O princípio

corrupçãoFoto: DR

Meia volta, pessoas conhecidas ou amigas falam de casos de corrupção miúda, tipo haver oficiais a cobrar maquias para não levantarem ondas, digamos, quando se quer fazer uma simples obra num muro do quintal. De cada vez, a minha incredulidade em relação à existência desses rapinas só é ultrapassada pela incredulidade em relação à inevitabilidade da cedência aos mesmos. Por muito que me expliquem que, por serem as leis tão complicadas em Portugal, às vezes não há escapa, não aceito que não haja outra maneira, legal, de resolver os problemas. Dá mais trabalho? Dará. Mas quem embarca na facilidade pactua, é bem claro. Vem isto a propósito da notícia “Rede de corrupção nas Finanças foi denunciada por um contribuinte“, da qual consta: “O homem disse que não e foi apresentar queixa na Polícia Judiciária.” Ora aí está, é esse o segredo, basta dizer que não e proceder em concordância.

Caso contrário, porquê tanta admiração em relação aos grandes embustes? É só uma questão de escala? Não minha gente, é mesmo o princípio, a par de coragem civil.

Comments

  1. Uma vez perguntaram-me se tive de “pagar” para conseguir a carta. Claro que não, disse eu, notando algum espanto na cara da pessoa. Ninguém se atreveu a pedir nada, acrescentei. Os casos de pequena corrupção acontecem muitas vezes porque as vítimas são mais vulneráveis por uma ou outra razão. Muitas vezes, a vulnerabilidade é achar que tudo é normal e que assim que as coisas funcionam.

    • Ana Moreno says:

      Toda a razão e mais uma razão para que quem é menos vulnerável actue firmemente.

  2. Oi, adorei o texto, parabéns!
    Ótima sexta!
    https://viciolicito.wordpress.com

  3. luis barreiro says:

    Sem nunca querer faltar ao respeito, post nascido na ignorância e de quem nunca precisou da função pública.
    Tente imaginar alguém pobre, que juntou 10.000,00€ pediu aos pais 15.000,00, os avós emprestaram 5.000,00€ e um amigo apostou outros 5.000,00€, e avança para o negócio, mas a licença da câmara está atrasada, entretanto o dinheiro para pagar as obras e os emolumentos está a acabar, mas para abrir e poder começar a facturar falta o carimbo do funcionário público x, tem 2 opções fazer queixa e daqui a 5 anos a justiça delibera, e pode perder ou paga 5.000,00 ao funcionário público e pode começar a facturar para pgara as suas várias dívidas, e nem coloquei acima as dívidas ao banco.
    Sinceramente há pessoas muito bem intencionadas, e com bom coração mas que não têm noção nenhuma da vida. Já agora, já fui funcionário público.

    • Ana Moreno says:

      Obrigada pelo seu comentário. Permita-me duas observações:
      a primeira, que estive duas vezes em situações de certa premência em que me pediram dinheiro à margem e recusei. Numa delas estive enfiada numa cave da polícia num país africano. Recusei, argumentei e consegui. Tive sorte? Sim, tive imensa sorte. Mas não estou só a falar sem nunca ter passado por alguma situação difícil desse tipo.
      Segundo, é importante o comentário acima, do leitor PM, sobre a vulnerabilidade: quanto maior a vulnerabilidade, mais difícil, isso é óbvio. Agora a questão é onde começa a vulnerabilidade e onde começam as “chatices”. Porque para evitar chatices é claro que um dinheirinho é sempre útil. Mas tenho muitos amigos em Portugal que nunca pagaram luvas, portanto, possível, é. Uma coisa é certa, se não houver uma atitude firme contra esse nojo que enlameia toda a sociedade, é uma sociedade hipócrita, suja e triste. Talvez fosse bom colocar essa sujeira sobre os anúncios turísticos que mostram a beleza e riqueza cultural do país.

      Que cada pessoa que exige e/ou paga tenha consciência de que está a contribuir para uma doença. E se alguém pagar por estar numa tal situação extrema em que NÃO TEM outra possibilidade, pode sempre depois juntar-se a outros que tenham passado pelo mesmo e apresentar queixa. E quem tem mais meios, mais responsabilidade tem de não aparar o jogo e denunciá-lo.
      O que não dá, é só contar histórias e entregar-se a essa maleita. Ou dizer que está na massa do sangue. Eu só me admiro é como se acha isto tudo normal no dia a dia e depois há indignação contra os tubarões que nadam nas águas dos paraísos fiscais.

    • Nascimento says:

      Certeiro.
      Vejamos um caso que me foi contado, e que se passa numa vila no Alentejo( eu até estranhei , mas, depois foi saber e é VERDADE:
      Umas pequenas obras em casa, janelas , forro de tecto, cozinha nova, etc. Tudo legal e( PAGO) Á EDILIDADE ,tudo nos conformes, pagamentos certinhos ao empreiteiro ao desenhador, ao
      ARQUITETO que ( DEVIA) de assinar a obra. UMA TAL F.T.H. ( FIXA TECNICA DE HABITAÇÃO)…
      ora casal em causa nunca vai pensar que algo DE MENOS PRÓPRIO aconteceu , as obras até foram BOAS, nada DEVEM …tudo bem!
      Depois, passam uns anos, e. um dia, querem vender a casa e ACONTECE QUE FALTA ALI UMA “ASSINATURAZINHA ” DO DITO ARQUITETO ( QUE ENTRETANTO DESAPARECEU ” em combate”… ) E, vai daí,Pimba, não PODEM VENDER!! Tentam, MAIS UMA VEZ, DE FORMA HONESTA, pedem ajuda ,(MAIS UMA VEZ, A PAGAR TUDO CERTINHO) ,a outro arquiteto da vila ,para este assinar a MERDA DO PAPEL DA FIXA TECNICA DE HABITAÇÃO. ESTE ACEITA ,E O QUE É QUE ACONTECE? NÃO PODE, DIZEM OS PALHAÇOS DA EDILIDADE!!! SÓ ASSINADO PELO “DESAPARECIDO” ARQUITETO QUE NINGUEM AGORA SABE ONDE PÁRA ( NEM EDILIDADE , NEM O AMIGO DESENHADOR, NEM O EMPREITEIRO E MUITO MENOS este casal amigo!!!
      QUE É QUE FAZEM NUMA SITUAÇÃO DESTAS DONA ANA???DEITAM FOGO Á CASA’? DÃO A CASA Á CÃMARA? ÁS MISERICÓRDIAS LÁ DA VILA, AO PRESIDENTE DA CÃMARA???? OU, OU, OU, OU, AH POIS…A REALIDADE É LIXADA PÁ.

      • Ana Moreno says:

        E por acaso apresentaram queixa depois, ou limitam-se a constatar que a realidade é lixada? É que se basta constatar que a realidade é lixada, e só andamos aqui a desabafar, como catarse para aguentar a lixada da realidade, então não vale a pena. O que eu pergunto é quantas vezes as pessoas pagam para evitar chatices. A preguiça Dom Nascimento, é muito responsável e por muitas coisas.

        • Ana Moreno says:

          Já lhe digo que eu não teria pago; iria à procura do desaparecido arquitecto e levava o caso a uma instância superior. Claro, posso dar-me ao luxo, mas também poderia se quisesse dar-me ao luxo de pagar. Só que não quero, condeno, não pactuo. Tenho a certeza que há mais gente a pensar assim. Se mais pensassem, a doença sarava. Mas não, toca de arranjar as situações inevitáveis e depois contar como prova de que não há nada a fazer.

          • Nascimento says:

            Olhe uma coisa se não pagasse não tinha podido fazer a obra! Percebeu?Os fiscais da câmara. Podiam embargá-la!Percebeu?Não houve DINHEIRO por fora!Percebeu?Ha procura andam as pessoas mas o sujeito em causa não apareçe em lado nenhum…e as pessoas estão. Presas por uma porcaria burocrática de uma simples assinatura que nem pode ser assumida por outro arquiteto!Percebeu?Vai um desenho?

        • Claro que sim. No caso até segundo me foi dado saber falaram com o Presidente da câmara.A resposta?Isto é tudo muiiito chato, quem diria que o senhor fazia uma coisa destas,ele até já trabalhos fez aqui na vila..
          Os entalados?Os otarios?Quem quis fazer a coisa honestamente.Pagou um balúrdio e hoje não pode vender aquilo que é seu.

  4. Konigvs says:

    É cultural, está enraizado até ao tutano e não há volta a dar.
    É como não ir à missa, cagar para a merda da religião e dos padres pedófilos, mas depois ir lá batizar os filhos porque se não sabe-se lá… “Pelo sim pelo não”! e claro, batizar os filhos é sempre uma desculpa para fazer uma festa lá em casa e convidar os amigos e mostrar a cria
    .
    Um auricular custa 5€. Por que é que as pessoas continuam todas a conduzir e a falar ao telemóvel podendo apanhar um multa de 120? Agora até uma nova corrente, daqueles que, em vez de colocar o telemóvel ao ouvido, colocam-no à frente da boca. Talvez acreditem que só as que o colocam ao ouvido sejam multadas.

    Em tudo é assim, acha-se que é assim que as coisas se devem passar, dando um jeitinho, falando com alguém. Estranho é quando se passam como deveriam passar.

    Apareci numa consulta da especialidade no Hospital Santo António, e a (jovem) médica que me estava a fazer o historial clínico da doença pergunta-me diretamente: “O senhor tem alguém conhecido cá dentro?” Respondi obviamente que “não”. E ela surpreendida “É que demorou mesmo muito pouco tempo de espera pela consulta da especialidade”.

    Ainda há dias, num evento de uma associação, ia (sem saber) sentado ao lado de um arquiteto da Câmara Municipal, e conversa vai, conversa vem, ele começa-me a falar de como as coisas se passam, e que ele feito burro nem sabia, nem se aproveitou. Ele fez um projeto (para um particular), até contactou uma empresa de construção, e o homem lá lhe diz “tenho aqui mil euros para si”. Ele diz que não quer, e o homem diz-lhe que “é assim que as coisas se passam”.

    E isto está muito enraizado. Nunca que na vida que sairemos deste lamaçal. As comissões por baixo da mesa, falar com alguém que conhece alguém, os presentes e os robalos. Em todas as pequenas coisas da vida, está lá o jeitinho, a cunhazinha para o filho que não arranja emprego, a notinha para passar no exame de condução, o conhecido que passa o carro na inspeção ou a notinha para o fiscal fechar os olhos às obras ilegais. E depois quanto mais se sobe na pirâmide, mas as cunhas são de alto nível.

    É isto tudo perfeitamente normal. Isto em Portugal é “saber viver”. E depois a culpa da nossa miséria é da crise.

    • Ana Moreno says:

      As situações que descreve são distintas, mesmo tendo um fio comum. É importante diferenciar; sempre é qualitativamente diferente pedir a um amigo para passar à frente (sendo condenável) do que entregar ou exigir dinheiro. É preciso haver barreiras claras, para se conseguir atacar o bicho por um flanco. Agora enquanto se considerar que não há nada a fazer porque está enraizado e automaticamente há que alinhar, lamento, mas é o primeiro passo para achar que está bem “saber viver” assim. Somos todos responsáveis por curar essa doença nojenta e punidora dos mais vulneráveis.

    • Sabe, meu caro Konigvs, cada vez que ouço alguém dizer “Toda a gente faz, e eu não sou estúpido”, penso: “Que estupidez!”.
      É que tenho a convição de que só questionando o que não nos serve da nossa cultura (e mostrando exemplos positivos!) podemos educar as crianças para um mundo melhor.

      • Konigvs says:

        É muito mais fácil seguir os outros, deixar-se levar na corrente da multidão, que ousar pensar pela própria cabeça e fazer diferente e melhor.

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