O escurinho do cinema

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Está bem que os tempos são outros e agora há a Internet, e o DVD, e Home Cinema, o THX, o DTS, o High-Tech e muito mais. Mas o que é certo é que o brilho do grande ecrã é outra coisa! E para namorar não há nada que iguale um convite para o cinema. Agora, com o encerramento das salas Castello Lopes há cidades importantes, até capitais de distrito, sem cinema comercial. Como vai ser? A civilização estará a andar para trás.

Foi muitas vezes no “escurinho do cinema” que a mão dele tocou na dela pela primeira vez. Eu já me casei por causa disso! Os meus filhos seriam outros se naquele dia eu não tenho ido à sala 2 dos cinemas avenida com a mãe deles. Aquela privacidade-pública-cúmplice não tem comparação com nenhum sistema de alta fidelidade. O cigarro ao intervalo. As pipocas na fila da frente. A tosse ao lado. O cinema é o teatro democrático do convívio humano. É a arena da bondade onde as pessoas de juntam para contemplar, para se divertirem e pensarem em conjunto. É a anti-arena. Uma marca da grandeza da civilização humana. Simples e bonita.

Nos tempos recentes, em Portugal os últimos 25 anos, transformaram o cinema numa fruição comercial. Os multiplexes mudaram o paradigma e, de” ir ver o filme”, passamos a ir “ao cinema”. Sim! as pipocas irritam e os intervalos acabaram e às vezes até se ouve a sala 13… mas o escurinho continua lá, único, a piscar o olho ao romance e a ser o álibi mais simples para um convite (in)esperado. Ir ao cinema ajudou gerações de rapazes a perder a vergonha. Muito se perde. Na minha terra, em Castelo Branco, regressamos aos meus tempos de infância onde, apenas uma sala, passava filmes de vez em quando. Mas em Viana do Castelo os futuros namorados já não podem comprar bilhete. Em Leiria não há sessão da meia noite. Na Covilhã o frio da serra já não se pode contrariar com pipocas quentes acabadas de fazer. Em São João da Madeira restam os chapéus e a Oliva. Loures, Seixal e Guia ficaram mudas e escuras e nos Açores, em Ponta Delgada, já terminou a última sessão.

 

A crise está mesmo a deixar-nos mais pobres.

Comments

  1. Amadeu says:

    Por momentos pensei que era alguma piada de mau gosto sobre um filme do FMI.

    Já somos dois que devemos um casamento e estes filhos ao escurinho no cinema. Também não é para admirar. No meu caso o filme era “O Império dos Sentidos”

  2. Miguel says:

    Bonito texto

  3. jorge fliscorno says:

    Eu também tenho pena que fechem mas os tempos mudam. E, mais do que os tempos, os clientes também mudam.

    Já agora, para mim, os filmes de agora são, na generalidade, muito fracos. Falo dos filmes que passam nos cinemas, entre os quais os que fecharam. Vêm-se dois ou três enredos diferentes, contados de filme para filme com outros protagonistas. Outro aspecto é a curta vida de cada filme, baseada num ciclo de consome e deita fora. Episódios de fechos anunciados.

  4. Belo texto!
    Ficamos sem cinema (Ponta Delgada), desapareceu uma fonte de negócio…. Sim, negócio!
    Fechou por má gestão! É incompreensível ter salas com meia dúzia de pessoas.
    Havia soluções:
    1- Reduzia-se o número de sessões…
    2- Reduzia-se o preço dos bilhetes…
    Mas não… Com as ameaças da pirataria, já deviam ter acordado…

    Tenho pena dos que perderam postos de trabalho.

  5. Maquiavel says:

    Só um pormenor: pipocas?
    No meu tempo eram batatas fritas. Pipocas só vieram com os multiplexes, nos anos 90. E sempre “fui ao cinema”, só passei a “ir ver um filme” com os multiplexes.

    Mas sim, tenho muita pena porque sempre adorei ir ao cinema, por todas essas razöes. Hoje em dia, e para mais com os preços a subir exponencialmente, porque irei ver um filme a um “cinema”? Os enredos, como disse o fliscorno, säo täo mauzinhos que näo me atraem–nem com Star Trek no título. Só se for mesmo para ver efeitos especiais e/ou 3D, mas mesmo assim, a novidade esfuma-se rapidamente.
    Aliás, cheira-me que se desenvolveu o 3D só para haver uma vantagem sobre ver os filmes em casa, näo para melhorar filmes que já fossem bons a 2D. Porque esses… normalmente näo andam pelos multiplexes!

  6. Reblogged this on Paranóias and commented:
    Pois é… e a Castello Lopes Cinemas foi-se embora…

  7. Konigvs says:

    De 2010 para cá terei ido ver cinco ou seis filmes, a maior parte portugueses, ou falados em português como o “Lixo Extraordinário”. O cinema em dez anos mais do que duplicou de preço – de 500 paus passou-se para 6 ou 8€ como já paguei em 2010 quando me convidaram para ir ver o “Alice…” e ainda por cima tive de filme com uns óculos idiotas – mas o meu salário em dez anos ficou muito longe de ter duplicado. Antes, quase que se ia ao cinema por ir, hoje em dia não pode ser, por certo existirão filmes muito interessantes, mas existem prioridades, e como se costuma dizer “quem não tem dinheiro não tem vícios”, o cinema está caro não vou. Como também não vou a concertos , outra coisa que mais do que duplicou de preço. Antes, podia-se ir a qualquer sala de espetáculos do Porto e com dois/três contos via-se grandes bandas internacionais, hoje para ver qualquer banda já se paga 30, 35 ou 40€.

    Mas por certo que os miúdos, filhos dos papás ricos, que vivem num mundo cor de rosa onde se pode ter tudo, e que vivem numa realidade completamente diferente, esses hoje estarão bem contentes, terão o escurinho do cinema todo para si, para passaram a mão e apalpar, e se calhar agora para acabarem calmamente o que antes só se podia começar e deixar a meio.

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