Sérgio de Almeida Correia
Quaisquer que sejam os resultados finais do apuramento que vier a ser feito no dia 4 de Outubro, há, todavia, dez factos que ficarão a assinalar estas eleições:
Primo: Nunca umas eleições foram tão marcadas pelo passado. Não pelo passado próximo, não pelos últimos quatro anos de governação da coligação PSD/CDS-PP, mas pela imagem que ficou do período entre 2005 e 2011. Essa foi a aposta dos incumbentes, esse foi o erro de quem deixou que a discussão sobre o futuro resvalasse para esse ponto.
Secundo: Nunca os emigrantes foram tão mal tratados pelo Governo. Gozados num pretenso programa de retorno à pátria, alvo da ofertas de folhetos promocionais de um licor por parte do secretário de Estado das Comunidades Portuguesas, nas portagens de Vilar Formoso – como se já não houvesse mortes suficientes na estrada para que um membro do governo se associasse à promoção de uma bebida alcoólica junto dos automobilistas emigrantes -, e cerceados nos seus direitos de voto no círculo de Fora da Europa pela incompetência da máquina do MAI, com boletins de voto a chegarem na data de já estarem a caminho de Lisboa, as contas dos emigrantes ficaram baralhadas com o alargamento da base eleitoral. A solução foi evitar que os emigrantes votassem a tempo e horas e desvalorizar o seu voto.
Tertio: Nunca o debate político esteve tão ausente. Na pré-campanha e campanha não se discutiram ideias, ignoraram-se quaisquer projectos de futuro. Um merceeiro prefere fazer contas de somar, subtrair, multiplicar e dividir do que andar a avaliar a qualidade do que vende à sua clientela. Com os partidos a rebentarem de marçanos profissionais, o debate tornou-se inconveniente porque o importante é a distribuição dos amendoins.
Quarto: Nunca as campanhas dos partidos foram tão más. Mesmo avaliadas à distância, dos cartazes às “arruadas”, sem esquecer as frases de campanha e os comícios. Com empreiteiros e promotores cheios de vícios é difícil fazer casas novas e boas, mesmo recrutando alguns engenheiros e arquitectos novos e bem preparados.
Quinto: Nunca um primeiro-ministro foi julgado tantas vezes. Foi julgado duas vezes nas urnas, foi julgado nos jornais e nas televisões e vai voltar a ser julgado nas urnas sem se apresentar a eleições. Não se sabe é quando será julgado pelos tribunais.
Sexto: Nunca um calendário eleitoral foi tão mal escolhido. Um presidente sempre de lápis atrás da orelha, que se diz preocupado com as contas, preferiu atirar o Orçamento de Estado de 2016 para as calendas para não prejudicar o partido de onde saiu. Prejudicou o país para respeitar o calendário eleitoral, fazer o jeito à coligação PSD/CDS-PP e no fim até se mostrou surpreendido por haver jogos de futebol ao domingo e os clubes terem compromisso internacionais para cumprir que não se compadecem com o calendário de eventos da Presidência da República.
Septimo: Nunca se chegou a um acto eleitoral com tanta incerteza sobre o futuro. O que mais pesa na decisão do homem médio é o futuro, mas hoje, em Portugal, é como se não houvesse amanhã. António Costa já disse que chumbará o orçamento da coligação. Falta saber se a coligação, em caso de derrota, também chumbará o orçamento dos que são hoje oposição. Seria bom que isso fosse esclarecido antes de 4 de Outubro. Pelo primeiro-ministro da troika ou pelo vice-primeiro-ministro dos enchidos, feiras e submarinos.
Octimo: Nunca umas eleições foram tão marcadas por tanta incerteza vinda de fora: Europa, refugiados, guerra na Síria, crise chinesa, rearmamento japonês, agências de rating, evolução cubana, eleições noutros países. À incerteza interna soma-se a externa.
Novimo: Nunca as sondagens se mostraram tão inúteis. A multiplicação do seu número não esclarece, não mobiliza, não responsabiliza, só servindo para contribuir para a confusão. Até mais ver, os únicos que delas tiram partido são os que as vendem.
Decimo: E, no entanto, apesar de tudo, nunca uma eleição foi tão importante. O resultado de uma eleição e a construção de um projecto de futuro nunca dependeram tanto de uma cruz. No silêncio da cabine vai ser necessário escolher entre colocar uma cruz num boletim de voto ou continuar a carregar a cruz que relançou a pobreza, ingrata e sem sentido, e exportou duzentos mil portugueses jovens, activos e qualificados, só nos últimos dois anos, para poder ir além da troika. Os abstencionistas são os únicos que têm de antemão a certeza de que não escolhendo continuarão sempre a carregar a cruz.
“Olhares sobre as legislativas 2015” é uma série de perspectivas diferentes, políticas ou não, num espaço de temática marcadamente política. Escreva-nos.
Olhe que o sexto não é mau… enquanto não há orçamento, não há austeridade.
Ponto “Secundo”, não é incompetência, é mesmo para evitar ao máximo que esses votem, lembrem-se que foram neste 4 anos cerca de 450.000 para fora, expulsos por palavras que os “convidaram” a sair. Julgo que esses, juntamente com os enganados do BES/Banco Novo, tanto pelo PM como pelo PR, também não devem estar contentes… pelo que tenho visto não estão de certeza. Assim tenta-se que votos certamente contra a PaF não cheguem a ser votos ;-). Não é incompetência, é mesmo objectivamente fraude!
Não entendo completamente o segundo ponto, nem o comentário do Helder.
O alargamento da base eleitoral nos círculos internacionais só teria verdadeiro impacto caso todos quantos saíram tivessem conseguido recensear-se a tempo. Se tal tivesse acontecido, teríamos agora provavelmente um maior número de deputados a serem eleitos por estes círculos, o que não se verifica. Como tal, o lamentável incidente da morada incompleta nos envelopes de envio de voto por correio e, mais grave ainda, o envio com atraso significativo dos ditos boletins de voto dificulta aos cidadãos portugueses o exercício do seu direito de voto, mas não me parece que influencie significativamente os resultados dos círculos internacionais. Pelo círculo europeu, por exemplo, muito dificilmente um dos dois assentos será ocupado por outro que não o PS ou o PaF – embora em números absolutos a diferença entre os votos nestas duas forças e na terceira seguinte seja apenas da ordem dos milhares, em termos relativos esta diferença equivale a uns abismais 25% dos eleitores votantes.
Concordo que a lei do recenseamento eleitoral precisa de ser ajustada às novas realidades (e soluções tecnológicas disponíveis), no entanto não foi assim há tanto tempo que o recenseamento passou a ser automático em Portugal. Não aceito que o atraso no recenseamento no estrangeiro, e consequente impossibilidade para muitos de votar nestas legislativas, se deva maioritariamente à discrepância entre o processo de recenseamento dentro e fora de Portugal. Quem vai para fora sabe que terá de se registar no país de acolhimento, e o recenseamento é geralmente incluído no processo. Não é o processo que é excessivamente complexo e intrincado, é a vontade que é pouca. O que tem de haver é uma maior consciencialização e educação para a política, uma maior responsabilização do nosso papel enquanto cidadãos.
/ana