Quando o cavaquismo censurou Herman José

O ano era 1996, o primeiro-ministro António Guterres e a Igreja Católica ainda não tinha vergonha de demonstrar publicamente o seu enorme poder e influência. No olho do furacão estava o sketch “A última ceia”, integrado no programa Herman ZAP, alvo de tentativa de censura pelas forças alinhadas à direita. Marcelo Rebelo de Sousa, então líder do PSD e da oposição, juntou-se ao coro de críticas da restante direita e da Igreja Católica, num esforço conjunto de cancelar o pai de todos os humoristas, mas a direcção da RTP, na altura liderada por Joaquim Furtado e Joaquim Vieira, não cedeu e deixou o episódio ir para o ar.

Desfecho diferente teve um episódio idêntico, em 1988, quando um sketch de outro programa de Herman José, Humor de Perdição, foi censurado em directo. O primeiro-ministro de então chamava-se Cavaco Silva e o controle da RTP tinha sido por ele entregue a Coelho Ribeiro, um operacional fascista da máquina da censura do Estado Novo, que o cavaquismo reciclou e colocou em posição de poder, onde teve a oportunidade de regressar à actividade censória, que, pelo menos nest caso, executou com distinção.

Cavaco Silva, que colocou um alto quadro da ditadura salazarista a controlar a RTP, não tem autoridade nem moral para falar em ataques à liberdade de expressão ou à democracia, na medida em que foi directamente responsável por alguns episódios de censura e de algumas tentativas de amordaçar a democracia. Já tem é idade para ter juízo, deixar de ser hipócrita e não fazer estas figuras.

Nuno Santos tentou fazer uma recepção

Levantávamos a cabeça e tínhamos jogadores a voar por todo o lado
Aimar, o Poeta

Eddie, I spilled some coffee in the kitchen. I’m sorry. I’m apologizing now.
Chris Cornell

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Ao contrário do que se depreende das deturpações feitas pelo jornal A Bola, o futebolista Nuno Santos não se referiu nem a receção, nem a janeiro. Aquilo que este magnífico jogador, campeão pelo FC Porto e pelo maravilhoso Benfica, escreveu há dias na sua conta do Instagram foi o seguinte:

Grafias impecáveis: não há reparos a fazer. Nuno Santos, segundo sei, não pratica profissionalmente o acto de escrever. Nuno Santos ganha a vida a dar pontapés e cabeçadas numa bola. Mesmo assim, como se viu, escreve bem.

Todavia, ao lerem estes disparates, escritos por quem é pago para escrever e transcrever,

os leitores do jornal A Bola ficarão a julgar que o jogador Nuno Santos trata o portuguez lingua escripta como ele é tratado no jornal A Bola: ao pontapé e à cabeçada (o Estebes diria “à cabeçada e ao pontapé”). Já sabemos que A Bola preferiu comer e calar, em vez de colaborar no desenvolvimento de uma sociedade livre e moderna. Mas nós não temos culpa das altamente duvidosas opções cívicas da direcção do jornal A Bola. Além disso, esta mania de andarem por aí a deturpar a óptima grafia dos outros, francamente, é inadmissível. Obviamente, Nuno Santos está à espera de um pedido formal de desculpas do jornal A Bola.

Nótula: Um grande abraço ao excelente leitor do costume.

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Charles Coins

moedas2Está no ar o mais recente programa de humor negro, o Programa do Governo. Trata-se, na realidade, de um reality show com a apresentação a cargo de Miguel Relvas: a produção não gostou do casting de Teresa Guilherme, considerada demasiada calma e inteligente.

Apesar da preponderância de Relvas, tem sido o concorrente Carlos Moedas a ganhar algum destaque nos últimos tempos, uma vez que soube inventar uma frase que fica no ouvido: “O relatório é um bom relatório”. Inspirando-se no Diácono Remédios, Moedas soube valorizar o seu aspecto exterior, resultante de um cruzamento entre o padreca escanhoado e o programador de jogos sem vida social.

Fontes próximas do secretário de Estado confidenciaram que, em rapaz, já Carlos Moedas era um humorista nato que procurava seduzir fêmeas anglófonas com a frase “You must insert coins”, o que lhe provocava ataques de riso sufocantes. Sendo-lhe impossível evitar o recurso ao humor, foi ele o inventor do trocadilho “Goldman Saques”, associando, nesse caso, a risota à adivinhação.

A sua participação nos mais recentes episódios do Programa do Governo tem sido, portanto, um sucesso. Foi graças à sua interminável veia cómica que pôde afirmar que um relatório cheio de erros é um bom relatório. Àqueles que lhe perguntarem como pode ser bom com tantas imprecisões, o afamado autor de facécias saberá responder, sempre chistoso: “Então? Estava a falar da encadernação. E este papel couché, hein? Hehehe! Sou muito brincalhão, sempre na brincadeira! Heheheh! Mas não se ri porquê?”

Entrevista a Luís Vaz de Camões

Herman José: Humor de Perdição – Entrevista Histórica a Luís de Camões

A hipocrisia de Cavaco (ainda a propósito de Rosa Lobato Faria)


Fiz ontem a evocação de Rosa Lobato Faria, uma grande senhora. Pouco tempo depois, sucediam-se as homenagens públicas. Entre as várias que ouvi, impressionou-me a hipocrisia do Presidente da República Cavaco Silva, ainda para mais exercida no momento da morte de uma pessoa.
Se bem se lembram, foi através de pressões directas ou indirectas que o Governo de Cavaco Silva conseguiu a suspensão, em 1987, do programa «Humor de Perdição», escrito por Rosa Lobato de Faria e interpretado por Herman José. Apenas porque ali se brincava com figuras históricas como Florbela Espanca ou Fernando Pessoa.
Na altura, Cavaco não a achava uma grande mulher. Pois, a memória é curta. Depois da morte, todos são grandes. Já não chateiam.