece ter enfurecido Álvaro Castello-Branco, líder da distrital do CDS-Porto, e que foi também vice-presidente durante os mandatos de Rio, e que para além de acusar Guedes de “ignorância e arrogância”, se declarou “preocupado porque pelos vistos há um avençado da Câmara Municipal do Porto que quer ter opinião política”.

Face a isto, não me parece surpreendente que um vereador do actual executivo, neste caso o eleito pela CDU, Pedro Carvalho, tenha apresentado uma proposta para a realização de uma auditoria à gestão do Rivoli durante os mandatos de Rio. Interessaria saber não só como é que se apuraram os valores das receitas inerentes à cedência do espaço e o que foi efectivamente pago à CMP, mas também quais os custos que a autarquia terá de suportar com as obras que permitam repor o teatro como estava à época da cedência.

O que me parece extraordinário é que a proposta tenha sido rejeitada não apenas pelo presidente e pelos seus vereadores, mas também pelos dois vereadores socialistas, assim como pelo vereador eleito pelo PSD, por considerarem que a proposta não vai além de uma “caça às bruxas” (Rui Moreira) ou de “um ajuste de contas pessoais” (Carla Miranda, PS).

O vereador socialista Manuel Pizarro, que até recorda a “discordância” do seu partido em relação às opções de Rio para o Rivoli, afirma não estar disponível para “ir agora inquisitorialmente contra as pessoas”. O vereador social-democrata, Amorim Pereira, referiu-se à proposta de auditoria como uma “vingançazinha para resolver questões pessoais”.

Recorrer a comparações com a “caça às bruxas” mccarthista ou com a Inquisição para justificar a falta de transparência de um processo de cedência de um teatro público a interesses privados é vergonhoso. Já se percebeu que as orelhas de Tiago Guedes devem ter levado um safanão correctivo depois daquela entrevista imprudente, assim como já se percebeu que a vaca sagrada deste executivo é o mitológico “legado de Rio”, que dificilmente poderá ser posto em causa por um presidente que, ainda que tenha apresentado uma candidatura independente, recebeu o apoio tácito de Rio e o apoio declarado do CDS, parceiro de coligação no executivo anterior. E tudo isto, claro está, num contexto em que sendo Rio candidato a salvador da pátria arruinada, não convém nada que a sua imagem saia beliscada.

É de saudar que Rui Moreira tenha um novo projecto para o Teatro Rivoli que passa por uma programação diversificada, aberta às diferentes forças culturais da cidade. A cidade merecia, como o autarca entende, recuperar o seu principal teatro municipal. E da mesma forma merece saber que aconteceu ao Rivoli nos últimos anos, qual o peso das escolhas do presidente anterior no erário público, e quais as consequências dessa opção.

Quem gere o que é público tem obrigação de prestar contas. E quem acha que exigir a verdade é um ataque pessoal ainda não entendeu o que significa ser titular de um cargo público.

Já sabíamos que a verdade pode ser revolucionária, vingativa é que é uma novidade.

Foto: manuelvbotelho

Comments

  1. O Ri(v)o, li não sei bem onde, talvez naquele por este rio acima, vai ser sede de campanha, não sei de quem mas vai

  2. Muito oportuno e do interesse geral, não apenas local. Assunto a acompanhar.

  3. João Soares says:

    O Mário Soares meteu o socialismo na gaveta !
    O Rui Moreira não pode meter as promessas que fez na
    gaveta dos medrosos e acomodados !!!

  4. Os eleitores fazem de tudo para merecer estes “politicos” que centram os assuntos nos proprios umbigos. Agora já se tomam decisoes sobre os assuntos publicos para não ofenderem seja quem for? parece-me que o Rui Rio não concorda e nunca fez isso na sua vida politica;isto se interpreto bem porque ainda hoje tem um prestigio, que o levará a presidencia da republica, se o quizer.

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