Lei de limitação democrática

Isto de serem os tribunais a decidir quem pode ou não candidatar-se tem muito que se lhe diga. Sou frontalmente contra a lei que limita os cidadãos de concorrerem a autarquias por terem desempenhado três mandatos como presidentes. Isto não só é anti-democrático como é de uma ingenuidade quase enternecedora, se não fosse tão grave. À boleia dos justiceiros da “Revolução Branca” – e do seu mentor, em tempos mandatário de um candidato há três décadas no poder, Narciso Miranda – PS e BE vão procurando fazer o papel de cândidos da legalidade. Ora, se a esquerda do PS espera pouco, ainda há quem à esquerda espere mais do BE.Indo por partes: a lei é tão ingénua que acha que só os presidentes podem criar redes de interesses por serem presidentes. É a prova de um desconhecimento profundo de quem elaborou a lei e de quem a aprovou e basta pegar no exemplo aqui da terra, Matosinhos. Narciso Miranda deixou a Câmara Municipal para uma breve passagem pelos gabinetes ministeriais em Lisboa, deixando Manuel Seabra no seu lugar. Depois dos trágicos acontecimentos da lota de Matosinhos, e quando Seabra e Narciso não puderam candidatar-se pelo PS, o ex-presidente mandou avançar o seu homem de mão, o actual presidente Guilherme Pinto. A ideia era clara: Guilherme Pinto ficaria um mandato e Narciso voltaria depois. Só que o poder acabou por deslumbrar Guilherme Pinto e este, em 2009, quis continuar e voltou a candidatar-se pelo PS. Narciso teve então de candidatar-se como “independente” e perdeu. Agora, é Guilherme o candidato “independente” e António Parada o oficial do PS.

Serve isto para demonstrar que não são só os presidentes que, eventualmente, criam redes de interesses. Se as coisas tivessem corrido como planeado, Narciso Miranda teria regressado ao poder, caso fosse eleito, e, com a interrupção de quatro anos, seria, supostamente, um autarca limpo. Mesmo tendo uma marioneta sua a ocupar a sua cadeira.

O mesmo sucede, por exemplo, como Guilherme Aguiar. Foi vereador em Gaia desde 2005, administrador de uma Empresa Municipal, concorreu depois pelo PSD a Matosinhos – no PSD cá da terra qualquer um serve para se candidatar – e foi eleito vereador. Continuou a notável obra que tinha começado em Gaia: a construção de relvados sintéticos, intervalada com o tédio de ter de estar nas Assembleias Municipais. Agora candidata-se a Gaia e, se o povo assim quiser, poderá ser, no mínimo, vereador. E a teia de interesses continuará.

Estamos conversados sobre a ingenuidade da lei.

Preocupa-me mais o lado democrático da coisa – ou a falta dele. A ingerência de agentes externos aos partidos na escolha de quem pode ou não candidatar-se ao que quer que seja. Mesmo que sobre eles não paire qualquer suspeita ou prova de que, no desempenho do cargo, lesaram os contribuintes. Em democracia, os partidos e restantes movimentos de cidadãos – sim, que os partidos não são movimentos de extraterrestres, embora alguns o pareçam – têm de ter o direito a escolher quem querem que defenda o seu projecto. Esta lei limita essa possibilidade e é uma ingerência nas escolhas internas de cada partido ou movimento. Depois, cabe ao povo escolher o que quer. Bem, para alguns, ou mal, para outros.

Ver o PS defender esta lei não é de estranhar. À esquerda, pouca esquerda se espera do PS. Mas vamos ao Bloco e, se quiserem comentar, podem evitar os comentários estilo Calimero e as acusações de sectarismo, que teimam em sacudir para outros telhados. Sejamos objectivos e sérios: o BE não tem qualquer implantação autárquica, falta-lhe militância de base e, acima de tudo, um projecto. As notícias que lemos diariamente sobre o Bloco relativas às Autárquicas deste ano estão apenas relacionadas com as impugnações a listas de outros candidatos. E isto é um sintoma da falta de proximidade do BE em relação ao poder mais próximo dos cidadãos, o local, onde as intervenções do BE são, genericamente, as intervenções que faz a nível nacional.

Também é verdade que os exemplos passados não favorecem muito o BE, do Zé que fazia falta em Lisboa até Salvaterra de Magos.

Este Bloco, que considera estar na vanguarda da transparência democrática, é o mesmo que concorre dissimulado pelo menos em Braga e em Coimbra, onde ofereceu 6.000 e 4.000 euros, respectivamente, para as campanhas de “cidadania” em movimento. Esta batota vem de um partido político que acha que não é um partido político, contribuindo para as generalizações abusivas, como se pudesse colocar-se à margem do que é o sistema político, sendo parte integrante dele.

Parece-me que, ao fim destes anos todos, está na altura de o Bloco perceber que já não é um partido de miúdos. Pode ter atitudes dignas de tal, mas é um partido como outros, mesmo utilizando as @ e os X par@ xcrever. Assumam-se como tal, preocupem-se com vossa democracia interna e deixem a dos outros. O momento é demasiado sério e grave para estas brincadeiras. O adversário é a direita, é ela que tem de ser penalizada nestas eleições. Quem quer palco vai para o teatro.

Comments

  1. Por essa lógica também seria anti-democrática a limitação dos mandatos do Presidente da República, por exemplo…

  2. Ricardo M Santos says:

    Não, não seria. As candidaturas à presidência da república são unipessoais, não estão dependentes da vontade de um colectivo de cidadãos.

  3. nightwishpt says:

    Por essa ordem de ideias, tá tudo bem então, o Isaltino que fique na câmara de Oeiras e o Alberto João na Madeira porque é o que o povo quer.
    Os políticos são como a roupa interior, têm que ser trocados regularmente e pelas mesmas razões. Não chega limitar aos presidentes de Câmera? Pois não, tem que ser a todos os cargos políticos e nomeados por períodos nunca inferiores a 10 anos. A ver se vão trabalhar, os preguiçosos.
    “O momento é demasiado sério e grave para estas brincadeiras. O adversário é a direita, é ela que tem de ser penalizada nestas eleições. ”
    Mais uma razão para nunca votar PS. Comparar 6000€ para uma campanha com o que faz a troika nas autarquias para ganhar eleições é patético.

    • Ricardo M Santos says:

      Portanto, a sugestão não é lutar pela informação do povo, denunciar tudo o que são comprdios e irregularidades. Não. É administrativamente retirar-lhs o direito de votar em quem querem. Percebi. Não concordo.

    • Ricardo M Santos says:

      essa comparação só está na tua cabeça. E faz eco. eco. eco.

  4. Mas a que baixesa tudo chegou

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  1. […] argumentar com a soberania do voto; fraquinho, tanto mais que a valer contaria também para as eleições presidenciais. Com as […]

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