O Harrison Ford sabia-a toda

David Letterman: How do things seem to be 40 years from now?

Harrison Ford: It’s no musical comedy, David.

(Nova Iorque, 22 de Junho de 1982)

 

As fragilidades do SNS e outras áreas menos frágeis do sector público

Faltam médicos, enfermeiros e técnicos auxiliares em praticamente todas as unidades de saúde do SNS. Não há dinheiro para mais contratações, alega o governo, mas depois vão contratar tarefeiros pelo triplo ou pelo quádruplo do valor pago aos profissionais com vínculo contratual. E depois queixam-se que os portugueses não acreditam na gestão pública. Pudera…

Num outro Portugal, numa galáxia far far away, vive-se uma realidade totalmente diferente, das autarquias ao Parlamento, onde não falta nem nunca faltou um euro que fosse para contratar assessores, adjuntos, chefes disto e daquilo e mais uns quantos profissionais do tacho político-partidário. Uma casta sobretudo proveniente do Largo do Rato e da São Caetano à Lapa, mas que vai hoje muito para lá do centrão das negociatas e dos escândalos de corrupção, fraudes variadas e tráfico de influências.

[Read more…]

É ou não é: gozar connosco?

Ligo a televisão na RTP e, sentados a uma mesa, num painel sobre o mundo laboral em Portugal, estão Carlos Oliveira, director executivo da Fundação José Neves, ligada à Farfetch (que tem estado nas parangonas por denúncias de abusos e assédios laborais e sexuais dentro da empresa), Estela Barbot, cujo apelido explica de onde vem e é presença assídua, desde 2019, no Bilderberg e, por último, Vieira da Silva, profícuo (só que não) antigo ministro do Trabalho e da Solidariedade Social, antigo ministro da Economia, Inovação e Desenvolvimento e antigo ministro do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social.

Durante os cerca de dez minutos em que me mantive ligado, ouvi “menos Estado”, “baixar os impostos” e “privatizar”. Bastou-me para perceber qual a intenção do programa, como se o painel presente não tivesse sido, já, escolhido a dedo. Um pau-mandado do CEO da Farfetch, uma Barbot Bilderberg confidente de alguns chernes e um fracassado ex-ministro dos governos que mais liberalizaram a economia em Portugal. Para falar do mundo laboral, dois neo-liberais de berço e um neo-liberal adoptado por vias terceiras. Um espectáculo!

Depois de quase 3 décadas de privatizações em que o Estado rompeu com as suas responsabilidades e de borlas fiscais às empresas do PSI-20 que operam no país (as mesmas que distribuem milhões por accionistas, mas que colocam o dinheiro na Holanda), estas almas iluminadas de presunção acham que a melhor estratégia é fazer com que todos os portugueses comam ainda mais gelados com a testa. E, como se não bastasse, ainda conseguem dizer tudo isto sem se rirem, com uma lata descomunal de quem viveu, sempre, com o cu virado para o sistema solar inteiro.

O programa chama-se “É ou Não É?” e eu digo já que é. É, de facto, de uma falta de noção risível pôr os lobbies privados a render no canal público. Eu rio… e desligo a televisão.