O dia do medo

Se há bitola pela qual meço as afirmações dos políticos é a de acreditar que eles dizem exactamente o oposto do que pensam. Assim sendo, se me dizem que não aumentarão os impostos, corro a esconder a carteira. Se afirmam no jobs for the boys, já sei que o estado será duplicado. E se anunciam que a sua actuação não será condicionada pelas manifestações de rua é porque isso está a acontecer. Façam os leitores este exercício e verão que funciona. Ainda nesta linha de raciocínio, quando há dias Relvas, o patético cantador, a propósito das manifestações que o esperaram em aparições públicas, afirmou não ter medo porque, quando tal acontece, estão os políticos perdidos, é garantido que o governo está borrado de medo.

Sábado será o dia do medo para o governo. Do muito medo que os manifestantes sejam imensos e do pouco medo que o Presidente da República dissolva o parlamento por ler na rua a falta de legitimidade do governo. Do terror que a manif não seja válvula de escape suficiente para a tensão social e que as aparições públicas do governo continuem embaladas com canções e com simpáticas adjectivações. Da angústia que o povo não se torne violento e, assim, não dê o flanco à condenação do protesto, tal como aconteceu na Grécia.

Para mim, sábado será o dia da esperança que este odioso governo quebre mas também do receio que algum oportunista seguramente apareça a prometer o que não tenciona nem consiga cumprir, assim nos arrastando para mais um ciclo de desilusão e, consequentemente, dê mais um passo que nos afaste da democracia. Mas mais do que este receio, tenho uma ainda maior esperança, que os portugueses percebam que só sairão deste ciclo se tomarem eles mesmos o poder por forma a acabarem com o sistema banco-partidocrático que até aqui nos conduziu. Um sistema onde um primeiro ministro é eleito, na prática, por uns escassos milhares de militantes do seu partido.  Um sistema no qual a legislação constrói uma realidade protectora da banca e que canaliza as poupanças de uma vida para o lucro bancário legalmente garantido — nem que isso signifique arruinar o país com austeridade. Um sistema que permite que a maior fraude nacional absorva todo o esforço que um país está a fazer. Um sistema que só poderá ser mudado por aqueles que dele fazem parte e que mais terão a perder com essa mudança. É por isso minha esperança — e o medo do governo — que as pessoas percebam que podem tomar o poder e mudar as coisas. E o poder começa a tomar-se mostrando força. Por isso, sábado precisamos de ser muitos. Eu serei um deles.

Comments

  1. Vamos arejar Portugal, quer eles queiram, quer não.

  2. Maquiavel says:

    Tenham medo.
    Tenham muito medo…

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