Então e as Crianças?

unicef2Sou doador regular da UNICEF (Fundo das Nações Unidas para a Infância). Dentro dos condicionalismos financeiros com que vivo, é evidente.

A sensibilidade à pobreza e ao sofrimento infantil vêm desde a ‘primária’. Frequentei a Escola 15 de Lisboa. Parte significativa dos alunos apresentava-se sempre descalça, esfarrapada e esfomeada. Viviam nessa autêntica favela à portuguesa, chamada então ‘Quinta dos Peixinhos’. Em parte dos terrenos, foi construída a Escola Patrício Prazeres.

Anos mais tarde, a vida profissional forçou-me a visitar diversas regiões de África. O escabroso cenário de miséria, sobretudo fome e mortalidade infantil, percorri-o vastamente. Do Mali a Moçambique.

Todavia, foi no Huambo, Angola, que em 1992 me deparei com as cenas mais trágicas de vida infantil. Meninos, nus ou de camisola branca tingida de uma espécie de tela de empedrenida sujidade, vagueavam pelas ruas e bebiam águas de poças. Como os cães dos pobres ou desprezados; sim, porque os cães dos ricos alimentam-se de ‘Royal Canin’, ‘gourmets’ de diversas variedades e ainda são mimados com certas guloseimas.

A condenação ao abandono e a impotência das crianças do Huambo abalaram naturalmente o meu espírito, emocionando-me até às lágrimas impossíveis de secar e à revolta que não se contém. São cenas que jamais se evadirão da minha memória.

Com a sensibilidade às carências e sofrimentos de crianças, é impossível renunciar à repulsa que senti, ao saber que considerável percentagem das crianças portuguesas vive em situação de carência – não são os 27% que o ‘Público’ indica. O relatório da UNICEF diz, isso sim, que Portugal se encontra em 27.º lugar num conjunto de 29 países, na ‘taxa relativa de pobreza infantil’.

Um tal Mestre, ajudante do governo em linguagem cavaquista, mandou os adolescentes e recém-adultos sair da sua “zona de conforto” e emigrarem – o extinto Relvas e o infelizmente ainda no activo Passos ratificaram a ordem.

A actividade política, sobretudo nos debates mediatizados, privilegia questões de poder, análises de política orçamental, a situação da banca, o desemprego, o ensino e a saúde. As causas da criança raramente se incluem, de forma objectiva, no debate político. Sobretudo, esta verdadeira chaga da fome que, estatística a estatística, se vai agravando. Como e certamente em função do desemprego crescente.

Por sua vez, o governo que temos, à laia de rasoura, desbasta-nos com permanentes, duras e desvairadas medidas de austeridade. Das quais, as crianças são, em muitos casos, as primeiras vítimas. Um pai que abandona as filhas é naturalmente frio e distante em relação aos filhos dos outros.

Já que as queixas infantis, de índole social, se exprimem basicamente por comportamentos sintomáticos, resolvi tomar eu a palavra e questionar: Então e as Crianças? Será que as olheiras do Gaspar e o cinismo do Coelho têm consciência do crime social que as suas políticas infringem aos mais novos dos portugueses? Têm, mas desprezam-na; e infelizmente, dizem os especialistas, não é matéria para análise e deliberações do Tribunal Constitucional.

Comments

  1. adelinoferreira says:

    Não nos conhecemos. Pelo seu humanismo e
    sensibilidade,permita-me que lhe envie um
    fraterno abraço. A blogosfera não tem que
    ser uma guerra!

    • Carlos Fonseca says:

      Obrigado e retribuo o abraço.
      Não serei o mais indicado para falar de mim próprio, mas foi na vida e desde criança que a minha personalidade se forjou. Como todos os outros, com o que vi, vivi, fiz e me fizeram.
      A guerra na blogosfera é, a maioria das vezes, uma ‘passerelle’ de vaidades pseudo-intelectuais.
      Um reiterado abraço


  2. deixemos de tretas, a pobreza infantil não aparece com este governo. Há décadas… diria que desde sempre que as crianças são menosprezadas pelas politicas do país.
    A pobreza em portugal atinge particularmente as crianças desde que me lembro. O problema é tanto deste governo como dos anteriores.
    Não sei como é agora o RIS, mas ainda há poucos anos vi a formula e a prestação prevista para um menor era metade da prevista para um adulto. E um menor gasta mais roupa que um adulto (está a crescer) e em muitos casos até come mais.
    Não é de hoje o desprezo que a politica vota às crianças. Nem de ontem.

    • adelinoferreira says:

      oh xys! e depois? o seu comentário é muito
      inteligente.

      • Carlos Fonseca says:

        Caro Adelino,
        Com certa gente nem vale a pena perder tempo.
        As crianças são imunes ao desemprego dos pais que, com este governo, está a agravar-se de forma intensíssima.
        Também nunca leu os estudos da UNICEF, para se aperceber da evolução da pobreza infantil com este governo. Enfim, trocar opiniões com gente deste género é perder tempo.


        • ó cavalgadura, nascias mais tarde e já vinhas com albarda nas costas.
          Se estamos em crise que queria que acontecesse?
          Podia existir mais proteção à infancia, pois podia, eu até acho que devia existir.
          Mas a solução não é transformar o pais numa replica dos antigos paises comunistas, que é o resultado das imbecilidades que por aqui defendem. Essas praticas é que nos levaram aonde estamos hoje, pedaço de asno mal acabado.


          • blá, blá, blá. Olha a bruxa que morreu no outro dia diz que te ama muito e está à tua espera. Vê lá não demores, antes que o chá arrefeça.


        • E já agora ao ser doador para a unicef apenas uma pequena parte dos donativos chega às pessoas necessitadas, a unicef gasta a grande maioria do dinheiro que recebe com os seus funcionarios e a sua burrocracia.
          Quem andou por lá (africa) sabe disso.


          • e eu até apoiei a ideia de que o estado devia defender, proteger mais as crianças… mas nunca o fez. A situação de hoje decorre de uma situação de sempre. A politica não mudou, os apoios estatais à infancia são praticamente os mesmos… sempre foram muito fracos em Portugal e continuam a sê-lo.
            Mas o que fez especie a estes montinhos de esterco mal formados, é que eu não culpei este governo, culpei todos… e isto mostra as verdadeiras intenções destes refinadissimos hipocritas, eles estão-se a cagar para as crianças, a verdadeira luta deles não é defender as crianças, mas sim uma luta politico-partidária contra este governo… as crianças são instrumentalizadas por estes montes de merda nessa luta partidaria.
            Cambadas de refinados hipocritas, esta esquerda caviar merece-me o maior dos desprezos.

  3. Paulo Sarnada says:

    Sr. Carlos Fonseca,
    Agradeço o seu texto, por várias razões, mas sobretudo porque escreve sobre crianças e sobre os efeitos nefastos da pobreza na sua vida futura.
    Também porque a forma como escreve sente-se que bem de dentro do seu íntimo-genuíno que “fala”.
    Porque mencionou o Huambo, uma terra que apenas conheço de relatos e experiências de outros.
    Muitos portugueses e angolanos dedicaram e dedicam, HOJE, as suas vidas às crianças s e jovens de Portugal e Angola.
    Claro quando os recursos materiais e sobretudo os “recursos mentais” escasseiam, as crianças e os velhos são os mais atingidos.
    Deixo-lhe respeitosamente, uma ligação para um blog de uma escola angolana no Sul, da qual o patrono é alguém que se dedicou às pessoas, sobretudo crianças e jovens.
    É uma forma de respeitar a sua memória e fazer-nos reflectir, como o seu texto.

    http://institutopadremartins.blogspot.pt/

    Um bem-haja.

    • Carlos Fonseca says:

      Grato.
      Para bem dos que lá vivem e, no fundo, de todos os angolanos, o Huambo de hoje nada deve tem a a ver com o Huambo de 1992. Mas o que vi, de criança abandonadas, sem família e muitas delas, sem saber, à espera da morte impressionou-me muito. Vou adicionar o endereço aos ‘favoritos’.
      Uma especial saudação.

  4. Paulo Sarnada says:

    ressalvo “vem de dentro”