O lugar das coisas

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“A Liga de Amigos do Museu Machado de Castro pediu ontem à Direcção-Geral do Património Cultural (DGPC) que o tríptico do Mestre de Santa Clara, recém-adquirido pelo Estado em leilão, seja entregue ao Museu Nacional Machado de Castro (MNMC).”(Diário de Coimbra, 18/3).

Tem todo o sentido, esta pretensão. Mas não tem grande futuro, ensina-nos a história destas coisas. Apesar do Museu Nacional Machado de Castro (MNMC) ser um museu nacional e a peça em questão ser oriunda de um templo de Coimbra e da autoria de um mestre de Coimbra, a gula das instituições lisboetas é bem conhecida.

Compreendo a centralização de colecções se tal obedecer a critérios inteligíveis. Mas não é o caso. Qualquer pessoa de boa fé entende que o lugar desta peça, comprada com dinheiros públicos, é O MNMC.

Claro que esta situação não é nova e só aqui a refiro por ser mais uma manifestação,  já não digo de centralismo, mas de uma espécie de egocentrismo infantil que parece atacar os decisores mal põem os pés na capital. E nem se pode dizer que esta prática sistemática vise pôr as peças em enquadramentos com sentido. Não. Milhares de peças que teriam todo o sentido nos locais onde foram descobertas ou onde se situavam historicamente acumulam-se, mergulhadas na invisibilidade e sem proveito para ninguém, nas infindáveis reservas de museus como o Museu Nacional de Arte Antiga ou, pior ainda, no Museu Nacional de Arqueologia e Etnologia.

Claro que optar por expor as peças e devolvê-las aos lugares de origem implica que estes tenham condições e as mereçam. Nem sempre isto acontece, mas é inegável a qualidade das infraestruturas que, nas localidades onde se leva a sério a cultura e a conservação do património, se vão desenvolvendo e progredindo. De resto, as experiências feitas pelos museus centrais, depositando peças em localidades e instituições com condições para acolhe-las têm sido, tanto quanto sei, um sucesso. Por isso, senhores, abram lá os armazéns onde guardam coisas que nada vos interessam e devolvam-nas à origem. Custa? Eu ajudo: ponham-se em frente das portas e digam: “abre-te sésamo”!

Comments

  1. André says:

    Gastaram-se valores consideráveis na criação, e melhoramento, de Museus locais e regionais. Estas instituições foram dotadas de condições e equipas excelentes, enquanto parte dos seus acervos estão encafuados nos armazéns do MNAA e MNAE.

    O Museu Nacional de Arqueologia é uma espécie de Museu Britânico mas em escala Tuga, exibe exposições (permanentes e temporárias) à custa do património sacado noutros locais. Se porventura algum Museu ou núcleo museológico tem a ousadia de pedir um empréstimo de uma peça, que devia ser sua, leva com uma rotunda negativa ou é lhe exigido o pagamento de um balúrdio.

    Ninguém põe em causa a importância dos Museus Nacionais, mas estes devem funcionar em articulação permanente com as instituições locais e regionais e permitir a devolução das peças que não estão (algumas delas nunca estiveram) em exposição.

  2. AntónioF says:

    Caro José Gabriel,
    também não deixa de ser curioso o facto de o Museu Machado de Castro nunca ter conseguido arranjar espaço para expor as obras deixadas por Camilo Pessanha, hoje no Museu do Oriente ( http://www.museudooriente.pt/211/projecto-museologico.htm )

  3. Acerca da coleção Camilo Pessanha é bom que se saiba que pessoas de Coimbra, Adília Alarcão à cabeça, acharam muito bem que fosse para Lisboa. “O país é o mesmo”.

  4. Como bem compreende, AntónioF, o meu texto foca o problema em geral e este caso foi só o pretexto para agitar a questão. Apesar do apreço que tenho pelo MNMC, não defendo incondicionalmente tudo o que faz, tal como nada me move – era o que faltava – contra outros museus nacionais. Mas, como bem escreve André no seu comentário, chega a ser absurda a “avareza” de alguns deles, designadamente em relação a reservas que nem sequer estão – nem é previsível que venham a estar – nas exposições permanentes ou temporárias. E há, de facto, localidades que fizeram um excelente trabalho na criação e manutenção de infraestruturas que mereciam outra atenção.

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