Inaceitável e imperdoável

Ao longo dos 7 anos em que estudei na Universidade de Coimbra, duas das múltiplas virtudes que a Universidade me fez adquirir para a minha vida foi o respeito por todos os credos e a dotação de uma forma de pensar personalizada, aberta e urbana. Não tenho nada nem nunca tive nada contra as pessoas que elencaram (e ainda elencam;sei que algumas das pessoas que praticaram estes crimes ainda fazem parte da minha geração universitária) as Repúblicas e o Conselho de Repúblicas. Antes pelo contrário. Dormi em várias repúblicas da cidade ao longo de 7 anos, fui comensal de uma, tenho amigos em várias assim como participei em diversas febradas, almoços, jantares e centenários de várias. Fui até mais longe em determinadas situações, entrando directamente nas causas das Repúblicas sem nunca ter sido repúblico quando abracei a causa particular que foi aberta pela nova Lei do Arrendamento Urbano e quando tentei ajudar o pessoal do Solar dos Estudantes Açorianos a ver o seu problema de esgotos e canalizações resolvido junto da Câmara Municipal de Coimbra.Apesar de nunca ter tido uma relação regular e normal com muitos repúblicos, em especial, com aqueles que estão mais ligados aos movimentos de extrema-esquerda (o pessoal do MAS; pessoal que vivia na República do Pra-Kys-tão) sempre respeitei as posições e em muitas Magnas dei força de viva voz aos argumentos da Sílvia Franklim e do Manel Afonso. O mesmo aconteceu com o pessoal do Bloco. Nunca tive  uma grande relação pessoal com o Fabian Figueiredo ou com o Hugo Ferreira. Falei mais com o Hugo do que com o Fabian porque não me esqueço a noite em que o Fabian me chamou democrata-cristão a propósito de uma ideia que na altura defendia como a forma de podermos amenizar a pobreza gerada entre a comunidade estudantil pelo decreto-lei 70\2010 e pela Lei 15\2011. Porém, ao longo da minha relação com os dois fiz-lhes muitas críticas assim como lhes apontei muitas virtudes. Para finalizar, para que não se levantem quaisquer tipo de dúvidas, quero frisar que estas 4 pessoas não tem nada a ver com o crime que foi cometido na passada segunda-feira.

Por outro lado não posso negar que apesar de ter feito durante largos anos críticas muito duras, repito muito duras, aos politiqueiros das Direcções-Gerais, também constitui junto de alguns deles pontos de contacto comuns e posso até dizer que fiz vários amigos. Durante alguns creio que fui uma espécie de 3ª via entre esta dicotomia existente, concordando e discordando constantemente das posições dos elementos da esquerda viva da Academia e discordando mais do que concordando com a ala mais moderada que foi passando pela Política Académica da AAC.

Infelizmente, em 7 anos, nunca consegui fazer uma ponte de entendimento entre os politiqueiros e os repúblicos, apesar de esporadicamente terem existido também alguns pontos de contacto estabelecidos em Assembleia Magna. Contudo, exceptuando num ou noutro caso muito raro, ambas as tendências seguiram invariavelmente por formas de luta e por acções diversas e divergentes entre si.

“Segunda-feira passada, dia 20 de fevereiro, algumas dezenas de pessoas presentes numa iniciativa promovida pelo Conselho das Repúblicas subiram as escadarias que levam até à Sala das Armas no Paço das Escolas e entraram na Sala Amarela, apesar de ela estar vedada ao público. Aí, desrespeitando o património que dizem defender, riscaram quadros antigos presentes na sala, fazendo até inscrições num deles. Fizeram disparar o alarme de incêndio partindo elementos do sistema de detecção, e quase arrombaram as portas da Reitoria para “conseguir falar com o Reitor”, sem terem solicitado qualquer encontro. É um abuso afirmar que alguém não quer reunir se o pedido de reunião não foi feito.
Apesar disso, quando me apercebi do interesse em falar comigo, fui ter com essas pessoas e com elas dialoguei durante algum tempo, esclarecendo algumas questões que me foram colocadas e ouvindo os seus pontos de vista. Lamento que se causem estragos para conseguir o que se pode obter com uma simples carta ou mensagem.
Sou um profundo defensor da escola pública. Jamais pactuarei com qualquer tentativa de alterar essa condição. O regime fundacional é uma alteração de algum enquadramento legal das universidades, dando-lhes um pouco mais autonomia, com vantagens e desvantagens, mas que nunca coloca em causa a condição de escola pública. É por essa razão que promovi a reflexão sobre este tema ( http://www.uc.pt/regimefundacional ), pois entendo que qualquer posição formal da Universidade sobre o regime fundacional carece de discussão prévia e diálogo esclarecido no seio de toda a comunidade universitária, com vista a uma decisão ponderada e inclusiva de todos os pontos de vista.
Lamento muito que o Conselho das Repúblicas acuse a Universidade de recusar o diálogo e de afastar grupos de estudantes da discussão da eventual passagem ao regime fundacional, quando o debate está aberto e vai durar. Houve já uma sessão, a 31 de Outubro, aberta a todos, e haverá seguramente mais depois de o processo eleitoral para o Conselho Geral, ainda em curso, estar terminado. Pela minha parte estou, como sempre estive, disponível para o debate sereno de ideias.
Lamento ainda que, em todo o período de preparação da manifestação do Conselho das Repúblicas, e de forma organizada, tenham sido feitas centenas de pichagens nas paredes dos edifícios da Universidade, e colados inúmeros cartazes sobre a iniciativa nos locais mais diversos, causando grandes estragos aos edifícios.
Já em novembro de 2012, numa iniciativa anterior do Conselho das Repúblicas, foram feitos diversos estragos nos azulejos e nas cantarias da Via Latina. É um triste padrão que se repete e que não é aceitável que continue.
Nestas acções transparece um profundo desrespeito pelo património da escola pública que esta iniciativa diz defender. Para repor os estragos feitos muito dinheiro público tem de ser gasto e, em muitas situações, como no caso dos riscos nos quadros e nas pinturas nas cantarias, é apenas possível atenuar os danos, não sendo possível revertê-los totalmente. O património secular da Universidade de Coimbra não é nem do Reitor, nem deste grupo de pessoas, nem de nenhum grupo em particular, mas sim de todo o país, e até de todo o mundo, como bem o reconheceu a UNESCO. Degradá-lo não ajuda na defesa do ensino superior público nem melhora a capacidade de o Conselho das Repúblicas fazer ouvir a sua voz. Não é aceitável que se desperdicem recursos públicos para este efeito, quando deviam ser usados para disponibilizar um ensino público de cada vez maior qualidade e cada vez mais inclusivo.
Saudações universitárias
João Gabriel Silva
Reitor”

Estando afastado há 4 anos da cidade e da política académica, não me preocupei muito em seguir este novo regime fundacional que o Reitor da UC pretende por em marcha na sua universidade. Não me poderei portanto pronunciar sobre o mesmo sem estudar profundamente os dossiers e o que se defende sobre o assunto na reitoria, na AAC e no Conselho de Repúblicas. E não tomo a acção que foi descrita por João Gabriel como um dado adquirido porque sinceramente acredito que este episódio tenha sido provocado por um acto isolado dos elementos que julgo terem sido os autores deste crime. Sim, o que foi feito foi um crime, um crime inaceitável e imperdoável contra o património histórico de uma Instituição que merece muito mais mas mesmo muito mais respeito do que aquele que foi dado, indiferentemente das razões e das tricas que motivaram os seus autores a praticá-lo. Tomo portanto como verídico o testemunho do Reitor porque nunca o tomei como mentiroso e como conheço bem a outra parte, sei que há gente capaz de levar a cabo tal acto.

A destruição de património histórico da Minha Instituição, da Minha Cidade, da Minha Coimbra, está e sempre estará acima de quaisquer lutas e acima de quaisquer tricas. O património da minha instituição e da minha cidade de Coimbra é efectivamente uma parte de mim. A destruição deste património por parte de pseudo-activistas que gastam tanto do seu tempo a defender a rés pública e a escola pública universal e gratuita é até uma forma de acção não-convencional que vai contra, e que é efectivamente contra-natura às suas posições ideológicas. A dissipação de recursos públicos que a Universidade de Coimbra terá que despender para a reparação do que é possível reparar reforça esta ideia.

Para finalizar, li ontem por alto na comunicação social da cidade que o Reitor está a ponderar a abertura de uma queixa-crime contra os autores deste acto criminoso. Se eu estivesse na posição de João Gabriel Silva não hesitava em fazê-lo para que a justiça não só se encarregue de punir severamente os seus autores pelos acto cometido como possa com essa mesma punição, executar o seu efeito preventivo sobre a sociedade para que este tipo de situações não se voltem a repetir. A justiça per se não chega para reparar os danos cometidos por esta gente. A atitude, pouco civilizada, não é digna de pessoas que frequentam aquela universidade. Sei que no conjunto há um par de estudantes da UC envolvidos mas também sei que alguns não são estudantes, o que é ainda mais grave e que reforça o que muita gente me dizia desde há muitos anos a esta parte: as repúblicas, casas que foram idealizadas e edificadas no século XIV para albergar estudantes e que entretanto viram o seu objectivo modificado no final do século XIX para albergar estudantes carenciados mediante o pagamento de uma renda baixa, estão actualmente ocupadas por pessoas que não estudam e que como tal não tem o direito de habitar nessas casas, a não ser que (prevejo ainda essa possibilidade porque o direito à habitação é um direito de todos) possuam um comportamento cívico exemplar. Quanto aos estudantes, os estudantes da UC envolvidos neste acto tem que ser automaticamente suspensos da Universidade. Quem não se preocupa em conservar devidamente o seu património, não merece continuar a frequentar a Universidade.

Comments

  1. Para além do procedimento criminal, e a expulsão da Universidade? Seria o mais lógico para quem destrói o património que é público e pago pelos contribuintes.

  2. ferpin says:

    A ser verdade que destruiram património, em especial, antigo, não sei porque sequer se hesita. É evidente que tem que haver processo-crime. Se culpados, pena pesada.

    • Uma certa tolerância por parte de um homem que viveu o tempo do PREC naquela universidade. Se fosse o anterior (Seabra Santos – o comuna fundador da Brigada Vítor Jara que passou no final do PREC à democracia-cristã) já estavam a ser hoje julgados em tribunal.

      • Pedro says:

        Mas que julgamento? Nem hoje, nem amanhã. Faz parte da tolerância académica, a tradicional diferenciação entre estudantes (ou estudantes honorário..) e futricas. Isto enjoa-me. De esquerda ou de direita, continuam meninos inimputáveis. Sabe o João Branco qual vai ser a justificação? Qualquer causa tem mais valor que o património físico da Universidade. Olarilas. Ao menos, antigamente os estudantes, ou alguns, ainda arriscavam a pele, a expulsão ou a mobilização forçada para o ultramar. Por acaso, fui vizinho em miúdo do spreitó-furo.
        Quando a coisa foi ressuscitada, não usei fato académico nem participei em praxes, porque não me agradavam aquelas crias reacionárias, mas também nunca pude com os okupas parasitas, do outro lado, sem respeito por nada.
        O resultado disto tudo é que nem quem estragou, nem o próprio conselho de repúblicas podem esperar qualquer tipo de solidariedade dos paisanos. Sim, mesmo nesta cidade que noutras eras até tratava os estudantes do liceu como doutores.

  3. Abrenúncio says:

    Virgem Maria, abrenúncio, satanás.

  4. A impunidade é uma vergonha; aparentemente está ser ampliada pela pratica dos dirigentes das variass instituições publicas, seja nas avaliações, fisclizações ou despesas. Pobres sujeitos passivos.

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