Postcards from Greece #31 (Thessaloniki)

Tudo estava calmo esta manhã, após a agitada noite de ontem

 

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Não se via nada que indicasse os confrontos entre manifestantes e polícia (ver postal #30) na Agios Dimitrios, mesmo junto à Universidade. Apenas 3 soldados armados até aos dentes, mas em pose relativamente informal, por mais paradoxal que isto possa parecer, se encontravam em frente ao consulado turco, como sempre. A visita de Erdogan à Grécia que se iniciou hoje* parece também não ter tido grandes efeitos em Salónica. Nem uma manifestação convocada, nem uma concentração agendada, informa-me a página da embaixada dos Estados Unidos que, aprendi ontem, tem separadores especiais para estes eventos, em Atenas e em Salónica. em Atenas parece que houve algumas manifestações, especialmente de curdos protestando contra o terrorismo de Erdogan, chamando-lhe evidentemente ditador. Parece que as conversas entre Erdogan e Tsipras não correram muito bem, com muitas tensões. São séculos de tensões acumuladas entre a Grécia e a Turquia. Relembro que nenhum presidente turco visitava a Grécia há mais ou menos 65 anos. Não sei se é bom sinal que o primeiro presidente turco a visitar a Grécia em 65 anos tenha sido justamente este. Mas adiante. Voltemos a esta manhã, que estava calma. Bebi o café do costume no bar ‘Os Piratas’ e apanhei um táxi porque tinha de imprimir umas coisas antes do Seminário sobre turismo rural em Portugal, aos alunos da Olga, da Maria e da Eleni. Os táxis, já o disse outras vezes, são extraordinariamente baratos na Grécia.

O Seminário correu bastante bem, os alunos eram, novamente, gente muito interessada e participativa. A Maria tirou fotografias do grupo, com ar animado pelo menos, no final. O aquecimento na faculdade já está ligado há uns dias de maneira que, quando voltei para o gabinete parecia que estava num país tropical. Li ontem ou antes de ontem que a AUTH não tem orçamento suficiente para pagar a água e a eletricidade até ao fim do corrente ano e, por isso, diante de tanto calor, espanto-me (mas ao mesmo tempo congratulo-me, já que faz frio) que tenham verba para pagar o aquecimento. Hoje, durante o seminário, não se falou de propinas, ou da sua ausência. Mas percebi uma coisa que ainda não tinha entendido antes. Aqui não houve adaptação dos cursos a Bolonha. Uma Licenciatura continua a ter 4 ou 5 anos. A Eleni diz-me que é muito. Não tive oportunidade de perguntar porque razão entende ela isso ou sequer para falar mais com ela sobre o assunto. Amanhã ou depois perguntarei à Maria ou à Roula mais pormenores sobre a não adequação a Bolonha.
Tenho sono durante a tarde, não sei se do calor, se do cansaço. Durmo pouco, já se sabe. Fico por ali até quase às sete da tarde. Continua tudo calmo, quando saio. Apanho o 16 para ir à Tsmiski, a rua mais comercial da cidade, comprar uma agenda moleskine na Public (a FNAC grega). Aproveito que estou ali e vou ver as iluminações de natal na praça Aristóteles. Há umas casinhas iluminadas, uma espécie de castelinho e uma árvore grande, ao fundo da praça. Gosto de iluminações de natal é verdade. Em Salónica, tirando na Tsimiski e na praça Aristóteles não há muitas iluminações. Suponho que sinal da crise. Mas a praça está bonita. Compro umas castanhas assas, que infelizmente estão cruas por dentro… verifico quando me sento num banco a comê-las… e ponho-me a olhar para a azáfama de gente. Encontro dois três cartazes de protesto contra a visita de Erdogan, quando desço até à praça.
Depois de admirar convenientemente a árvore de natal, volto a subir a praça e encontro a estátua de Aristóteles com o seu dedo grande do pé esquerdo muito brilhante. Imagino que seja para dar sorte a quem lhe toca e confirmo isso mais tarde. De facto, as pessoas esfregam o dedo grande do pé esquerdo da estátua de Aristótele para que um pouco da sabedoria do filósofo, nascido não muito longe de Salónica, em Estagira, as contagie, por assim dizer. Eu afago o dedo grande do pé da estátua e não noto nenhuma transformação na minha ignorância. Pode ser que demore algum tempo a fazer efeito. Resolvo comer ali mesmo, na praça, num sítio cheio de gente. Há kebabs e eu penso em como viverão os gregos sem eles, já que consomem muito este tipo de comida, se de facto a UE os proibir. Suponho que continuarão a comê-los. Como dizem os próprios gregos quando lhes perguntamos se alguma coisa (por exemplo fumar em tudo quanto é restaurante) é legal: legal não é, mas é a Grécia. Confesso que gosto desta irreverência dos gregos, deste desrespeito por algumas regras. Na verdade, não há como não gostar dos gregos e da sua χαλάρωση / chalárosi ou descontração. Talvez Tsipras tivesse necessitado de muita chalárosi e filoxenía para reunir com Erdogan hoje. Eu vou aprendendo estas qualidades, embora suponha que seja necessário muito tempo para as aprender ou, em alternativa, muitos afagos ao dedo grande do pé da estátua de Aristóteles.
*Ler, por exemplo, aqui