Sergei Lavrov meets George Orwell

As negociações que decorreram ontem na Turquia, já se sabia, não passariam de uma mera formalidade, para europeu ver. Lavrov exigiu a capitulação total e incondicional da Ucrânia, Kuleba recusou a solução proposta, por não pretender entregar de mão beijada a sua soberania, que a trôpega Blitzkrieg de Putin não conseguiu açambarcar com a mesma facilidade com que ocupou a Crimeia.

Segue tudo como dantes, quartel general em Abrantes, mas a propaganda, essa, que há muito atingiu proporções orwellianas, conheceu ontem um novo e delirante episódio. No rescaldo do encontro, e sem se rir, Sergei Lavrov afirmou que a Federação não planeia atacar nenhum país, garantindo, inclusive, que não atacou a Ucrânia. Os prédios em ruínas, as cidades arrasadas e o ataque repugnante contra a maternidade de Mariupol foram, seguramente, encenados em Hollywood. E eu ia jurar que vi a Khaleesi, em modo Mad Queen, a derreter o sul da Ucrânia montada no Drogon. E toda a gente sabe que os Targaryen andam a soldo da NATO.

Há dias li uma peça no Expresso, que dava conta de um episódio insólito vivido por uma jovem russa a residir em Kharkiv. Contava Oleksandra que, quando ganhou coragem para contar aos pais a situação dramática em que se encontrava, barricada na casa de banho com os seus cães, que a mãe, a residir na Federação, lhe terá dito que o exército russo nunca teria como alvo a população civil e que eram os militares ucranianos quem estava a matar o seu próprio povo. À propaganda junta-se a censura galopante, com a proibição de palavras como “invasão” e “guerra”, e o fecho de órgãos de comunicação social não alinhados com o Kremlin, bem como repressão de manifestações e ordem de prisão, até 15 anos, para quem destoe, em público, da narrativa oficial. Parafraseando Orwell, sempre actual, “guerra é paz, liberdade é escravidão, ignorância é força”. E sim, isto foi sempre assim. Mas Putin sabia o nosso preço certo em rublos, e nós fizemos o que sempre fazemos: aceitamos o dinheiro e fechamos os olhos.

Comments

  1. JgMenos says:

    Orwell também por cá anda em doses massivas de novilíngua, vulgo corretês.

    • POIS! says:

      Pois, mas já não é de agora!

      A novilíngua já era muito utilizada na era salazaresca. Aquela da “pátria multirracial e pluricontinental”…

      E já para não falar daquela da “na guerra para conquistar a paz”.

      Cá p’ra mim foi o Hayek, que era um novilinguista militante, que as mandou ao Oliveira da Cerejeira naquelas cartinhas de amor que lhe escreveu.

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