Fífia

Como toda a gente sabe, Vladimir Putin só passou a ser uma pessoa em quem não confiar, um déspota, um neo-fascista e persona non grata há três dias, depois de invadir a Ucrânia. Antes, eram só mares de rosas, Putin deveria ser um anjo caído, um deus na Terra, o artífice que consertava todos os males. Só assim se explica o contorcionismo a que os senhores do capital se sujeitam por causa… do capital.

Quando a Federação Russa enche a FIFA e a UEFA de rublos cambiados em euros, quando a Gazprom enche o esfíncter dos marmanjos dos sorrisos amarelos ou quando os oligarcas capachos do líder russo mexem cordelinhos junto das grandes instâncias mundiais (FIFA e UEFA, como dizia o que abusava das secretárias, estão todas lá dentro… o resto já sabem), prevendo-se a situação win-win para ambas as partes, não os vejo preocupados com o perigo que vem de Leste. Nós, pessoas “normais”, cidadãos comuns, há muito sabemos do que é feito Putin, há muito estamos avisados para o seu calculismo, há muito sabemos que quer construir, de novo, a Rússia imperial czarista, há muito sabemos da sua simpatia pelo nacionalismo, da sua antipatia pelos valores democráticos, do seu ódio ao Estado de Direito. Há muito sabemos que famílias políticas europeias são financiadas por Putin. Nós, pessoas comuns. E a FIFA? Não o sabia? Duvido. Duvido muito. Aliás, não duvido: tenho a certeza – a FIFA sempre o soube.

Agora, qual zeladora dos interesses do mundo pacifista, vem a FIFA informar, cinicamente, que a “selecção da Rússia vai continuar a jogar, mas com algumas restrições”. A sério? “Algumas restrições”? Coitados. Isto é o equivalente a um homem que matou a esposa à pancada, mas que vai poder continuar a bater com algumas restrições. Entre as restrições constam: não pode usar moca de pregos, armas de fogo estão estritamente proibidas, facões e outras lâminas só em legítima defesa. E por legítima defesa, entenda-se, quer dizer a FIFA: “na eventualidade da esposa se recusar a lavar a loiça”.

E estamos nisto. Nos jogos de sombras típicos destes eventos históricos, há sempre a megalomania que os donos disto tudo têm, de fingir que estão do lado certo da História. Não estão. E não enganam ninguém.

Fotografia: AFP/Getty

Comments

  1. esteves aires says:

    O que a classe operária tem de condenar e denunciar é a crueldade desses tigres de papel, quer os que dominam o actual governo já em cobarde fuga para fora do país, quer os que, armados em libertadores, se preparam para dominar o futuro governo burguês, e o que tem de recusar é dar suor e sangue aos seus logros e brutalidades.
    Nenhum apoio aos EUA, nenhum apoio à UE, nenhum apoio à Rússia, nenhum apoio à burguesia ucraniana!
    Todo o apoio à luta da classe operária dos povos da Ucrânia!

  2. Paulo Marques says:

    Por um lado, os jogadores não têm (acho eu), culpa nenhuma (terão muitos de outras coisas…). Por outro, as selecções de futebol sempre foram um símbolo de nacionalismo, cada vez mais com lucro para milionários e pouco desporto, pelo que não perdia sono com isso.