Quando fiz o meu teste de admissão no que viria a ser a RUC, e então se chamava Centro Experimental de Rádio, já por ali andava a colaborar com textos há mais de um ano. Achei que não valia a pena demonstrar que sabia ler e escrever, e decidi concentrar-mo no que me pareceu ser uma boa ideia para um curto programa (tínhamos uns 15 minutos para gravar).
Agarrei n’ O Humor em Quotidiano Negro, e com o ar mais sério do mundo adaptei alguns textos ao formato noticiário alargado com alguma música. Para quem não está a ver, as notícias eram como esta:
A população de Bogotá está a aumentar, e o número de mortos cresce em proporção. Já não há espaço nos cemitérios para enterrar mais gente.
Um engenheiro teve uma ideia: enterrar os mortos de pé. E justificou “Cabem muito mais cadáveres e é mais higiénico.”
A Câmara Municipal de Bogotá está entusiasmada, pondo reservas apenas a que o processo seja mais higiénico. Disse um funcionário: “É um arroubo lírico do engenheiro.”
A coisa correu bem, o problema foi depois de publicada a votação do júri, quando expliquei a um dos seus membros que me elogiava a criatividade da escrita:
– Não são meus, pá. São do Herberto Helder.
– Quem é esse gajo?
Não cheguei a ser desclassificado, mas hoje já ouvi a versão “Ah, morreu o pai do Daniel Oliveira” e poderia acrescentar que no meio docente reina alguma preocupação entre os profes de Português, menos dados à poesia sem riminhas, que não sendo todos são bastantes, agora que o homem morreu ainda os obrigam a dar mais uns textos que nunca perceberam, a falta que faz um decassílabo.
eu espero pela minha herança, lembrei-me dela neste dia triste.
Amigo, fui prof. de Português durante uns anos, já na fase descendente da minha vida profissional, um daqueles prof. de antigamente. E confesso que conhecia mal o Herberto Helder. Também não somos obrigados a conhecer todos e todos igualmente bem. E cada um tem as suas preferências, para além dos poetas ditos «obrigatórios», os dos programas. Gosto de poesia com rima e sem rima. A essência da poesia não se encontra, como muito bem sabe, inteiramente na rima. Gosto do decassílabo de Camões (já o mesmo não acontece com o priimeiro magistrado da nação, o tal do «falar oralmente») e já vi escrito por alguém, referindo-se a HH, que «morreu o maior poeta português depois de Luís de Camões». Para mim, não, longe, bem longe disso…com rima ou sem rima!