Don’t judge this book by its cover

Fonte da imagem: Anna M. Klobucka.

O *censo, o senso e o sentido: matéria para reflexão (reflictamos)

I asked one of these girls once what she found so attractive about J.D., and she told me it was his terrific sense of humor: something he’d lost track of this particular night.
Sam Shepard, Cruising Paradise

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A minha resposta imediata e sem filtros a esta pergunta

é muito simples: nem uma coisa (senso), nem outra (*censo).

Repito: nem uma coisa (senso), nem outra (*censo).

Procuremos sentido.

Ei-lo: em alemão, em inglês, em espanhol, em italiano, em francês e em grego (ainda) não há dados nem em neerlandês, nem em tétum, nem em chinês.

Houve senso? Há senso? Claro que não houve senso, claro que não há senso.

O multilinguismo (há vida além do inglês, fyi) é maravilhoso, sim, mas também extremamente útil para pôr determinados pontos nos ii.

Desejo-vos um óptimo fim-de-semana.

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Isto sim, tresanda a estalinismo e fascismo por todos os lados

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Imagem: Fernando Pessoa – Heterónimo, 1978, óleo sobre tela de António Costa Pinheiro

Vivem-se tempos de polarização, de radicalizações mil, marcados pelo regresso de fantasmas de outros tempos, que procuram usar a democracia e a liberdade de expressão na tentativa de as suprimir.

Fruto deste extremar de posições, que alimenta discursos cada vez mais carregados de ódio e ignorância, termos como “fascista” ou “estalinista” são usados e abusados, e servem hoje para tudo e mais alguma coisa. O governo português, por exemplo, é estalinista. Os conservadores, por seu lado, são fascistas. Hitler, segundo algumas almas perdidas que deambulam pelas redes sociais (e em alguns projectos políticos travestidos de jornais), era socialista, porque o nome do seu partido incluía o termo. Qualquer dia, ainda nos tentam convencer que a República Popular Democrática da Coreia do Norte é uma democracia. [Read more…]

O sexismo da Porto Editora já vem de longe

Dicionário da Língua Portuguesa, editado em 1986, Porto Editora

O João Mendes trouxe o texto do Ricardo Araújo Pereira (RAP) no qual se demonstra que, afinal, os cadernos não eram assim tão sexistas como se apregoou. E que o trabalho jornalístico à volta da questão deixou muito a desejar. Na verdade, os meios de comunicação social pegaram numa montagem de duas páginas para, a partir delas, tecerem ilações. E, por fim, a Comissão para a Igualdade de Género (CIG) laureou-se de poderes censórios e, “por orientação do Ministro Adjunto”, Eduardo Cabrita, recomendou à Porto Editora, que “retire[retirasse] estas duas publicações dos pontos de venda”.

RAP desmontou a questão, no programa Governo Sombra, implacavelmente e com graça, conforme se pode visualizar no vídeo seguinte. [Read more…]

Os polémicos blocos de actividades*

Inicialmente, de férias e afastado do mundo real, tomei conhecimento do polémico caso através das redes sociais. A tentação para me indignar foi imediata: havia um plano de discriminação de género em marcha, orquestrado pela Porto Editora e por um qualquer gangue de arrojas misóginos, através de cadernos de actividades que tratavam o macho como alfa e a fêmea como uma patega incapaz de concluir labirintos complexos. [Read more…]

Manuais escolares – Se for verdade, é crime!

Do muito que há para dizer sobre o vergonhoso negócio dos manuais escolares (a grande reportagem da TVI é imperdível), houve uma denúncia, feita por uma professora, que me chocou particularmente.
Diz essa professora, na reportagem, que em determinada escola os professores de um grupo disciplinar reuniam para adoptar o manual que iria ser utilizado nos 6 anos seguintes. E nesse momento exacto, irrompeu pela sala um representante de uma editora que, apresentado pela presidente da reunião, tentou convencer os professores presentes a adoptarem o seu manual.
Não sei se o manual dessa editora foi adoptado. Independentemente de ter sido ou não, estamos em presença de um crime. Não é apenas algo de imoral, de eticamente reprovável – é um crime, cometido pela editora e por aqueles que permitiram a entrada do sujeito na escola e, de forma agravada, naquela reunião.
E se é um crime, alguém tem de investigar.

Dêmos ou demos? Porto Editora aconselha a grafia de 1945

Volto a deambular, indeciso entre o choro e a gargalhada, pela página que a Porto Editora criou para responder a dúvidas frequentes sobre o alegado acordo ortográfico (AO90).

Desta vez, houve duas entradas que me chamaram a atenção: 18. Já não é obrigatório colocar acento em formas do passado como ganhámos? e 21. A forma verbal dêmos do conjuntivo deixa de ter acento?

Em ambas as respostas, os autores remetem para o texto do AO90, o que está de acordo com os objectivos da página, aparentando coerência. Na verdade, o acento nas formas referidas era obrigatório e passou a ser opcional. O leitor acentuou? Está certo. Não acentuou? Está igualmente certo.

No que respeita ao cor-de-rosa, a Porto Editora defende que se possa escrever com ou sem hífenes, contrariando o texto oficial do AO90 e socorrendo-se do VOP, ou seja, quando o chamado acordo ortográfico obriga a que se mantenha a grafia de 1945, o VOP estipula uma dupla grafia, sendo que uma delas estaria sempre errada à luz de qualquer um dos dois acordos ortográficos mais recentes.

A mesma Porto Editora, confrontada com a possibilidade de não se  usar acentos nas formas verbais acima mencionadas, recomenda, agora, que sejam acentuadas, mesmo que o AO90 seja preguiçosamente indiferente a isso. [Read more…]

Prémio Carreira

pintoveremhlo

Russians

America it’s them bad Russians.
Them Russians them Russians and them Chinamen. And them Russians.
The Russia wants to eat us alive. The Russia’s power mad. She wants to take our cars from out our garages.

— Allen Ginsberg, America

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Pois é.

Nem tudo depende da perspectiva e da concepção. Há outros aspectos a considerar.

intercetam eptam

Efectivamente, segundo o Houaiss (*), ‘interceptar‘ é um verbo [Read more…]

O meu Lamborghini e os *artefatos *piroténicos

Há poucos dias, fiquei a saber que ‘co-adopção’ (à qual já dediquei umas linhas aqui e ali) conseguiu uns miseráveis 2% numa iniciativa da Porto Editora — confesso que acabei por não perceber qual das grafias foi a concurso. Aliás, tenho algumas dúvidas acerca da elegibilidade para uma competição deste tipo de uma palavra que, como é do domínio público, é actualmente grafada de três formas diferentes: a da Bayer, a do AO90 e a outra.

Durante as (sempre, sempre) curtas e (infelizmente) chuvosas férias em Portugal, soube também (obrigado, J. Manuel Cordeiro, pelo pertinente apontador) que “a inserção do número de contribuinte na fatura [sic] permitirá a qualquer consumidor final habilitar-se a ganhar um carro por semana”. O tema da *fatura é fascinante e já surgiu por estas bandas. Conceptualmente, “fatura simplificada” é redundante. E “fatura com inserção do número de contribuinte” é um paradoxo, pois, sendo ‘fatura’ o mesmo que ‘factura simplificada’, aquilo que efectivamente acabamos por obter é “factura simplificada com inserção do número de contribuinte”. Como sabemos, ”factura simplificada com inserção do número de contribuinte” não faz qualquer sentido e quem escreveu a legenda da foto que ilustra o artigo apontado concordará comigo.

Contudo, admito, ao ler a notícia, a  dúvida que imediatamente me assaltou foi a de saber se é possível, ao pedir uma factura, ganhar um Lamborghini. Para mim, o conceito “um carro” é extremamente vago. Se querem mesmo oferecer-me um carro, era este Lamborghini Aventador, sff.

A propósito, ontem, ao chegar a casa, deparei-me não só com os habituais “fatos constantes da candidatura”, mas também com uma salada mista de gosto bastante duvidoso. Sim, no sítio do costume:

DRE 712014

Foi em Março do ano passado (para os mais distraídos, convém lembrar que nos encontramos em Janeiro deste ano) que o ILTEC nos garantiu

o AOLP90 já foi quase plenamente aplicado, como o Estado determinou, sem problemas de maior.

Acerca dos *fatos, só mais uma ou outra coisa

Relativamente ao comentário do senhor embaixador Francisco Seixas da Costa, deixo aqui algumas nótulas.

É inadmissível que responsáveis políticos pela criação, promoção e execução do AO90 veiculem inexactidões em relação ao âmbito da supressão consonântica preceituada na base IV e nada me leva a pensar noutro motivo para tal, a não ser ignorância. Acerca disto, creio, estamos de acordo.

Apesar de, em meu entender, os responsáveis políticos não serem obrigados a conhecer, de forma aprofundada, os aspectos técnicos dos diplomas que criam, promovem e executam, não é aceitável o fomento de fugas para a frente, depois quer da emissão de pareceres extremamente críticos, quer do reconhecimento por responsáveis pelo dossier em apreço das imprecisões, dos erros e das ambiguidades («Só num ponto concordamos, em parte, com os termos do Manifesto-Petição quando declara que o Acordo não tem condições para servir de base a uma proposta normativa, contendo imprecisões, erros e ambigüidades»).

Por exemplo, uma das ilações que um leigo atento — ou um especialista distraído — terá tirado de determinadas declarações de Pinto Ribeiro poderá ter sido a de que o ex-ministro da Cultura conhecia tão bem e de forma tão profunda o tema que até se dava ao desplante de rebater a Petição N.º 495/X/3.ª com considerações vagas e com piadas de algibeira (Jornal de Letras, n.º 1010, 17 a 30 de Junho de 2009, p. 15):

Compreendo que as pessoas que lideraram a petição tenham essa posição e que estejam grudadas no purismo. É como se não quisessem que as respectivas mulheres mudem de cortes de cabelo ou os maridos deixem crescer ou cortem a barba.

Aquilo de que se desconfiava acabou por vir à tona, na resposta [Read more…]

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Acerca dos *fatos, só mais uma ou outra coisa
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A palavra do ano é enrabado, diz-se entroikado na presença de estranhos

Sobre o evento “palavra do ano” com que a Porto Editora tenta copiar instituições de outras línguas, ficam uns dislates da minha lavra.
Infopédia regista enrabado, como “particípio passado de enrabar”Já o Houaiss acha enrabado um adjectivo, que se enrabou.
Para a Porto Editora a palavra mais votada, entroikado, é um adjectivo, aliás, um adjetivo. Não serei eu nesta casa a dissertar sobre este detalhe gramatical. O verbo neologismar, que aprendi com o velho e sábio José Pedro Machado e eles aceitam mas não dicionarizam, diz-me ao ouvido que o povo inventa quando precisa, ou acha graça, mas com um certo sentido, uma lógica. Raras vezes se neologisma a partir do vazio, sem uma raiz que seja sua mãe fonética, sem um pai etimológico, uma afenidade, enfim, o neologismo não usa ser órfão.
Ler a palavra entroikado como significando que está numa situação difícil; tramado, lixadoé digno dos pudores da Porto Editora, a que quando meteu o caralho nos seus dicionários já gerações de liceais se  tinham rido com a sua ausência.
Afirmo: a  palavra do ano é enrabado, eufemística, humorada e propositadamente dita entroikado. A língua ainda somos nós que a fazemos, se precisarem de referências procurem nos facebooks deste mundo; a troika não entroika, nem tal faria sentido – enraba; uns gostam, outros não.
Ah, e o mais das vezes, a palavra no ânus tem sido aplicada sem preservativo nem vaselina.

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Cu português contraindo-se perante a ameaça de novo entroikanço