Ensinar ou preparar para os exames?

João Costa é secretário de Estado da Educação desde 26 de Novembro de 2015. Está, portanto, prestes a perfazer uma legislatura.

A equipa de que faz parte acabou com os exames nacionais de quarto e de sexto ano, inventando umas provas de aferição inúteis no quinto e no oitavo. Os argumentos para acabar com os primeiros foram tão profundos como os de Nuno Crato para os manter ou impor; as razões para justificar a criação das provas de aferição são igualmente inexistentes.

João Costa, aliás, como muitos que passaram pelo Ministério da Educação, tem funções tão decorativas que acaba por se dedicar a inutilidades folclóricas. Sendo o ideólogo de serviço, limitou-se a impor ideias vagas acerca da flexibilidade e da inclusão, o ai-jesus de muitas sessões de formação, a fazer lembrar o entusiasmo dos pregadores e pastores de seitas religiosas.

Recentemente, João Costa declarou que “as escolas devem preocupar-se em ensinar em vez de se inquietarem com a preparação dos alunos para os exames nacionais, argumentando que desta forma os estudantes terão melhores resultados académicos.”

Em primeiro lugar, os exames existem e têm uma importância enorme no percurso que leva os alunos a entrar no Ensino Superior. Se um professor se preocupar com os alunos, deve, portanto, preocupar-se com a preparação para o exame, o que não é incompatível, imagine-se!, com ensinar.

A equipa ministerial de que João Costa faz parte não fez alterações no sistema de acesso à Universidade, mantendo, portanto, o peso dos exames nesse mesmo sistema, mas critica as escolas por se preocuparem com um instrumento que continua a ser utilizado.

Com a leviandade de sempre, realçando a sua qualidade de “académico”, defendeu, ainda, que os “os exames nacionais deveriam ser completamente diferentes de um ano para o outro”. Que se saiba, João Costa não é especialista em docimologia, o que aproxima este seu parecer da opinião de um treinador de bancada.

Dificilmente haverá quem negue as virtudes ideais da inclusão, da flexibilidade ou do exercício do espírito crítico sobre a cidadania. Muitos sabem que o excessivo peso dos exames é fonte de perversões. No entanto, a resolução de problemas não pode depender de deslumbrados que ocupam transitoriamente as cadeiras do poder, impondo umas modas e revogando outras.

No entanto, o que me causa um profundo desgosto é o entusiasmo ou o conformismo com que demasiados professores aderem a mais e mais invenções dos falsos profetas. Ingenuidade? Complexo de inferioridade? Colagem ao(s) poder(es)? Talvez um bocadinho de tudo, que redunda em perdas de tempo e de dignidade.

Comments

  1. Fernando Manuel Rodrigues says:

    “No entanto, o que me causa um profundo desgosto é o entusiasmo ou o conformismo com que demasiados professores aderem a mais e mais invenções dos falsos profetas. Ingenuidade? Complexo de inferioridade? Colagem ao(s) poder(es)? Talvez um bocadinho de tudo, que redunda em perdas de tempo e de dignidade.”

    Pois é, Nabais. É exactamente aí que reside o problema. Os professores deveriam, antes de mais, encetar e travar uma luta pela sua autonomia, enquanto pedagogos, desfazendo de uma vez a autoridade de um Ministério POLÍTICO sobrte questões EDUCACIONAIS. E acabar de uma vez com as aberrações curriculares que têm vindo a ser impostas politicamente, extirpando da escola o que lá não deve estar, e devolvendo à escola ´que é dela.

    Por fim, os professores deveriam lutar para que lhes seja devolvida a dignidade profissional, e os mecanismos para impor a sua autoridade, por forma a que situações como as que vieram a lume recentemente (a última foi ainda há uns três ou quatro dias) sejam exemplarmentre punidas, com justiça sumária, e não se percam nos meandros dos “piedosos” discursos politicamente correctos sobre a desigualdade e as questões sociais. A justiça é cega por alguma razão.

    Quando a classe dos professores lutar por essas causas, em vez de apenas se erguer por causa do vil metal, engolindo tudo o resto de forma servil e aceitando as humilhações sem se erguer revoltada, não poderá merecer qualquer respeito.

    Quanto aos exames, enquanto o acesso às universidades se fizer através de exames (ou tendo exames com um peso enorme no acesso) concordo que acabar com exames intermédios é não só hipócrita como irresponsável, e o discurso a incitar os professores a não se preocuparem com os exames é mera retórica política que não pode nem deve ser levada a sério. Mais – o dito responsável deveria ser desde logo colocado no seu lugar, publicamente e com estrondo. Pessoalmente, estou farto de demagogos, especialmente no campo da educação.

    • António Fernando Nabais says:

      Os professores têm obrigação de lutar também por estas e outras causas. As questões laborais, no entanto, não são menores. Os professores não devem, portanto, abandonar a questão dos salários e do tempo de serviço; devem acrescentar o que lhes falta. De qualquer modo, não é fácil, porque as agressões às escolas, ao ensino e aos professores são muitas e frequentes.


  2. A “inquietação” com a preparação para os exames é, e sempre foi, enorme.
    Ao fim de quase 42 anos a ensinar e a aprender e a observar toda esta questão dos exames nacionais de acesso ao superior, fui mudando a minha opinião.
    Professores a pedirem a outros que lhes disponibilizem horas, resmas e resmas de exames nacionais para treino nas aulas e calendário exaustivo após final de aulas para mais umas aulas de preparação para exames, 15 dias antes…
    Chegados a este ponto, tudo isto me parece ridículo.

    • António Fernando Nabais says:

      Enquanto não se pensar sobre o sistema de acesso ao Superior, essas perversões que descreve são mais prováveis. Sou tendencialmente contra a existência de Exames, mas defendo que a sua extinção ou a sua imposição devem resultar de uma reflexão séria e participada e não podem estar sujeitas a iluminados que vão alternando nas cadeiras do poder.