Hoje salvei o mundo

Imagine que algures no mundo há alguém a quem você pode salvar a vida. Não com acrobacias intrépidas de super-herói, sem necessitar de se equilibrar no parapeito de um arranha-céus, ou saltar para um mar infestado de tubarões, ou desactivar, no último instante, um engenho explosivo.

Imagine que a única coisa que teria a fazer seria sentar-se num cadeirão almofadado, desses onde se pode adormecer com um livro em cima do peito, e estender o braço. Mais nada.

E que, com um pouco de sorte, num desses acasos que a cega lei das probabilidades determina, ser contemplado com a feliz notícia de que você, sim!, você, cidadão anónimo, igual a tantos outros, boa pessoa, talvez um pouco teimoso, que é dos poucos defeitos que não nos importamos de admitir porque achamos que revela força de carácter, você vai salvar uma vida.

Foi a pensar nisto que me sentei hoje no cadeirão, arregacei a manga, olhei para o lado para não assistir à picada da agulha (sim, sou lingrinhas, e quê?), e passei assim a fazer parte do Registo Nacional de Dadores de Medula Óssea. Imaginam o que aconteceria se todos os cidadãos se inscrevessem? O aumento exponencial da probabilidade de dar resposta a todos os que dependem de um transplante de medula para sobreviver?  E sabem quanto tempo leva a inscrição no Registo? Entre o preenchimento do inquérito e a recolha de sangue creio que não chegou a quinze minutos. E a recolha é tal e qual uma vulgar análise sanguínea.

Eu comecei o dia assim e não espero nenhuma medalha. Mas tenho que vos contar isto porque suspeito que, algures por aí, há alguém que já pensou mil vezes fazer o mesmo e só lhe faltou aquele último empurrão da vontade, aquele que nos faz mover o corpo. Façam-no já. Se há coisa que não se pode adiar é ir salvar  a vida a alguém.