O Jornalismo e o sensacionalismo

O Nuno Ramos de Almeida, no i, escreveu um artigo sobre o jornalismo que muito agradou a dois velhos amigos meus. Foram eles os culpados por eu ter ido ler e, indirectamente, causadores de eu ter de escrever a discordar (nas conclusões) com o Nuno Ramos de Almeida – o que me custa, confesso.

Vou começar pelo fim. O Nuno Ramos de Almeida (NRA) recorda a tiragem do “Diário de Notícias” e de “O Século” nos inícios do século XX (100 mil exemplares/dia cada um) e compara com a realidade actual afirmando que não foram eles, os leitores, que desapareceram mas, “os jornais, a comunicação social e os jornalistas que não estão a cumprir devidamente o seu papel de informar com qualidade. O que fazem não serve“. O NRA aqui ignorou, olimpicamente, a realidade. Ou seja, os jornais no início do século XX não concorriam com a internet, as redes sociais, a televisão, etc.

Eu admito e até concordo com boa parte do que o NRA escreveu sobre o jornalismo actual. O problema, na minha modesta opinião, é outro. Se queremos fazer jornalismo a sério, se queremos ter jornais dignos desse nome então temos de os pagar. E esse é o problema. Não é possível ter jornalismo verdadeiramente isento e imune a pressões enquanto um jornal para sobreviver precise da publicidade. E para isso necessário será ter consumidores que estejam dispostos a pagar o preço justo de capa. Melhor dito, se um jornal tiver um preço de capa que, por si só e em conjunto com as assinaturas, suporte todos os custos do mesmo. Ora, eu tenho sérias dúvidas que isso se consiga. Pelo menos em papel. Sérias dúvidas. Primeiro por não acreditar que existam assim tantos consumidores disponíveis e, por outro lado, com o digital, seria quase impossível.

Tendo os consumidores “normais” fugido do papel para o digital, quem sobrou? Os consumidores que gostam de sangue e os aficcionados do papel (uma espécie em vias de extinção). Por isso mesmo, os “maluquinhos” que ainda investem em jornais, como querem o retorno do seu investimento e o óbvio lucro, seguem este caminho. Um mau caminho segundo o NRA. O caminho óbvio, direi eu, de quem investe e quer ter resultados. Vamos ser pragmáticos: se não fosse a SONAE a suportar os prejuízos o Público ainda existia? Se não fosse o investimento brutal que Joaquim Oliveira fez e que procura, desesperadamente recuperar, será que o DN ainda estaria nas bancas? Se não fosse a força comercial da marca JN, será que ainda existia o único diário do Norte de Portugal? E no caso do i nem falo pois o NRA saberá bem melhor do que eu. Ou seja, o problema está, desde logo, nos consumidores que restam, na dependência da publicidade (pescadinha de rabo na boca) e no digital, para o qual ainda não se encontrou a fórmula que permita a sobrevivência do jornalismo de investigação ou, por exemplo, do jornalismo de guerra.

O sensacionalismo é o culpado? Não me parece. Ele, como dizem do outro, sempre viveu no meio de nós. A coisa é um pouco mais complexa. Penso eu….

Comments

  1. O que concluo de mais relevante do post, é que
    FMS lhe custa escrever, quando discorda da opinião
    de um amigo.

  2. Não deixa de ser lúgubre que NRA escreva esta coluna precisamente no “i” um jornal sem dinheiro para pagar a colaboradores e que despediu mais de metade da redacção para se manter a flutuar…

  3. Já tive oportunidade de responder ao meu amigo FMSá concordando e discordando com ele ao mesmo tempo. O diretor do I no meu entender está carregado de razão. A falta de interesse das pessoas em comprar jornais tem muito mais a ver com a fraca qualidade dos mesmos do que a “fuga” de leitores para a Internet. A Internet não é inimiga da imprensa, como a TV não é inimiga da imprensa, bem como a rádio. São complementos. O maior inimigo da imprensa é ela própria, que se habituou a dar brindes, em vez de publicarem notícias que não trazem nada de novo a ninguém. No artigo publicado pelo diretor do jornal I refere-se que no início do século XX o numero de iletrados era muito grande. Praticamente as crianças chegavam aos 12/13 anos sem escolaridade completa feita e iam trabalhar. Acrescento ainda a isto que o numero de jovens era incomparávelmente maior ao numero de jovens de hoje. A taxa de natalidade tem vindo a decair de forma brusca. Esse numero de iletrados corresponde grosso modo àqueles que migraram do papel para a internet. A internet não pode, não deve e não é desculpa para o jornalismo que se faz em Portugal.

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