O Futuro de Portugal em causa

(com a devida autorização do autor, o aventador Carlos Garcez Osório, publico aqui o seu texto da sua página de facebook)
Dois pontos prévios: um, não quis escrever sem “dormir sobre o assunto” porque no esboço que ontem comecei, ao segundo parágrafo já contabilizava 6 ou 7 impropérios a “bold” e em maiúsculas; dois, sei que o que agora vou fazer, viola directamente o Estatuto da Ordem dos Advogados porque estou impedido de discutir publicamente ou fomentar a discussão pública de processos judiciais (para quem não sabe, todas aquelas declarações de Advogados às portas dos Tribunais que diariamente constatamos nos órgãos de comunicação social, são transgressões absolutas ao Estatuto da OA, transgressões sem castigo); mas antes de ser Advogado, sou Cidadão e o que ontem se passou é demasiado grave para o não fazer; pior, o que acontecer ou não nos próximos dias definirá (não tenham qualquer dúvida disso) os próximos 20 ou 30 anos deste País pelo que assumida, voluntária e conscientemente, opto por cometer uma ilegalidade.
Podem vir falar dos problemas estruturais do nosso sistema jurídico e judicial, mas não é isso, nem de perto nem de longe, o que aqui está em causa. É verdade que existem, é verdade que são gravíssimos, etc. Mas não é isso, nem de perto nem de longe, o que aqui está em causa.
O “edifício” judicial português é, realmente, uma desgraça. Desconhece porque não tem qualquer hipótese de conhecer, um conceito básico e essencial que permitiria a sua eficácia: “em tempo útil”. Privilegia, constante e reiteradamente, a “verdade formal” em prejuízo da “verdade material” o que, desde logo e irreversivelmente, desvirtua o objectivo primeiro da sua existência: a aplicação de/da Justiça.

Tudo, mas mesmo tudo, no nosso sistema judicial tem de ser discutido e quase tudo, posteriormente, alterado. Sem preconceitos nem agendas pessoais. Contra mim falo porque a minha própria profissão tornou-se, invariavelmente, num factor de “desajuda”. Na balança que pese o que os Advogados facilitam ou tolhem a superior procura da Justiça, tenho, neste momento, poucas dúvidas sobre qual é o prato mais pesado. Mas não somos só nós. Por exemplo, a avassaladora maioria dos magistrados são, se as consequências não fossem gravíssimas, uma perfeita anedota.
Mas não é isso, nem de perto nem de longe, o que aqui está em causa.
Podem vir falar de incompetência e de erros e vícios na acusação do Ministério Público. Mas essas alegações, além de factualmente falsas, são na sua maioria “areia para os olhos”. Não tenho porque não estou no processo, acesso ao número exacto de recursos que o Ministério Público interpôs de decisões do Juiz de Instrução. Os elementos que possuo tal como a avassaladora percentagem dos portugueses, são os que a comunicação social expôs. Mas o que se sabe é que aqueles recursos tiveram quase sempre (acho que há uma e só uma excepção) o mesmo resultado: provimento (curiosamente, e também segundo a imprensa, a defesa não recorreu de nenhum, repito, nenhum despacho do Juiz de Instrução;  interessante). E também parece mais ou menos consensual a previsão sobre o inevitável caimento da decisão instrutória no Tribunal da Relação. Ou seja, até agora, e se não contarmos os “spinners” de serviço ou os Advogados dos arguidos, há a seguinte quantidade de pessoas que acreditam nessa “patranha” de uma acusação deficiente, negligente e inepta: 1 (uma pessoa). Aquele senhor a quem os “salgados” deste País se referem como “o nosso homem no TCIC” (Tribunal Central de Instrução Criminal).
Podem vir tentar discutir ponto a ponto o despacho de ontem, mas por ilógico que isso pareça, tal não é, neste momento, relevante. Primeiro porque essa discussão inevitavelmente irá acontecer em sede própria (recurso). Segundo porque esse debate, pelo interminável “ruído” que causaria, só iria oferecer vantagens a quem apenas pretende a manutenção deste “estado desgraçado de coisas”. É óbvio, indubitável e claro que o despacho de ontem se funda muito mais em “projectos de poder” do que em argumentos jurídicos sérios e honestos. Aliás um despacho que transversal e tacitamente defende que a fiscalização da corrupção deve ser feita não pelas instâncias judiciais, mas sim pelo voto dos eleitores, não deixa grande espaço para a discussão técnica. No limite e “súmulando” a súmula de ontem, podemos resumir juridicamente aquela decisão instrutória no seguinte: o Ministério Público é incompetente; a acusação que lavraram é uma merda; toda? não; tem partes aproveitáveis; quais? aquelas que dizem respeito aos crimes que, ‘azar dos Távoras”, já prescreveram. Na prática o despacho de ontem, no fundo, só pronuncia duas pessoas: o Juiz Carlos Alexandre e o Procurador Rosário Teixeira (mais meia hora daquilo e até PPC era pronunciado, género o dinheiro era do Santos Silva e a culpa do Passos).
Mas não é isso, nem de perto nem de longe, o que aqui interessa ou está em causa. O que aqui está em causa é o regime. O que aqui está em causa é o País. O que aqui está em causa é o nosso futuro. Este é um momento determinante e definitivo para a Nação e para os Portugueses. Não desvalorizem, não relevem nem relativizem. Este é o momento mais importante e decisivo que os Portugueses viveram nos últimos 50 anos. Só mesmo comparável ao 25 de Abril. O que acontecer ou não nos próximos dias, definir-nos-á enquanto País e enquanto Cidadãos, não só para a nossa, mas também para as próximas gerações (não, infelizmente, não é exagero).
Este País há dezenas (centenas?) de anos que não pertence aos Portugueses, pelo menos não pertence a todos os Portugueses. Nós, o Estado e a Nação somos propriedade de um pequeníssimo e exclusivo grupo de pessoas. Esse grupo além de controlar e determinar implacavelmente todos os aspectos relevantes da vida nacional, alimenta e alimenta-se da nossa proverbial mansidão, frouxidão e cobardia. Somos como povo, uma autêntica merda. Zangamo-nos muito em conversas de café ou de barbeiro, anunciamos aos “quatro ventos” intenções e bravura, mas tudo não passa de arremedos do tradicional “agarrem-me senão mato-o”. Medrosamente, na prática, preferimos não levantar muitas ondas e tentamos defender o que temos como o que temos fosse suficiente para nos devermos preocupar em defender. Todos os dias somos “estuprados”. Todos os dias somos agredidos e ofendidos pelos abusos daquele grupo de pessoas. Todos os dias nos é paulatina e repetidamente retirada a possibilidade de sermos cidadãos completos. Todos os dias nos é vedada a possibilidade de construir. Todos os dias ficamos mais longe da felicidade.
E o que fazemos? Se não fizéssemos nada, já era mau. Mas vamos mais longe e numa demonstração de estupidez pandémica, aplaudimos e apoiamos os desmandos que contra nós são perpetrados. Como se a Mulher que é violada, sofresse essa trágica agressão de sorriso aberto e no fim ainda lançasse um “amanhã, à mesma hora?” (não se ponham com interpretações manhosas porque perceberam o que eu quis dizer).
O que ontem se passou pela sua enormíssima gravidade, pela astronómica dimensão do desrespeito que traduz, pela “linha” que foi efectivamente ultrapassada (já aconteceu muitas vezes, mas nunca desta forma ostensiva) define o momento a partir do qual já não há nada, rigorosamente nada, que eles não nos possam fazer. A partir de agora, se nada fizermos, todos nós assumimos que a eles tudo, mas mesmo tudo, é permitido. Morremos como Povo, morremos como Nação. Morremos como titulares do poder que sustenta o Estado (já não éramos, mas agora outorgamos com assinatura reconhecida, a renúncia aos nossos direitos). E num patética imitação de revolta, passamos a votar “Chega” (para o meu lado político, PCP ou BE para o outro) como se isso resolvesse algo ou nos restituísse a dignidade e a capacidade que voluntariamente perdemos.
Este é o momento de agir. Não é o momento de falar. Obviamente que me falta o talento, o carisma ou a competência para liderar o que quer que seja. Mas estou disponível para ajudar, participar e dinamizar. Pessoalmente, e desde já, abro a minha caixa de mensagens a todos os que quiserem dar ideias ou promover projectos de efectiva “revolta” (sim, revolta, rebelião, insurgência, etc., o que quiserem; só não venham com “punhos de renda” ou “falinhas mansas” porque isto já lá não vai dessa maneira; obviamente dentro de limites civilizacionais, mas para lá da urbanidade e da cautela).
E, também pessoalmente e na falta de propostas que possa ajudar a criar e iniciar, reservar-me-ei o inalienável direito de me associar a plataformas de terceiros. As únicas condições são: nem serem moderadas, nem serem “mais do mesmo”. Sim porque aos incontáveis e maioritários moderados, tenho duas coisas para dizer: vão à merda mais a vossa cautela e tranquilidade; podem suicidar-se como cidadãos à vossa vontade, mas não me obriguem a fazer o mesmo e, mais uma coisa, vão outra vez à merda. Afinal eram três coisas.

Comments

  1. Filipe Bastos says:

    Até que enfim.

    Perdoem a extensão e mantenham presente que nem tudo se pode dizer num fórum público. As entrelinhas e tal.

    Quem pensa num novo partido desengane-se: seria basicamente um novo Chega. Leva anos, poucos têm vida para isso, e torna-se sempre mais do mesmo. O regime está feito para assim ser.

    O caminho, creio, é um movimento apartidário. Dois problemas habituais: falta de direcção e conflitos internos. Um exemplo recente é o Occupy Wall Street. Quanto mais difusos os objectivos e menos claros os passos para os alcançar, menos longe se chega.

    Compare-se com dois casos aparentemente opostos: Black Lives Matter e QAnon. Ambos encerram lições. Notem que o QAnon, um mera fantasia para débeis mentais, invadiu o Paralamento lá do sítio. Não é coisa pouca. E não morreu, só esmoreceu.

    A meu ver, qualquer movimento deve saber desde logo que não vai vencer a apatia tuga. Não se ultrapassa séculos de mansidão e décadas de submissão – primeiro a uma ditadura parola, depois a uma partidocracia podre – numas semanas ou meses.

    Para se ganhar força, para se poder fazer exigências, é preciso ter duas caras. Uma pública, com uma postura dura mas inteiramente legal, outra, diria o regime, mais ‘subversiva’. E aqui chegamos à conversa de não se fazer omeletas sem partir ovos.

    Sem se estar disposto a isso nada vai mudar. Lamento, não vai. Como e onde se partem é metade da questão. A outra metade é como rentabilizá-los mediaticamente, e aqui entram as lições acima. A menos que se vá apenas pelo caminho do medo; mas não vejo como pessoas decentes possam ir (só) por aí.

    É preciso meter medo à canalha; e é preciso inspirar a minoria que está farta disto e que tem uma réstia de coragem e de iniciativa para mudar. A carneirada virá depois atrás. Como sempre.

  2. Paulo Marques says:

    Do texto, retiram-se duas coisas: o despacho está errado, porque sim; e o país mudou ontem, como se fizesse alguma diferença à vida dos portugueses se o indivíduo está longe do poder dentro ou fora da cadeia.
    Pouquinho para uma revolução, lamento.

    • Fernando Manuel Dias de Lemos Rodrigues says:

      Tem razão… Faltam aqui as obrigatórias menções à agenda do “politicamente correcto” não é? Isso é que seria justificação para “uma revolução”. Agora combater a corrupção, a tomada do poder por uma oligarquia e a partidocracia?… Nah… coisa pouca.

      Pela minha parte manifesto aqui a minha disponibilidade para aderir a qualquer movimento que esteja disposto a “não deixar pedra sobre pedra”.

      • Paulo Marques says:

        Combater a corrupção de quem não tem poder? Um objectivo muito importante, muito mais do que o politicamente correcto de mais uma mulher morta por não ter o jantar na mesa no mesmo dia.
        Cuidado com os movimentos que só não deixam as pedras dos outros, ao resto não têm problemas nem com roubo, nem com terrorismo, nem com violência, nem com fuga ao fisco, nem se sabe mais o quê; tirar-lhes as pedras fica mais difícil se não restar mais ninguém.

  3. Fernando Manuel Dias de Lemos Rodrigues says:

    Só mais uma coisa: Porque é que esta m…, sempre que eu voto, fica a zeros?

    • Filipe Bastos says:

      O blog é feito em WordPress (WP), um sistema muito popular que tem muitos defeitos. Um deles são os ‘plugins’, pequenas aplicações integráveis com o WP para funções específicas: comentários, votos, filtros anti-spam, etc.

      Este plugin (Crowdsignal) deve tentar evitar votos falsos e bots alterando os totais para zero e bloqueando novos votos. Após certo tempo aparecem os totais reais. Como muita coisa no WP, deixa a desejar.

    • Paulo Marques says:

      No meu caso, bloqueio de anúncios e tracking. Sobrevivo sem voto.