
sonho de todo discente que pretende ser docente
Para os meus antigos estudantes, hoje colegas de ensino, que atingiram o máximo degrau na hierarquia docente, enquanto nós vamos desaparecendo…e damos sítio e espaço a eles. É bom que saibam como é a vida académica: um tormento de solidão…
Vivemos e trabalhamos como pássaros sem descanso, não como andorinhas, mas sim como gaivotas, que sabem de forma instintiva como fugir à tempestade, apesar de nunca o conseguirem.
Tal e qual como acontece com os académicos, na vida civil. É suficiente mostrar um papel que diga “Professor Doutor” por extenso, para que ou o IVA ou os preços aumentem de imediato.
Como referia uma licenciada em medicina que trabalhava comigo em investigação e em curar, ao sugerir uma operação: “como o Senhor Professor Doutor é Catedrático, de certeza deve ganhar imenso dinheiro. Como é muito ansioso, é melhor operar já pelo privado, porque no Hospital Público deve esperar muitas semanas, ou meses”.
Não consegui guardar uma gargalhada e dizer palavras corteses, mas mal intencionadas, até ao ponto da Senhora Médica ter que se defender. Tal qual fazem os Advogados, os Arquitectos, os Teólogos, os Gestores, os Analistas e outras profissões denominadas liberais, que também incluem Pedreiros, Carpinteiros, Electricistas, e outros que brincam com o ideal que se tem da vida académica. Ideal pelo qual todos entramos para transferir conhecimentos de outros e as nossas próprias descobertas, à geração seguinte. Não foi em vão que os socialistas Émile Durkheim e Marcel Mauss, em 1903, ajudaram, Vladimir Lenine, a organizar um Parlamento, A Duma, da qual fizeram parte, como adeptos Mencheviques: esse que pensava que a Monarquia do Czar seria substituída por uma República eleita pelo povo, do povo e para o povo, como tem-se referido em outros textos deste nosso sítio de debate. Mauss, destemido, assistiu as reuniões da Duma a colaborou na sua organização. Apenas que mais tarde, teve que se dedicar a outras causas, perante a sua Pátria ameaçada pelo fascismo. Aí não havia gargalhadas, não havia Assembleia: havia um puro e verdadeiro perigo…
Como perigo verdadeiro existe entre profissionais liberais ao não acreditarem que nós académicos somos apenas funcionários públicos, o mesmo é dizer, na dependência dos ideais do partido governante para o nosso trabalho, muitas horas, muitos estudantes, muitos graus académicos a conquistar, tudo bem detalhado em folhas especiais, devidamente preenchidas, para justificar o nosso trabalho e a nossa presença na sala de aulas, de manhã à noite, com férias e fins de semanas a serem usadas a ler trabalhos dos outros, os nossos discentes, a disputar um mês de licença usado para escrever, ou simplesmente, a trabalhar o menos possível nas aulas, com cumplicidades secretariais e usar a caneta, as bibliotecas, ou a observação de seres humanos, como fazem Antropólogos e Sociólogos, para assim adiantar na dura tarefa quotidiana, que, acredite ou não o leitor, tanto prazer nos dá.
Ser Professor Doutor não é suficiente. A sua obra é necessária para ser respeitado por colegas, discentes e população em geral. Ainda, hoje, para aumentar as receitas pecuniárias das novas Instituições Autónomas ou denominadas Universidades e Politécnicos, o trabalho de aula, da preparar antes de proferir, das, eventualmente, escrever eventualmente na Grã Bretanha, onde tenho ensinado anos a fio, nada se fala se não é um texto escrito, que a seguir, pode passar a ser um livro. Hábito guardado por mim até aos dias de hoje, quer nas Aulas, Seminários, Mestrados e Doutoramentos, e imitado pelos meus seguidores e antigos colaboradores, que assim vão escrevendo. Normalmente, a reuniões sem fim, para preparar as mentes de docentes e discentes, Comissões Científicas, Comissões Executivas, Conselhos Pedagógicos, e outras utopias que enganam ao saber se não ficamos a noite inteira, ou parte dela, para estudar sem fim, a produção dos colegas. Para acabar com esta ideia, é preciso acrescentar que o Doutoramento, que referi mais acima, já não é suficiente: há a Agregação, que está a ser substituída por um Pós Doutoramento, com Orientador, seja esse orientador Pós Doutor ou não. Do que trata uma instituição que ensina, é da acumulação, como Marx referia nos seus textos de 1846, 1848, 1857 a 1878, da denominada mais-valia, de ganhar dinheiro. De acumulação com mais-valia, como denomino no meu próximo livro. (refiro-me ao de 2008: O presente essa grande mentira social. A reciprocidade com mais-valia Afrontamento, Porto).
Sim, é lindo ser tratado por Senhor Professor Doutor ou Senhor Doutor. Mas, o que adianta? Saibam as crianças que nós, os seus pais, vivemos num mundo neoliberal, dentro do qual Adam Smith tem sido ressuscitado e acrescido por John Maynard Keynes e Milton Friedman. A criança e o novo Doutor, criança também na vida académica, precisam do entender. Um entender sobre um docente que saiba investigar com eles nas ruas, na biblioteca, em Seminários, com poucos discentes para acompanhar o docente e uma curta mas profunda bibliografia, para debater entre eles e aprofundar ideias. Tudo, por meio tostão e cartões de crédito.
A médica não queria acreditar e disse: graças a Deus não fiz como o meu pai que era Catedrático de Medicina. Evidentemente que um trabalho desse tipo, é quase uma consulta. O nosso, pelo contrário, pesado como a nossa doença, é a caridade popular do povo, para o povo e com o povo.
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