O mês de Outubro começa lindamente

When perceiving speech, listeners need to first decode the auditory signal and transform this time-varying input into accurate phonemic representation (Cutler & Clifton, 1999).
— Jinghua Ou & Sam-Po Law (2017)

Keep me walking, October road.
James Taylor

Faz quatro anos em Outubro que aderi ao Movimento, disse o Homem. E por acaso, olha, como quase tudo o que me sucedeu na vida.
— António Lobo Antunes, Tratado das Paixões da Alma

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Hoje, ao ler estes dois belos nacos de prosa,

não pude deixar de me lembrar de José António Pinto Ribeiro, o ministro da Cultura que lamentava ainda não conseguir escrever fato em vez de facto:

“Ato jurídico” é fácil, agora “fato” em vez de “facto”…

Efectivamente, seguindo o princípio de Pinto Ribeiro, fruto de um deficiente conhecimento do instrumento sobre o qual frequentemente se pronunciou e relativamente ao qual tomou medidas políticas com consequências graves, mutatis mutandis, o redactor das pérolas de hoje no sítio do costume pensará que efetuar e eletrónico são fáceis, agora contatando e contatar em vez de contactando e contactar

Obviamente, depois de escritas estas linhas, não pude deixar de me lembrar do “agora facto é igual a fato (de roupa)“.

Desejo-vos um óptimo mês de Outubro.

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Crónica de algumas adopções anunciadas

ggm

Gabriel García Márquez, con un ejemplar de la primera edición de ‘Cien años de soledad’ sobre la cabeza. ©Colita (via El País) http://bit.ly/1iq0cqi

 A partir de entonces ya no era consciente de lo que escribía, ni a quién le escribía a ciencia cierta, pero siguió escribiendo sin cuartel durante diecisiete años.
Gabriel García MarquezCrónica de una muerte anunciada

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Os Tradutores Contra o Acordo Ortográfico indicam que o jornal Sol  se juntou “à lista dos que contribuem para o caos ortográfico”. Efectivamente, no dia 6 de Setembro de 2015, a notícia da Lusa acerca de Gabriel García Marquez, além de ter contagiado, por exemplo, o Correio da Manhã e o Observador, afectou o jornal Sol — isto é, dois dias depois da data anunciada: “A partir de 4 de Setembro, todos os textos respeitarão o Acordo”.

Hoje, o caos ortográfico continua no sítio do costume — contudo, além dos habituais ‘fatos’, temos outro problema grave e o problema tem um nome: chama-se Fernando [Read more…]

Sempre em contato

dahon hitchens

© Christian Witkin/VF (http://vnty.fr/1EdNq4s)

I try to deny myself any illusions or delusions, and I think that this perhaps entitles me to try and deny the same to others, at least as long as they refuse to keep their fantasies to themselves.

Christopher Hitchens

[W]hen the truth becomes inconvenient, the person takes a flight from facts.

Troy Campbell e Justin Friesen

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Efectivamente, com o Acordo Ortográfico de 1990, há quem fuja de factos e aproveite o embalo para evitar contactos e secções — e há quem julgue (e divulgue) que “as novas regras estão a ser aplicadas sem atropelos” e “sem problemas de maior“. Houve mesmo, in illo tempore, referências a matérias muito relevantes para a ortografia portuguesa europeia, como cortes de cabelo e barba.

No entanto, em suma, aquilo que actualmente temos é isto:

O candidato da coligação Mudança, Victor Freitas, esteve em contato com a população de Santa Cruz e do Caniço.

O candidato da coligação Mudança esteve hoje na freguesia de Santo António para contatar a população local.

O candidato da coligação Mudança esteve hoje no bairro da Ajuda para contatar a população local.

A coligação Mudança esteve hoje em Gaula contatando a população.

No âmbito das “Presidências Abertas” no concelho de Machico, o PS-M visitou hoje a freguesia do Porto da Cruz para contatar com a população.

contato

A ininteligível produção de *fatos políticos

galilei

“Retrato de Galileu Galilei”
Justus Sustermans (http://bit.ly/17Msan7)

Muito rapidamente, aproveitando alguns intervalos para cafés.

Fiquei ontem a saber, através do Público, que Rui Teixeira foi acusado de denegação de justiça, abuso de poder e coacção de funcionário.

Lembremo-nos daquilo que disse um dos principais responsáveis pela situação caótica actualmente vivida na ortografia portuguesa europeia:

Ninguém será abatido, preso ou punido se não aderir às novas normas”.

É verdade que José António Pinto Ribeiro nada disse nem acerca de eventual abate, prisão ou punição daqueles que não aceitarem ler e estudar documentos com as “novas regras”, nem sobre abate, prisão ou punição de quem impingir documentos redigidos “ao abrigo” de regras que não estão em vigor. Enfim, como já tive a oportunidade de recordar, relativamente ao aspecto ‘adesão’ e à dimensão ‘punição’, a doutrina divide-se.

Contudo, é sabido, não se encontrando os tribunais “sob a tutela orgânica e funcional do Governo“, nada obriga Rui Teixeira a adoptar uma norma que, manifesta e compreensivelmente, lhe desagrada. Resta saber se, não tendo o dever de adoptar o AO90, incumbe ou não a qualquer juiz a obrigação de aturar no seu círculo judicial textos redigidos “ao abrigo” de uma proposta ortográfica que, como sabemos, é inadequada para a norma portuguesa europeia, tendo – convém sempre refrescar a memória – sido objecto de pareceres negativos.

Haverá sempre quem critique Rui Teixeira por este indicar alterações efectivamente não previstas no Acordo Ortográfico de 1990, aludindo à supressão quer do acento de ‘cágado’ (proposta de 1986), quer da letra consonântica ‘c’ de ‘facto’. Segundo a SIC, “não se entende o reparo do juiz”. Lamento imenso, mas entendo [Read more…]

A progressiva optimização da fiscalidade do professor

O consenso aparentemente existente, entre falantes de português europeu, acerca da pronunciação da amálgama ‘setor’ deveria ser motivo suficiente para quem se entretém a adoptar o Acordo Ortográfico de 1990 – por obrigação, engano, prazer ou convicção – ter uma ideia bastante clara sobre a perturbação introduzida na ortografia portuguesa europeia através da supressão do cê de ‘sector’ — a grafia ‘setor’, note-se, não cai do céu, encontrando-se, por exemplo, não só no Assim Mesmo, no Ciberdúvidas, na Sábado e no Expressomas também cá por casa, em trabalhos académicos (cf. Zenhas, 2004  e Dias, 2011) e na Infopédia.

Acrescentemos ao raciocínio uma dose de estupefacção: apesar de a hipótese ‘sector’ existir, estando prevista na própria base IV do AO90 (sector e setor”) e sendo autorizada pelo VdM, há quem opte por ‘setor’ — neste preciso momento, ocorrem-me umas cinco ou seis razões para tal acontecer, mas hoje, convenhamos, é domingo.

Antes que me esqueça: repararam na ‘optimização’? Com pê? Sim? Pois, no título. Óptimo. Adiante.

Continuando na senda de ‘setor’, o título deste trabalho (“Uma análise das competências do professor de Turismo a partir da perspectiva dos estudantes”) é mais uma demonstração de que efectivamente o AO90 não veio “fazer com que a língua portuguesa tenha uma ortografia única. Ou tanto quanto possível aproximada”, como se pode depreender dessa perspectiva mantida no Brasil, mas em Portugal, pois, claro, proscrita — se lerem o artigo completo e encontrarem aspectos (sim, aspectos) e respectivamente, não se admirem, lembrem-se da “ortografia única” ou “tanto quanto possível aproximada” da “língua portuguesa” e  continuem sempre a acreditar.

Actualização (1/7/2013): Referência ao VdM.

Acerca dos *fatos, só mais uma ou outra coisa

Relativamente ao comentário do senhor embaixador Francisco Seixas da Costa, deixo aqui algumas nótulas.

É inadmissível que responsáveis políticos pela criação, promoção e execução do AO90 veiculem inexactidões em relação ao âmbito da supressão consonântica preceituada na base IV e nada me leva a pensar noutro motivo para tal, a não ser ignorância. Acerca disto, creio, estamos de acordo.

Apesar de, em meu entender, os responsáveis políticos não serem obrigados a conhecer, de forma aprofundada, os aspectos técnicos dos diplomas que criam, promovem e executam, não é aceitável o fomento de fugas para a frente, depois quer da emissão de pareceres extremamente críticos, quer do reconhecimento por responsáveis pelo dossier em apreço das imprecisões, dos erros e das ambiguidades («Só num ponto concordamos, em parte, com os termos do Manifesto-Petição quando declara que o Acordo não tem condições para servir de base a uma proposta normativa, contendo imprecisões, erros e ambigüidades»).

Por exemplo, uma das ilações que um leigo atento — ou um especialista distraído — terá tirado de determinadas declarações de Pinto Ribeiro poderá ter sido a de que o ex-ministro da Cultura conhecia tão bem e de forma tão profunda o tema que até se dava ao desplante de rebater a Petição N.º 495/X/3.ª com considerações vagas e com piadas de algibeira (Jornal de Letras, n.º 1010, 17 a 30 de Junho de 2009, p. 15):

Compreendo que as pessoas que lideraram a petição tenham essa posição e que estejam grudadas no purismo. É como se não quisessem que as respectivas mulheres mudem de cortes de cabelo ou os maridos deixem crescer ou cortem a barba.

Aquilo de que se desconfiava acabou por vir à tona, na resposta [Read more…]

O Acordo Ortográfico através do monóculo

Ega entalara vivamente o monóculo para examinar esse lendário tio do Dâmaso…

– Eça, Os Maias

A edição de Outubro da revista internacional Monocle foi amplamente divulgada pela comunicação social portuguesa. Segundo a Fugas, trata-se duma “publicação mensal de culto para muitos e a marcar tendências em todo o mundo desde 2007 “. Confesso que nunca tinha comprado esta revista e só o tema de capa me levaria a adquiri-la. Como esta edição estava à venda no quiosque do Parlamento Europeu, acabou por vir para casa.

Vejamos com atenção aquilo que nesta publicação a marcar tendências em todo o mundo desde 2007 se pensa sobre Portugal, no contexto da língua portuguesa e do Acordo Ortográfico de 1990.

Aguardemos igualmente por uma reacção de Carlos Reis, pois é evidente que o senhor Steve Bloomfield, além de  “uma concepção da Língua Portuguesa como património exclusivo dos portugueses”, tem “um complexo”, “traumas por resolver” e “o medo das ‘cedências’”. Obviamente que as leituras de artigos do Dr. Santana Lopes e de entrevistas do Dr. Pinto Ribeiro terão ajudado ao arranque em falso. O Dr. Carlos Reis que explique, quando reagir ao artigo.

Once upon a time, the Portuguese spelt the word “fact” F-A-C-T-O. The Brazilian spelt it F-A-T-O. It was one of many words that had changed in the journey across the Atlantic.
Yet the influence of Brazilian popular culture has become so pervasive from Porto to Lisbon that most young people use some form of Brazilian Portuguese – and now it has become formalized. An orthographic agreement between the two countries has seen Portugal accept a whole raft of Brazilian spellings.
There are many ways to highlight Portugal’s relative decline and the meteoric rise of Brazil and, to a certain extent, Angola. Hundreds of thousands of Portuguese have moved to to other Lusophone countries (see page 037); Angola is now investing billions of oil-fuelled dollars in Portugal. But few factors sum it up as perfectly as the language changes. Imagine the UK agreeing to spell “centre” the American way

– Steve Bloomfield, “Something in common”, Monocle, Issue 57 , volume 06 , October 2012, p. 33