E a democracia, does it really matter?

A partidarização da Democracia tem turvado uma ideia essencial: é que o Homem, enquanto ser pensante, crítico, activo, antes de se enquadrar numa ideologia, possui as suas próprias ideias. Ora a principal função das ideologias é anular as ideias. Os partidos são sempre sectários. Transformam os indivíduos em militantes que devem acatar, submissos e acríticos, as directivas do conjunto ideológico. Em Portugal, porém, e ao contrário do que se esperava numa sociedade que há 37 anos conhece o valor da Democracia, a ideia de partido continua viva. Cada vez mais viva, aliás. Todos os anos surgem vários partidos e cada um deles cada vez mais sectário: dos Animais, do Norte, da Esperança, dos Trabalhores, da Extrema-Direita, etc, etc. A ideia de que cada um de nós pensa e age aos bochechos ou sob impulsos parcelares é, para mim, insultuosa e mesmo incompreensível. Como é que alguém pode pensar que, por ser de um de um partido de Esquerda, deve, obrigatoriamente, ser contra a NATO, apoiar o casamento entre pessoas do mesmo sexo e querer salvar as baleias e os golfinhos? Ou os que não votam no Partido dos Animais são, invariavelmente, a favor de Touradas ou não gostam dos bichos? O mesmo se aplica à Direita, supostamente xenófoba, conservadora e liberal. Devem ser todos os eleitores de direita, ser xenófobos, conservadores ou liberais? E porque é que eu hei-de ser pelo Norte, se é tudo uma questão meramente geográfica e de latitude? Por tudo isto, pensava eu que, chegados a este ponto, em vez da multiplicação de partidos, houvesse já uma consciência clara de que este modelo se havia esgotado. Aliás, com os recentes movimentos de 12 de Março julguei que o paradigma fosse abalado pela juventude, cansada do rotativismo e dos abusos e das clientelas partidárias. Mas não. O que foram eles fazer? Foram formar um partido, uma associação. Foram fechar-se nas suas capelinhas, como todos os outros. Aprenderam bem com os pais. São a Geração à Rasca e todos os que se sintam enrascados, os seus militantes. E os partidos, ávidos pelo controle, lá foram colar-se ao movimento, não para mudar o que quer que seja, mas para garantir que o sistema não muda. Basta ver como às recentes manifestações espanholas, estão directamente ligados os partidos nacionais e regionalistas de Esquerda, como se efectivamente, ser de Esquerda implique andar de braço no ar ou a fazer acampadas. E que tal pensarmos a sério na ideia de uma democracia não-partidária? A ideia de que os cidadãos devem falar por si e não através de um filtro, como é qualquer partido? Que a Assembleia da República deve ser o que efectivamente significa: uma assembleia da coisa pública e não uma coutada dos partidos? Não vou votar no próximo dia 5 de Junho. Como sabemos, independentemente de todas as sondagens, ganhará ou a Direita ou a Esquerda, o PS ou do PSD. É assim, em Portugal, há mais de 100 anos. Contudo, votaria  de bom grado no Partido que assumisse o compromisso de mudar a lei eleitoral, permitisse a candidatura de cidadãos independentes ou movimentos cívicos transitórios, redefinisse os círculos uninominais e abolisse o financiamento partidário. Mas isso seria um contra-senso. Nenhum partido, ou qualquer líder no seu perfeito juízo pediria para lhe cortarem a cabeça. Se acham que a Democracia está em perigo, se o povo é que manda, pá, então o melhor é começarmos por mudar o que está errado. E o que está errado é o sistema eleitoral partidário. Manifestações contra a Crise? A banca? O grande capital? A especulação? Vão tarde. Onde estavam há 10 ou 20 anos atrás enquanto a banca subsidiava as vossas férias e dos vossos pais, ou a vossa a playstation? Não se constrói uma casa pelo telhado.

Comments

  1. Subscrevo completamente.

    Julgo que os partidos já tiveram o seu tempo. Eram necessários para se poder organizar um grande número de pessoas em volta de um objectivo comum. Hoje em dia há outras formas de organizar pessoas. E notem que se estou neste momento a pensar na Internet como meio preferencial de organização, outras tecnologia existem que permitem o mesmo resultado, sendo estas bastante mais velhas.

  2. Nuno Castelo-Branco says:

    Continuo a acreditar que os partidos são um dado incontornável. No entanto, podem começar a mostrar alguma boa vontade, permitindo um novo sistema eleitoral. Ora, isso costumava chamar-se “governar à inglesa” e o último a tentar fazê-lo, foi João Franco. Viu-se o que aconteceu. Em 1908.

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  1. […] não votei. Já tinha esclarecido aqui porque o não ia fazer e, honestamente, não gosto de ser confundido com os que não votam por […]

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