O Diário do Professor Arnaldo – Começaram as pressões

Louvo a paciência dos autores deste blogue, que continuam a aturar-me mesmo quando passo anos sem dar notícias.
Pois é, ainda cá estou. Mais ou menos no mesmo sítio, mais ou menos a centenas de quilómetros. Dá para ir a casa uma vez por mês – também não é preciso mais, não está lá ninguém para me receber.
Calei-me durante anos porque o ex-director da minha escola era um facínora. Alguém lhe segredou que tinha sido eu a denunciar as fomes que medravam pela escola – não era culpa dele, mas tomou-se de dores. Muitos dos socratistas eram assim, piores do que o próprio Sócrates.
Felizmente, nova Escola, novo Agrupamento, nova Directora e novos alunos. Mas professores são professores e há coisas que nunca mudam!
Ontem, fui pressionado pela Directora de Turma por causa das notas que dei aos alunos dela – os alunos dela, os meus meninos.
Que dei muitas negativas, diz a coisinha. Que assim não pode ser. Que os pais começaram a reclamar.
Fiquei a olhar para ela. Sempre ouvi dizer, nos últimos dois anos, que é um bocado vaquita para os colegas, mas não esperava que viesse confrontar-me logo em Novembro. A propósito do primeiro teste que os alunos fizeram neste ano.
– «Ora, adoro aqueles miúdos, portam-se muito bem nas aulas, mas se tiveram negativa foi porque não estudaram. Queres que estude por eles?»
E acrescentei:
– «Não te preocupes, no fim do ano passam todos! Tu encarregas-te disso.»
Ficou ofendido, o estafermo. Que isto, que aquilo, que eu não tinha direito.
Se estivesse mal disposto, tinha-lhe dito que o caralho é que não tinha direito. Virei costas e fui almoçar, como sempre, ao sr. Costa. Sopa, pão, prato de peixe ou carne, 1/2 litro de vinho, sobremesa e café, tudo por 5 euros. Valia a pena responder à avantesma, logo hoje que era arroz de pato?
A directora de turma, disfarçada de guarda pretoriana dos papás, é que teve sorte. Dormiu descansada, porque pôs na ordem um professor que teve o desplante de dar más notas aos seus alunos e que, da próxima vez, certamente pensará duas vezes.
Como é que ele se atreveu?

Regresso ao trabalho

Aliviado por ter a vida resolvida antes das férias, lá fui passar uma semanita no Oeste em casa de uns amigos da minha irmã.
E que amigos! A dona da casa, a Joana, vive lá com o marido, a filha de 18 anos e a namorada. Namorada da Joana, entenda-se, para grande desgosto do corno manso do marido. Partilham a casa com outro casal – ele é bissexual e ela anda em chats de engate. No meio daquilo tudo, só conseguia pensar para mim próprio: e eu a pensar que era progressista e avançado em matéria de costumes!
Gente marada mas muita simpática – as férias passaram num voar.

Já voltei ao trabalho no meu agora  mega-agrupamento do litoral. Litoral porque não fica bem no interior, mas não tenho vistas para o mar, tenho é vistas para os transportes público  (como sabem, não tenho carro e as várias escolas do Agrupamento ficam longe umas das outras).

Vai ser bonito! Só estou à espera do horário para ver quanto tempo tenho para correr de uma escola para a outra, mesmo que não saiba como é que vou correr. Se calhar vou ter de usar o Subsídio de Natal para tirar a carta e dar entrada para um carrito…
Mas espera! Não vou ter subsídio este ano! Sendo assim, resta-me esperar que o Director se lembre que entre a Secundária (casa fina, gente rica é outra coisa, e lá me deram duas turmas, 4 horas por semana) , a EB 23 que até fica perto (mais 3 turmas) e a outra EB23 dos súburbios (para 11 turmas faltavam 4), não tenha de apanhar muitas vezes o táxi e consiga usar os autocarros.

O Professor Arnaldo vai leccionar Educação Sexual

Lamentavelmente, no último Conselho de Turma fui o escolhido para leccionar as 12 horas de Educação Sexual a que todas as turmas têm direito em cada ano lectivo. Quase sempre, o Director de Turma é o escolhido, porque tem uma relação mais próxima com os alunos, mas neste caso fui eu. A velhota fugia do assunto como o Diabo da Cruz e os outros elementos do Conselho de Turma também.
Para além de ficar sem 12 horas para a minha disciplina, o que é trágico no 7.º ano, verdadeiramente dramático é mesmo o facto de eu ter de falar de Educação Sexual com crianças de 12 anos. Meu Deus, eu não estou preparado para aquilo! Eu não tenho à vontade com eles para falar dessas coisas. Eu nunca falei de Educação Sexual com ninguém ao longo da minha vida. Eu não sou casado nem tenho filhos. Nem sequer tenho qualquer actividade sexual, a não ser aquela que mantenho diariamente comigo próprio e com os meus 5 amigos.
Eu não percebo nada de Educação Sexual. Só de hardcore 1.º Escalão. As pessoas normais pensam em Júlio Machado Vaz quando pensam em Educação Sexual, eu penso em Rocco Siffredi. As pessoas normais pensam em Marta Crawford quando pensam em Educação Sexual, eu penso em Linda Lovelace e, mais recentemente, em Gina Lynn.
A culpa é do meu pai. A única vez de que me falou em sexo, na vida, foi para me dizer que a masturbação provocava cancro e que eu não devia fazê-lo.
O problema é que agora vou ter de falar do assunto como professor, como um adulto fala com uma criança e como se percebesse muito do assunto. E tem a grande lata, o Secretário de Estado, de dizer que todos os professores foram formados e estão preparados para leccionar Educação Sexual. Formado, eu? Só se for em acariciar o golfinho.

O Diário do Professor Arnaldo: 9 de Novembro

Aluno 1:
– Setor, a composição tem de ter mesmo 10 linhas?

Professor:
– É o que diz aí, não é? Mínimo 10 linhas.

Aluno 2:
– Ó setor, eu fiz 11 linhas. Pode ser, não pode?

Será de mim ou este tipo de perguntas, que os putos fazem constantemente, é completamente insuportável? Tenho cada vez menos paciência para esse tipo de perguntas, cada vez menos. Apetece-me insultá-los.

O Diário do Professor Arnaldo: 4 de Novembro – Os cromos

Não, não vou chamar cromos aos alunos. Apesar de o serem.
Vou apenas referir-me ao principal divertimento dos putos por estes dias. Pegam em cromos virados ao contrário e batem-lhes com uma palmada, tentando fazer com que fique visível a parte da frente. Depois, parece que os colam em cadernetas, não sabendo poruqe razão têm de lhes dar uma palmada primeiro. No meu tempo, era mais simples. Colávamos na caderneta e pronto, estava despachado.
É algo de profundamente irritante. Entro na escola, estão eles espalhados pela entrada a dar palmadas nos cromos. Vou a passar pela sala de convívio, só ouço «pum», «pum», que é o barulho deles a baterem-lhes. Vou a entrar na sala de aula, lá estão eles sentados no chão a fazer o mesmo. Até dentro da aula, se os deixassem, eles jogavam com os cromos. Aliás, chegaram a fazê-lo numa aula de substituição. Claro, tive de os apreender.
Pelos vistos, é este o principal divertimento das crianças de hoje em dia. Isto e a fornicação, claro.

O Diário do Professor Arnaldo (2 de Novembro)


Hoje fiquei boquiaberto. Numa turma de 7.º ano, uma aluna estava a enviar bilhetinhos, através de uma colega, para um rapaz. Não é uma aluna brilhante, mas geralmente porta-se bem e é muito educada.
Como é óbvio, interceptei o bilhetinho e fiquei com ele. Por mera curiosidade, abri para ver o que estava escrito. Fiquei tão espantado, tão sem palavras, que rapidamente o meti ao bolso. Devo ter corado, porque um dos putos da frente perguntou logo:
– O que diz, setor?
Mudei de assunto e tentei fingir que nada tinha acontecido. Reparem: era uma turma de 7.º ano e uma miúda de 12 anos, educada e bem comportada. E sai-me aquilo que nunca esperei ler. Antes de o entregar à Directora de Turma, tirei uma fotocópia.
Sinceramente, estou escandalizado. Nunca pensei que as coisas tivessem chegado a este ponto. Com crianças de 12 anos e numa terra de província. Felizmente, não tenho filhas…

Zé Carlos, professor contratado há 17 anos

Numa das minhas raras idas a casa, no último fim-de-semana, estive com o Zé Carlos. Um rapaz da província, como eu, que fez o Estágio Pedagógico em 1993 e desde então nunca conseguiu obter vínculo ao Ministério da Educação.
Passámos umas boas horas juntos na esplanada do Café Central. O Zé Carlos falou-me então da frustração que sente por, ano após ano, andar de escola em escola sem nunca saber como vai ser o seu futuro. Lembra-se como se fosse hoje da colocação extraordinária de todos os professores contratados com 5 anos de serviço que o Governo Guterres tinha decidido. O assunto ia ser aprovada no Conselho de Ministros, mas no Domingo anteriores Guterres demitiu-se e foi tudo por água abaixo.
Todos os anos, o Zé Carlos pede o subsídio de desemprego no dia 1 de Setembro e cancela-o poucos dias depois, logo que obtém uma vaga. Confiante, esperava ficar finalmente colocado, como professor dos Quadros, no concurso que o Ministério planeara para 2011.
Há 10 minutos atrás, o Zé Carlos telefonou-me a chorar. Ouvira na rádio que o Ministério, por razões orçamentais, decidira não fazer concurso em 2011. E ele, que todos os anos fica colocado logo no início de Setembro com horário completo, ficou desesperado. Afinal, se o Ministério precisa dele, porque não o colocam definitivamente? E se qualquer empresa é obrigada a efectivar um trabalhador ao fim de 3 anos, porque não faz o Estado o mesmo?
Frustrado, o Zé Carlos despediu-se de mim: Será que vou ter de esperar outros 17 anos?

O Diário do Professor Arnaldo (8 de Outubro)

Disseram-nos logo no início do ano que tínhamos de cumprir o programa em todas as turmas e que iam estar atentos.
Pois bem. Que estejam.
Reparei hoje que, numa das turmas em que o programa é mais extenso (7.º ano), vou estar 3 semanas seguidas sem aulas. Senão reparem: 24 de Novembro – Greve Geral; 1 de Dezembro – Feriado; 8 de Dezembro – Feriado; 15 de Dezembro – Último dia de aulas.
No fundo, para essa turma, as aulas do 1.º Período vão acabar no dia 17 de Novembro. Porque só os tenho uma vez por semana. Quando noutras escolas a mesma disciplina e o mesmo ano de escolaridade contempla 90 + 45 minutos por semana.
E depois querem que eu cumpra o programa…

O Diário do Professor Arnaldo (7 de Outubro)

Esta semana tem sido muito desgastante. Feriado municipal cá da terra na segunda-feira, feriado nacional na terça-feira, consulta médica com o meu pai na quarta-feira. O raio do velho está agora com as almorródias, como ele lhe chama, e ainda por cima só confia no médico de família. Que não percebe, claro, nada do assunto.
Para compensar, a semana acaba mal. Hoje senti-me verdadeiramente humilhado por causa das aulas de substituição. É que muitos professores, no momento em que eram chamados, nunca estavam. Ou tinham ido à casa de banho, ou estavam «convenientemente» noutra sala que não a dos Professores, ou diziam que estavam em serviço. Cheguei a ver um – que por acaso é um dos muitos padres que dão aulas nesta escola – escondido atrás de um daqueles placards com informação sindical. Ninguém o viu, a não ser eu, que já estava de olho, mas pôde dizer que estava na Sala de Professores. No ensino, a padralhada é do pior que existe.
Daí a fazerem o que nos fizeram é uma humilhação. A partir de hoje, logo que toca todos os professores em horário de substituição devem dirigir-se a uma sala própria em pleno pavilhão das aulas, ficando sentados num banquinho que aí puseram para esse efeito. Se forem necessários, dirigem-se à sala respectiva por ordem da funcionária – desculpem, assistente operacional. Se não forem, ficam ali sentados durante 45 minutos. De castigo, parece! A justificação é a de que um aluno pode ir para a rua com falta disciplinar e é preciso que o professor em substituição o acompanhe.
Vi hoje uma grande revolta de colegas que habitualmente são muito calmos. Sentados num banco, durante 45 minutos, num sítio onde todos os alunos nos podem ver? Não se faz, isto não se faz.

O Diário do Professor Arnaldo (29 de Setembro)

Hoje de manhã cheguei à sala e não havia giz para escrever no quadro. Dizem-me por aqui que estão a racionar porque há ordens do Ministério para cortar nesse tipo de despesas.
Olha que palhaçada! Se não há giz, como é que querem que eu escreva? Com a pila?

O Diário do Professor Arnaldo (27 de Setembro)

Hoje, uma aluna virou-se para mim e disse:
« – Setor, setor, tenho de ir já à casa de banho senão faço chichi pelas pernas abaixo. Deixe-me ir já.»
Como vinha de um intervalo de 20 minutos, não deixei.
« – Ó setor, vou mijar-me toda, ó, ó, vou fazer pelas pernas abaixo».
Toda a turma se riu. Eu fiquei a olhar para ela.
Outra aluna, depois de eu dizer uma piada relacionada com a matéria, disse:
« – LOL.»
LOL? Aquilo que significa «laughing out loud» em linguagem escrita? Agora LOL diz-se? Fiquei a olhar para ela.
Já na sexta-feira, foi uma turma inteira de 9.º ano que ficou a olhar para mim quando perguntei o que eram sindicatos e para que serviam.
« – Ah?»

O Diário do Professor Arnaldo (23 de Setembro)

Foi jeitosa, a aula que dei ontem. Numa turma de 25 alunos, só 2 é que tinham manual. Os outros ainda estão à espera que o SASE os entregue, porque quase todos têm subsídio. Para piorar a situação, o computador daquela sala não funcionava (não havia outra sala livre). 90 minutos a falar! Foi um espectáculo para mim e para eles.
As aulas de substituição já começaram. Como eu previa, a palhaçada do costume. Um colega pegou na canalhada e levou-a para o Parque de Jogos. Outro deixou os alunos fazer o que quisessem na sala desde que não fizessem barulho. Pudera! Um professor de Geografia a substituir um professor de Matemática que ainda nem sequer foi colocado, que mais há-de fazer? Tem sido um fartote. Ainda há 4 professores por colocar aqui na escola. Sinceramente, não entendo.
Tenho andado pouco atento à actualidade. Mas soube ontem pelo nosso colega José Jorge Cardoso que o primeiro-ministro usou a porta dos deficientes para entrar no Metro. Realmente, ele nunca me enganou: é mesmo deficiente.
Soube também que a Federação Portuguesa de Futebol acaba de contratar mais um seleccionador que fala português com pronúncia. Já é o segundo nos últimos anos.

O Diário do Professor Arnaldo (21 de Setembro)

Estou espantado. Na reunião de Departamento de ontem, estiveram 20 minutos – vinte! – a discutir se a aula de recepção aos alunos era numerada ou não no Livro de Ponto. Que devia ser numerada, porque num dia normal iríamos ter aula àquela hora. Que não devia, porque não foi aula mesmo mas apenas recepção aos alunos. Que eu estive na escola, e se não asinar e numerar dizem que não estive. E é nisso que os professores vão ocupando o seu tempo, em vez de o ocuparem no que realmente interessa – os alunos.
Entretanto, começam hoje as aulas de substituição. Uma palhaçada que vai dar muito material, como sempre, para o meu Diário.

O Diário do Professor Arnaldo (17 de Setembro)

Fim-de-semana finalmente!
Estes dias foram desgastantes, sobretudo a nível psicológico. É todos os anos assim.
A sexta-feira é um dia estúpido. Tenho uma aula de 90 minutos logo às 8.30 e depois só volto a picar o ponto às 19 horas. Desculpem-me a expressão, mas ando o resto do dia pela escola a «coçar os tomates».
Por azar, atrasei-me 2 minutos na aula da manhã e a funcionária (agora chamam-lhes assistentes operacionais) já não me deixou entrar. Disse que eu já tinha falta e que já tinha chamado um professor de substituição, embora ele ainda não estivesse na sala. Atrasei-me porque dormi muito mal de noite, a pensar nos vândalos que ia ter de enfrentar de manhã. Um deles (dos cursos EFA) chamou-me rinoceronte na aula de apresentação. Ainda pensei em pô-lo fora da sala, mas nos EFA os alunos são super-protegidos. Se o expulsasse, passados 5 minutos estava lá o Director a mandá-lo entrar outra vez. Assim, fingi que não ouvi.
Os nojentinhos da minha Direcção de Turma (ui, a comentadora Ana vai ficar ofendida!) já começaram a chatear-me. O coiso roubou-me o caderno, a coisa disse que eu tinha a pila pequena, o setor de Ciências chamou-me preguiçoso e o meu pai diz que vai falar com ele porque não lhe admite. Que putos insuportáveis, os do 7.º ano!

O Diário do Professor Arnaldo (15 de Setembro)

Ufa! Os dois primeiros dias de aulas já lá vão e, felizmente, já conheço todas as minhas turmas.
São dias dramáticos para mim. Como ando todos os anos de escola em escola, nunca conheço os alunos no ano seguinte. Nem os colegas, nem os funcionários, nem os hábitos de trabalho, nem as instalações. Nada. Tenho de me adaptar a tudo todos os anos.
Para além disso, sou muitíssimo tímido. Quando penso que vou ter de enfrentar 25 ou 30 ranhosos que não conheço de lado nenhum, e isto em 8 turmas (o que dá quase 200 ranhosos), só me dá vontade de fugir a sete pés. Dou aulas há vinte anos e, por mais que tente, não consigo habituar-me.
Para mim, são os piores dias do ano. É por isso que não escrevi nos últimos dias. Durante o fim-de-semana, não fui à terra e aproveitei para conhecer aqui a vilória. Na segunda-feira, como Director de Turma, tive de receber os meus alunos. Infelizmente, já tive de conhecer também alguns dos Encarregados de Educação. Cá para nós, alguns deles são gente da pior espécie – daqueles que acham que os filhos são sempre os maiores, que têm um comportamento exemplar e que nós, os professores, só mentem quando dizem mal deles. Curiosamente, os mais radicais são sempre professores. Acreditem!
Ontem e hoje, fiquei a conhecer todas as turmas. Já começou o meu velho problema: não me conseguir impor como devia desde o primeiro dia. Entro na aula com um bom espírito e não quero começar logo a berrar com eles e a mostrar-me demasiado autoritário, por isso acabo por sofrer sempre um bocado. Vou ver se na próxima aula ponho um ou dois na rua com falta disciplinar, a ver se eles atinam.
Amanhã já começo com matéria em várias turmas. Muitos deles já me avisaram: ainda não têm livros porque o SASE não os entregou. Gostava de saber como é que vou dar a aula. Não posso começar já a tirar fotocópias, poque este ano estão racionadas. Se gasto muitas agora, depois não chegam para fotocopiar os testes.

O Diário do Professor Arnaldo – 10 de Setembro

Terminaram ontem os primeiros Conselhos de Turma do ano. Devo confessar que acho algo extemporâneo estar a fazer Conselhos de Turma nesta altura, quando, muitas vezes, nem os Directores de Turma conhecem os respectivos alunos.
Seja como for, fiquei muito sensibilizado com uma colega do 7.º ano que dirige a turma pelo segundo ano consecutivo. A certa altura, quando falava de um menino que em criança foi abandonado pelo pai (toxicodependente) e pela mãe (prostituta) e que acabou por ser adoptado por uma família desconhecida, emocionou-se e começou a chorar copiosamente. É que, ao que parece, o miúdo é hoje um aluno fantástico e uma criança exemplar.
Finalmente, deram-nos os horários agora de manhã. Tive algum azar. Vou ter de ficar os fins-de-semana aqui na terra, porque tenho aulas até às 21 horas de 6ª feira (os CEF’s nocturnos) e começo na 2ª feira logo às 8.30 com um 9.º ano. A carreira não funciona ao fim-de-semana e à 6ª Feira a última camioneta é às 19 horas.
Sou o único professor da escola sem dia livre. Fico contente pelos meus colegas. Alguns são daqui da terra e têm dia livre à 2ª ou à 6ª Feira. Tiveram muita sorte, mas alguns nunca estão contentes. Um deles, que já tem uma certa idade, protestava porque à 6ª Feira vai ter dia livre e era obrigado a ir à escola na 5ª à tarde.

O Diário do Professor Arnaldo – 9 de Setembro

Devo começar por apresentar-me. Sou um beirão honesto (mas daqueles honestos mesmo) a leccionar há cerca de 20 anos. Apesar de já ser antiguito na profissão, ainda estou colocado a mais de 130 quilómetros de casa – por agora, omito o nome da Escola, dizendo apenas que fica no centro do país.
É a primeira vez que estou aqui e valha a verdade que não sei muito bem o que esperar. Dizem-me que os alunos são problemáticos e que este ano vai ser pior porque agora é mega-agrupamento. Aliás, vou ter de dar aulas na Secundária e na Básica cá da terra ao mesmo tempo.
Vai ser complicado, porque não tenho carro e, apesar de serem próximas, as duas Escolas estão separadas por um pequeno monte que torna o caminho bem agreste. Resta saber quanto tempo terei para me deslocar de um sítio para outro.
É que faltam três dias para começarem as aulas e ainda não tenho o meu horário. Só alguns privilegiados, os do costume, é que já puderam espreitá-lo. Dizem-me por aqui que o colega responsável pelos horários costuma fazer uns jeitos aos mais antigos… mas não acredito nisso.