
Os oligarcas russos, como os seus congéneres chineses ou angolanos, navegam livremente nas águas neoliberais do capitalismo de casino, distribuindo as suas fortunas por diferentes ilhas paradisíacas, onde mais do que não se colocar a maçada de ter que pagar impostos, é possível depositar legalmente o produto de todo e qualquer crime, desde que efectuado na ordem dos milhões. É para isso que servem os paraísos fiscais: são o porquinho mealheiro da máfia contemporânea. O mercado livre também é isto.
Não deixa de ser curiosa, a facilidade com que os regimes autoritários e totalitários se movimentam na economia global, alegadamente construída sob a lógica da liberdade do indivíduo, e que, paradoxalmente, subsiste, em larga medida, da subjugação de milhões de indivíduos, à mercê do chicote ou da bota cardada, como acontece na China ou com as monarquias absolutas do Golfo, sem as quais o modelo económico que nos governa de facto entraria em colapso já amanhã.
Por meia dúzia de vezes na vida, pude observar o fausto, também ele absoluto, em que vive a elite moscovita. A noite em que aterrei em Moscovo pela primeira vez, nas primeiras duas ou três horas após abandonar o aeroporto de Sheremetyevo, vi tantos carros de luxo como nunca tinha visto em várias viagens a Londres, Paris ou Zurique. Os motoristas e as equipas de segurança estacionados à porta dos melhores restaurantes, a ostentação das “filhas” dos oligarcas, as lojas de luxo fechadas para as receber, enfim, tudo ali respira uma opulência pornográfica, mais ainda se considerarmos a pobreza que caracteriza o país, fora dos centros urbanos das principais cidades russas.
Não admira, portanto, que rapidamente tenham colonizado Londres e outras cidades europeias, do imobiliário aos mercados bolsistas, não sem antes seduzirem os decisores ocidentais com a brilho da sua ostentação. Porém, quando os rublos começaram a fluir em força, os governos europeus sabiam qual a proveniência desse dinheiro. Sabiam que resultava da total extorsão levada a cabo pela máfia oligarca. Sabiam que era dinheiro sujo, corrupto. Mas nada fizeram. Pior: pactuaram com os criminosos. Escolheram o seu lado e foi o lado de Putin. E o resultado está agora à vista.
Não sou anticapitalista, tal como não defendo o capitalismo selvagem e desregulado, que todos atropela. Sou, a esse respeito, um reformista. Um reformista que entende ser urgente introduzir mudanças profundas e radicais na forma como as democracias liberais conduzem as suas economias, sob pena de continuarmos a pactuar com o sofrimento e a servidão de milhões, financiando o chicote e a bota cardada. Porque a democracia não é nem pode ser selectiva. Não podemos ser democratas dentro de portas para, de seguida, recebermos, com honras de Estado, um tirano que subjuga violentamente o seu povo. E enquanto a porta estiver aberta à tirania, o capitalismo é e continuará a ser colaboracionista, logo parte do problema. Se podemos embargar Cuba, temos que estar preparados para fazer o mesmo às restantes ditaduras. Ou continuar na senda da hipocrisia, até não nos restar arcaboiço moral para condenar o autoritarismo, a cleptocracia e a violência. E aí sim, o nosso modo de vida estará condenado.
O João sabe perfeitamente que ao longo das décadas, muitos foram os regulamentos, baias, barreiras e limites que se quis colocar à selvajaria galopante que sempre caracterizou essa forma de apropriação e acumulação de riqueza a que se chama capitalismo. Resultado? Ele está hoje mais selvagem e imparável que nunca, mesmo perante a total destruição do planeta. Reformas?
Resultado? Não se implementou nenhuma e retiraram-se outras, porque a regra dourada é que quem tem o ouro faz as regras.