Quando hoje vemos Cristiano Ronaldo, vindo de uma família da mais modesta condição, nadando em milhões de euros, oferecendo mansões a irmãos e sobrinhos, espatifando carros topo de gama, misturado com figuras do jet set internacional, é inevitável a comparação com ídolos do passado, homens que, nunca saberemos, poderão até ter sido melhores futebolistas do que ele, mas que viveram e morreram sem outra recompensa que não fossem os aplausos de adeptos e, por vezes, até de adversários.
Já aqui falei de Pinga, o ídolo do Futebol Clube do Porto. Hoje falarei de Pepe. Benfiquista assumido, sócio de longa data e com as quotas em dia, não tenho qualquer problema em reconhecer a grandeza que existe e existiu nos clubes adversários. Sem adversários, que sentido faria a existência de qualquer clube?
Mentiria se dissesse que não fico contente quando os clubes que competem com o meu Benfica perdem. Seja qual for a modalidade. Seria uma intolerável hipocrisia. Mas espero que acreditem que não me vanglorio com o péssimo momento que o Sporting está a passar e, muito menos, com a decadência do Belenenses, cuja situação, desde há anos, se vai degradando. É deste último clube que vou hoje falar e do seu imorredoiro ícone – José Manuel Soares, «Pepe». O grande Pepe.
Pepe nasceu em Belém, Lisboa, no dia 30 de Janeiro de 1908, uma quinta-feira de grande perturbação política, na capital e no País. Na terça-feira anterior, dia 28, tinha abortado uma tentativa de levantamento revolucionário, a famosa «revolta do elevador», de que já falei.Grandes líderes republicanos foram presos. No sábado seguinte, o rei D. Carlos e o príncipe herdeiro seriam vítimas de um atentado. Mas não é de história política que hoje me ocuparei. Continuemos a falar de Pepe. Mas antes, parece-me útil fornecer alguns dados sobre o seu clube, o Belenenses: O Clube de Futebol Os Belenenses, fundado em 1919, é um clube de Lisboa, da freguesia de Belém.
Para além de numerosos títulos noutras modalidades, conquistou três campeonatos de Portugal. Em 1933 era o clube com mais campeonatos ganhos e com maior número de jogadores chamados à selecção nacional. Actualmente, a seguir aos chamados três grandes, é ainda o quarto clube com maior número de internacionalizações.
Foi por este clube que, em 1923, com pouco mais de 15 anos, foi inscrito no Campeonato de Lisboa de 1924-25, fazendo a sua estreia na primeira categoria em Fevereiro de 1926. No campo das Amoreiras (do Benfica), a 15 minutos do final o Belenenses perdia por 4-1. Mas nesse quarto de hora que, se tivesse já nascido, me teria feito roer as unhas até ao sabugo, o resultado passou a ser de 5-4 a favor da equipa de Belém. O último golo, o da vitória, foi apontado por Pepe.
Neste mesmo ano de1926, com 18 anos, foi chamado à selecção nacional, marcando dois dos quatro golos da vitória contra a França. Não mais deixou de ser seleccionado. Entre 1926 a 1931, Pepe fez 140 jogos. De baixa estatura, franzino, mas muito rápido e hábil, diz-se que, no começo da sua carreira, era demasiado duro nas suas entradas aos adversários. Porém, foi-se tornando num jogador maduro e comedido. Por isso, quando em 1 de Novembro de 1931 foi noticiada a sua morte, a consternação foi geral.
As causas da sua morte nunca foram totalmente esclarecidas. Envenenamento alimentar terá sido a causa da sua morte. Supõe-se que sua mãe, analfabeta como larga percentagem dos portugueses dessa época, terá temperado por não poder ler o rótulo do recipiente, o modesto almoço que Pepe levava para o seu trabalho, nas oficinas da Aviação Naval, com um produto tóxico. Pepe morreu no Hospital da Marinha. O seu funeral para o cemitério da Ajuda, foi acompanhado por uma multidão como se pode apreciar na fotografia.
Mais pormenores sobre a história deste grande jogador, podem ser colhidos no belo livro de Marina Tavares Dias, “História do Futebol em Lisboa” e no sentido e bem escrito texto de Vítor Gomes (In Memoriam) publicado no blogue do clube. Embora tendo recorrido a outras ajudas, estes foram as minhas duas principais fontes para compor esta singela evocação.
Acabo como comecei. Outros tempos, os de Pepe, Pinga, Peyroteo e até de Eusébio. A recompensa não eram os inauditos milhões. Era o fervor do público, os aplausos… Nos jogos florais da Grécia não havia prémios pecuniários – os vencedores recebiam uma coroa de louros e um cesto com figos.
Onde quero chegar, já todos perceberam -um mundo de estímulos materiais não é necessariamente melhor do que um onde agíssemos movidos por estímulos morais. Penso que é bem pior, pois ajuda a trazer à superfície aquilo que de mais negativo persiste na natureza humana.
Mas estávamos a falar de Pepe e do Clube de Futebol os Belenenses. Honra á memória de Pepe! E viva o Belenenses! (Viva no sentido literal – não o deixem morrer).
Caro Carlos Loures, como belenense, sócio há muitos anos, agradeço esta generosa lembrança de um clube em vias de extinção, à semelhança de outros. As causas emergem daquilo a que se convencionou chamar ‘a nova indústria do futebol’ e, em Portugal, entre o mais, há excessiva concentração das atenções da comunicação nos 3 grandes – no futuro a Liga Portuguesa será um campeonato a três.
Clubes históricos, como o Belenenses, estão em situação de moribundos – cito o Barreirense, o Salgueiros, o Boavista, o Farense, o Lusitano de Évora e tantos outros cujo futebol tanto apreciei em épocas passadas, parte delas muito remotas.
O destino do Belenenses está traçado. Não tem adeptos, sócios e meios financeiros para sobreviver. Sinto-o como um clube especial. Não sei por que razão vocacionado para artistas e cito alguns destes entre desaparecidos e vivos: Raúl Solnado, Amália Rodrigues, Maluda, Rui Ramos, Francisco Nicholson, António Pinto Basto, Carmos do Carmo, Paco Bandeira, Barroso, Luís Represas e João Pedro Pais. E não estão aqui todos. Os mais novos vão ter que mudar de clube ou esquecer o futebol.
Um abraço
Não foi por generosidade, foi talvez por sentir que sem o Belenenses a cidade, o país, o desporto ficarão mais pobres. Não concebo o campeonato sem o Belenenses, onde jogaram futebolistas como Pepe, Quaresma, Feliciano, Matateu, Yaúca e tantos outros (devo estar a esquecer-me de muitos). Penso que devia ser feita alguma coisa para salvar o clube. Mas, claro, o movimento tinha de partir de dentro. Os sócios e os adeptos tinham de demonstrar que o clube está vivo. Salvar uma múmia não fará muito sentido.
Parabéns pelo post, carlos. Convém lembrar esta gente do desporto pelo desporto. Bem diferente, por sinal, de toda esta rasquice exibicionista e de todo o tipo de conluios.