Um Ano Maravilhoso

12 ABRIL, 22H59

Dia e hora do meu primeiro post, aqui no Aventar.

Nesse dia e nessa hora, mas deste ano, escreverei sobre o assunto.

Hoje, fico-me pelos parabéns a todos nós e pelos agradecimentos ao Ricardo pelo convite que me fez para integrar esta que se tornou numa maravilhosa equipa.

É uma honra fazer parte de tão brilhante equipa.

Do Ultimatum ao reconhecimento britânico de 1911

De todo o longo processo que o PRP desenvolveu no sentido da subversão do regime da Monarquia Constitucional, a questão da Aliança Luso-Britânica foi sempre um dos principais polos de virulenta propaganda. Mesmo antes dos acontecimentos decorrentes do Ultimato de 1890, os feros ataques ao predomínio da Inglaterra em Portugal, consistiram no eixo primordial da acção política, onde um nacionalismo de laivos retintamente demagógicos, visava antes de tudo, mobilizar uma parte da facilmente excitável e ociosa população das duas principais cidades portuguesas.

Num período onde a expansão colonial atingiu o climax e ameaçou a Europa com a eclosão de uma guerra generalizada, Portugal conseguiu preservar um relevante património colonial, objecto da cobiça dos novéis actores da cena internacional, como a Bélgica de Leopoldo II – a questão do Congo – e logo após a unificação de 1871, o II Reich do Kaiser Guilherme I e do chanceler Otto von Bismack. A arbitragem a que Mac-Mahon foi chamado para decidir (1875) a posse do valioso território banhado pela baía do Espírito Santo (Lourenço Marques), deveria ter representado para a opinião pública nacional, num claro sinal demonstrativo da necessidade da manutenção de um firme apoio britânico à posse portuguesa dos estratégicos e potencialmente ricos territórios em África. De facto, Lourenço Marques era o porto natural do hinterland sul-africano e num ponto de partida da mão de obra destinada às minas do Rand. O desencadear da segunda Guerra Boer (1899-1902), valorizaria enormemente a área geográfica que os britânicos displicentemente designaram até à década de 30 do século XX, como Delagoa Bay.

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O Hommer celebra por mim

Não sou muito dado a sentimentalismos. Raramente verto lágrimas, seja de alegria ou felicidade ou tristeza, não sou grande apreciador de festejar aniversários, muito menos o meu. Enfim, um chato monocórdico, com uma leve tendência para o irónico e uma queda para algum sarcasmo.

Quando o Ricardo enviou o desafio, mais ou menos este: “Vamos lá escrever um post no dia do aniversário a falar do relacionamento de cada um com o Aventar”, não pude deixar de torcer o nariz. Eu? Um indivíduo tão reservado e discreto a falar de relacionamentos? E logo com o Aventar? Nem pensar, o gajo é doido.

Portanto, nada melhor que utilizar um convidado para celebrar o aniversário deste blogue, que já me retirou uma longas horas de merecidíssimo descanso.

Para o ano cá estaremos para soprar a segunda vela.

Estamos de parabéns!

Lírios de Saitn- Rémy, pintado por van Gohg em 1889

Os diversos períodos da pintura do Neerlandês Vincent van Gogh, reflectem os diversos períodos ao longo do nosso primeiro ano de vida como sítio para debate, expor e comentar ideias, divulgar a nossa própria obra.

Foi um telefonema, apenas um telefonema de Ricardo Santos Pinto, para se apresentar como professor de História no Porto e me convidar para escrever textos da minha autoria, neste afamado sírio denominado Aventar. Referiu quem mais colaborava para me incentivar. Pessoas de nomes conhecidos no campo das letras e da ciência. Falámos, se tanto, dois minutos ao telefone. Não hesitei. Primeiro, porque a sua voz era calma e persuasiva e para nós analistas da mente social, um som de voz já diz muito. Uma voz de respeito sem falar na primeira pessoa, sem contar a sua vida, falando apenas do projecto e da liberdade de escrita, com a condição de nunca ofender ninguém.

Como escritor, não como etnopsicólogo, de imediato aceitei: estava a falar com um homem sério e novo, com toda a vida em frente.

Um segundo telefonema foi ainda mais convincente. Explicou-me que era um sítio para arejar os nossos problemas ideológicos e de saber. Era Luís Couto Moreira, amigo de telefone. Um terceiro nome que ouvi, foi o de Carlos Loures, escritor e editor, que me convidou a pôr de parte as formalidades e sermos eu e tu. Amigo que nunca me tem abandonado, esse Senhor que em tempos de avarias dos [Read more…]

No aniversário do Aventar

O Ricardo Santos Pinto não sabe que, quando me convidou para integrar o projecto de um novo blogue, que estava para nascer, mudou a minha vida. Ou talvez possa pensá-lo mas não creio que saiba exactamente até que ponto assim é.

Mudou-a porque introduziu um elemento que foi ganhando importância, que se imiscuiu no quotidiano, que se foi entrelaçando nessa tela que é a vida de cada um de nós até se tornar um dos seus fios.

Recordo-me de nessa noite inicial ir espreitar, à meia-noite, o Aventar, onde acabava de ser publicado o poema “Coro”, e de pensar que começava uma aventura e de sentir essa excitação que acompanha o início de todas as aventuras. Nessa noite o Aventar foi abaixo (lembram-se?), inaugurando uma já respeitável lista de intermitências, mas regressou, como sempre faz, e eu embarquei, com a insegurança dos principiantes mas com entusiasmo. [Read more…]

Somos todos enfermeiros, somos todos valencianos

O Ministério da Saúde só poupa no que não deve.
Quer poupar nos enfermeiros, a quem paga mal e porcamente (alguns recebem hoje em dia 800 euros). Aceita vagamente que em 2013 todos estejam a receber 1200 euros, quando é a própria Lei que obriga a que os licenciados que entram na Função Pública recebam um valor superior. Mais do que os vencimentos, impressiona a instabilidade de quem vê a sua carreira protelada no tempo num sector com tantas carências humanas.
Quer poupar, mais uma vez, nas Urgências nocturnas das populações do interior. Já morreu gente com estas «brincadeiras», mas o Ministério não quer saber que um universo de cerca de 15 mil pessoas fique sem atendimento durante a noite e tenha de se dirigir a Espanha.
O Ministério da Saúde poupa no que não deve, mas não poupa no que deve: nos desperdícios dos hospitais de gestão público-privada, nos apoios e benefícios às grandes empresas privadas na área da saúde, na política do medicamento – promoção dos genéricos, difusão da venda por unidose, obrigatoriedade da prescrição por denominação comum internacional, diminuição dos lucros pornográficos das Farmácias.
Todos sabemos por quê. Porque não interessa aos grandes grupos – os Grupos Mellos e quejandos, as Farmácias, a indústria farmacêutica. E neste caso, os enfermeiros e os valencianos são apenas «peanuts».

A Espuma dos Dias

Ontem foi um dia intenso. Em menos de 10 horas fiz pouco mais de 600km o que não me permitiu dar a devida atenção ao Aventar. Mas fiquem os aventadores a saber que, mesmo assim, estive a trabalhar igualmente para este espaço através do “recrutamento” de mais-valias.

Entretanto, pelo caminho, fiquei a saber que ganhei mais uma medalha. Sim, quando nos atacam anonimamente é mais uma medalha que se ganha e a demonstração da importância que, pelos vistos, temos e nem sabemos. Antes assim. Como disse no Facebook, “não expliques, os amigos não precisam e os inimigos não acreditam“. Eu gosto muito e prezo ainda mais os meus amigos mas tenho um certo gozo pelos inimigos que vou coleccionando. É sinal que não sou indiferente. E como isso nos sabe bem. Freud e os seus companheiros explicam.

Ora, ontem foi dia de jantar em Lisboa com amigos, com companheiros “de luta”, e o reconhecimento de um trabalho bem feito. No fundo, nunca se pensa nestas coisas quando se está empenhado a trabalhar, mas neste estranho país é tão raro reconhecerem o nosso trabalho (e aqui nosso significa colectivo, pois fomos um grande colectivo) que quando o fazem ficamos sem palavras.

E hoje segue-se mais um encontro e jantar de amigos naquele que será um regresso a uma casa onde passei dias felizes e que, por força de inúmeras circunstâncias, deixei abandonada por meia dúzia de anos. Lentamente, regresso. Calmamente. Definitivamente.

É a espuma dos dias.

Prós e Contras – A escola autónoma

Ontem o Pós e Contras foi um programa de enorme importância. A vários títulos. Desde logo porque o assunto era a escola e a sua autonomia, porque participaram pessoas das escolas, que estão no terreno, e porque com grande surpresa minha, estão basicamenet de acordo.

Uma escola com autonomia, capaz de se “individualizar” na medida em que tem que se adaptar ao ambiente  em que se insere, írreptível, e por isso, única.

Uma hierarquia decisória e displinadora, com rosto, democrática, mas sem dúvidas quanto a quem manda e a quem representa a autoridade e a disciplina.

Responsável na medida em que tem que responder pelos meios e pelos objectivos que lhe são consignados.

A possibilidade e a liberdade dos pais escolherem o que consideram melhor para os seus filhos.

Uma escola “local” interagindo com o universo de alunos e de famílias, com os poderes locias e ser capaz de dar resposta apropriada e célere aos problemas, eles tambem únicos, que tem que enfrentar. O que ficou tambem claro, é que não há fatos feitos cozinhados num qualquer gabinetes, entre burocratas, que sirva às milhares de situações com que as escolas se confrontam todos os dias.

No essencial, gente responsável, que trabalha arduamente, está de acordo.

A escola autónoma caminha inexoravelmente para ser uma realidade, contra os que vêm na escola campo de experiências e de luta política. Uma boa notícia!

Falando de sentimentos.Resposta ao Prof. Adão Cruz

Caro Adão Cruz,
Por andar sempre a usar estas linhas para escrever do que sinto, vejo, analiso e psicoanaliso, não tinha reparado no seu texto tão temido por falar de sentimentos. Não me parece possível fazer uma biologia do espírito. Seria uma ofensa aos sentimentos. A Biologia, e a palavra o diz, é uma dissecção dos sentimentos, uma autópsia dos mesmos, o que me parece impossível: nem há ideias, nem há elementos para abrir o espírito. Repare, se quiser entender assim, que a minha frase no rasto da sexualidade, caminha o amor, indica já uma autópsia dos sentimentos. A sexualidade é uma força da natureza, sem a qual não podemos viver. É essa força colocada pela biologia em nós, para nosso prazer que não tem palavras, especialmente se quisermos definir o orgasmo e não apenas a paternidade. A paternidade é uma relação social em segunda instância, porque na primeira, é o amor. Não o amor com quem podemos sentir o prazer sem palavras, sempre a dois, mas eternamente solitário. Compara um filho seu, existente ou não, com um de uma favela. Os sentimentos que existem neles, embora não se conheceçam e pertençam a classes sociais diferentes, são exactamente iguais

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Somewhere over the rainbow (um ano de Aventar)

Não fui um dos fundadores do Aventar. Apenas comecei a publicar regularmente em Junho. Nestes dez meses, muita coisa mudou. Por exemplo, eu mudei a maneira de apreciar os blogues (de céptico passei a blogo dependente) e, por outro lado, o Aventar também foi paulatinamente mudando. Quanto a mim para melhor.

A qualidade média dos posts parece-me ter subido. Um regionalismo e um clubismo exagerados, com que deparei à chegada, estão bastante atenuados. O Aventar está mais pluralista do que era no Verão passado. Mas tem ainda margem de progressão. Eu diria que era necessário erradicar completamente a futebolite e o regionalismo excessivo, sem abdicar de analisar o futebol com serenidade e objectividade e de discutir com seriedade a questão da regionalização. O Aventar deve ser um blogue de todo o País, em que um algarvio e um minhoto se sintam tão à vontade como um tripeiro ou um alfacinha. [Read more…]

Sugestões a Passos Coelho – as privatizações

Para onde vai o dinheiro das privatizações? Para manter os erros, os vícios, as mordomias, os desperdícios? Se é, as privatizações são um péssimo negócio, vendemos os anéis e ficamos com os problemas todos, nem um resolvemos.

Mas o dinheiro das privatizações pode ser bem aplicado, e assim, a saída do Estado da economia já pode ser uma coisa boa. Por exemplo, utilizar o dinheiro para baixar a dívida, os juros vão subir, o serviço da dívida é monstruoso, está ao nível do que gastamos no SNS em relação ao PIB, é como ter dezenas de hospitais, pagar vencimentos a milhares de profissionais , ter a despesa de tratar milhões de pessoas, é isso o serviço da dívida anual.

Se esse dinheiro não for sujeito a uma discussão e a uma decisão na Assembleia da República,  vai-se evaporar no desperdício, nos mega projectos sem retorno, no TGV, nas autoestradas em duplicado, nas parcerias público.privadas, nos vencimentos milionários…e ficaremos sem empresas e sem dinheiro!

Utilizar esse dinheiro para sanear empresas com potencialidades e fechar as que têm que ser fechadas, pagar indemnizações a quem quizer sair para trabalhar por conta própria, modernizar e apoiar as empresas exportadoras e com tecnologia de ponta. Estão inscritos no Orçamento para o TGV 900 milhões de euros enquanto se vai dizendo que o projecto é para adiar.

Fazer um levantamento sério dos serviços que estão em duplicado, que não têm razão de existir, e terminar com eles. Sem esse trabalho prévio, as privatizações ( com as quais eu concordo) vão servir exclusivamente , para manter os erros que há muito existem.

Parabéns a mim

Hoje de manhã, quando olhei de relance para o espelho com o ar fugidio de quem evita prender o olhar para não encontrar mais uma ruga, ele falou comigo e exigiu-me atenção. Eu sei que é um lugar comum de quem ficciona pôr o espelho a falar. Mas, comigo, é também lugar comum o espelho pôr-se a atirar sentenças.

– Então hoje estás de parabéns.

– Eu? Porquê?

– Por causa do Aventar, porque é que havia de ser?

– Quem está de parabéns é o Aventar.

– Não sejas vaidoso, pá. Tu é que estás de parabéns. Foste convidado, aceitaste o convite, fazes parte daquela equipa, és um aventador, fizeste amigos que não conhecias, partilhas um espaço de liberdade, deixam-te escrever, estás de parabéns, deixa-te de caganças.

– Queres dizer modéstias.

-Caganças. Deixa-te de caganças. O Aventar é que é bom. Tu, quando muito, estás de parabéns por lá estares.

Pela primeira vez, desde há uns tempos, olhei para o meu espelho com simpatia. Não reproduz com a beleza necessária a minha sedutora imagem. Mas não é burro de todo e até tem dias em que acorda bem disposto.

Resumo de uma entrevista a Sócrates

A Sábado resume assim uma entrevista de Sócrates ao JN:

“Calúnia”, “campanha negra”, “ofensa gratuíta” , “ataque pessoal”, ” insulto”, ” maledicência”, “mesquinhez”, “golpe baixo”, “hipocrisia”, “insulto”, (outra vez) “calúnia” (outra vez) e “insulto” (mais outra) !

Primeiro Aniversário do Aventar

Hoje o Aventar festeja o seu primeiro aniversário e fá-lo com todos os leitores nesta semana aberta especial.

Quando o Zé Freitas me convidou para este projecto eu andava pelo Sinaleiro, o meu blog pessoal, depois de cinco anos dividido por vários blogues. Nem pensei duas vezes. Eu sentia que este projecto tinha tudo para dar certo. E deu. Entretanto muitos mais chegaram.

Há tempos perguntaram-me qual o segredo do sucesso do Aventar. Simples: a diversidade. Temos por cá gente de esquerda, de direita, do centro, das extremas, católicos, judeus, agnósticos, ateus e muçulmanos. Gente do Algarve ao Minho, passando pelo Interior profundo. Convivem portistas com benfiquistas e sportinguistas, adeptos do belenense e da briosa e malta que detesta futebol. Mulheres e homens, de todas as idades e de gerações tão diversas. Diferentes formas de ver e estar no Mundo.

Francamente, conhecendo eu tão bem a blogosfera e estudando profundamente as Redes Sociais, pelo menos boa parte delas, ainda não encontrei um blog assim, com tal diversidade.

Há blogues melhores? Certamente. Não temos a qualidade do Blasfémias ou do 5Dias, a originalidade do 31 da Armada, a irreverência do 31 da Sarrafada, o mediatismo do Jugular ou do Abrupto, a profundidade do Insurgente ou do AspirinaB, o bom gosto do E Deus Criou a Mulher, a sabedoria do Origem das Espécies, a acutilância do Delito, do Corta-fitas, do Cachimbo ou do Albergue, a dimensão do Arrastão, a especialização do Educação no meu Umbigo ou as audiências do Gatas-qb. Não, não temos mas procuramos, tentamos, esforçamo-nos.

Num ano foram quase 400 mil os que nos visitaram, 900 mil as pageviews, mais de 1000 seguem-nos no Twitter e mais de 2500 no Facebook. São números que falam por si e que muito nos orgulham. É muita fruta. Mas sabem quais são os números que mais nos orgulham? Eu digo-vos: mais de 6300 post e mais de 17 mil comentários. O nosso orgulho!

Somos os “maiores, carago”? Não, mas vamos ser!

Há um ano, o Aventar começou assim

Exactamente há um ano, passava um minuto da meia-noite, o Aventar começou assim…

CORO

“Mãos de mulheres, cheias de ternura,
cozinharam seus filhos,
que lhes servirão de alimento,
quando da ruína da filha do meu Povo.”
Bíblia. Livro das Lamentações, Jod

«O que é um homem bom?»
O que é um homem bom?, penso e pergunto-te
sem medo da palavra que não trova com o mundo,
de quando em vez, acosso-te: «O que é um homem bom?»
novamente assomo sem pudor de te perturbar ainda; vivo assim:
sem medo da tua pele tão à beira de mim, sem me retrair nos olhos
e fico de borco desejando despenhadeiro – tua voz – essa vida com sotaque vigilante
e se a minha palavra se abeirasse dos teus olhos
não sei se seria um lago, neve, iogurte dentro do prazo, a leve vida,/
ou Elisa cantando: Tanzânia, T-a-n-z-â-n-i-a, T-a-n-z-â-n-i-a,
T-a-n-z-â-n-i-a sem adivinhar um punhal
levando a morte ao seu corpo;
sei, talvez, que essa palavra seria sempre um objecto secundário,
um acessório de uma memória suja, demente ou ambição de vertigem
face de um fragmento rudimentar com que irias à procura
de qualquer coisa que te lembrasse
que não existe diz-que-diz-que na solidão
essa pele que absorve a fundo a noite
outra vez vem ter comigo, imploro!
acossa de relance – nos meus olhos – a tua mão, par
da mão que desossa com o cutelo os ossos, toca piano,
mão engatilhando, levando a extinção na sua força, fixando
os corpos no seu tempo “ A guerra foi há duas semanas”, diz o homem
com as duas mãos no volante
. O que é um homem bom?, vacilo
— a mão de Sacha nas mãos
da mãe de Sacha; os olhos das mães crescendo
como a tensão nas mãos da mãe de Sacha

tanta face de lume! quando pensas noutro humano
tão impartilhável como é para mim o teu corpo de remendos,
depois vêm as palavras que seguram
o homem empoleirado, podando a preceito os ramos
de árvores russas, isso, as árvores eram russas,
as copas das árvores russas, a cidade ao fundo,
um enquadramento, um plano
tal como o rosto de infância a ser enterreado
na improvisada vala comum,
a areia tapando o rosto infantil de olhos abertos,
os corpos amontoados na carrinha de caixa aberta,
mas esse relâmpago em câmara-lenta — a última imagem — os olhos abertos
o bebé, e outras palavras juntam-se a ti
: manga-curta manga-comprida
porco-preto porco-branco
« o porco-preto é mais difícil de conseguir, corre mais
»

e os corpos arrojados até à porta da embaixada
as copas das árvores russas, os sacos de comida para o gato
a cultura do açafrão, Maria, a campa da Maria, as mãos da Marias
separandos as lágrimas do rosto, para se sentir mais na morte do filho,
o filho da Maria a galope do cavalo entrando pelo lago num dia de verão
russo, a aldeia russa da Maria, o marido da Maria e a nova mulher nova
a Maria entrando terra adentro com as suas mãos respirando a força do sol,
a comoção do realizador com a morte e campa da Maria, com as palavras da filha da Maria,/
a Maria fixando-se palavra viril
e ficas a pensar na possibilidade do nome das coisas, das tuas coisas quotidianas, tão a jeito e próximas da tua indiferença,
« o porco-preto é mais difícil de conseguir, corre mais»

De Puta Madre