A União Europeia, o Cidadão e o Capital

O acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia e o presunçoso discurso de Durão Barroso no Estoril confirmam o que prevíramos aqui no Aventar. Não nos ufanamos de autoria de prognose mágica, ditada por inspiração divina. Foi mera ratificação, ab initio, de que a União Europeia privilegia a ‘liberdade de circulação de capitais’, em prejuízo da ‘coesão económica e social’ que diz estar na primeira linha dos objectivos que se propõe atingir – este último enunciado é um exercício de continuada demagogia.

No portal da UE, e sob o título ‘empregos e assuntos sociais’ é possível aceder a um arrazoado de intenções e objectivos da União, no domínio das políticas sociais. Uma vez lidos e equacionados com as práticas da Comissão, do Parlamento e do Tribunal de Justiça resultam naquilo a que, em português vernáculo, poderíamos designar por ‘conto do vigário’.

A ‘Estratégia de Lisboa’ é focada a torto e a direito, no sentido de mostrar preocupação pelo bem-estar social nos 27 Estados-Membros da EU; legítimo seria pensar que os princípios e políticas implicassem o correspondente empenho em promover pragmática homogeneidade económica e social – a tão apregoada coesão – em respeito pela inclusão de todos os países em processo de desenvolvimento global europeu. Mas não é assim. O poder financeiro e o conceito de mercado é que contam.

As autoridades europeias no caso ‘PT – Telefónica – Vivo’ demonstraram, à evidência, que a citada Estratégia de Lisboa é letra morta. Efectivamente, sem ponta de xenofobia, parece-nos legítimo argumentar que a PT, em termos de desenvolvimento económico, tecnológico e de emprego, tem para Portugal relevância especial – a capitulação do sinistro trio, BES, Ongoing e Visabeira, valha a verdade, igualmente traiu o País a que esses investidores dizem pertencer.

Vejamos as diferenças entre as duas companhias. A Telefónica, protegida com mestria pelo Estado Espanhol, sob a capa accionista do Banco Bilbao Vizcaya Argentaria, La Caixa e de várias ‘cajas de ahorro’, está presente em 25 países, com 250.000 trabalhadores. A PT, pese embora o negativismo das colocações de ‘boys’ rosas e laranjas ao longo da sua história, sustenta cerca de 11.000 postos de trabalho. É uma das principais empregadoras de licenciados qualificados, nas áreas das tecnologias de informação e telecomunicação. Com a PT reduzida ao mercado português, aos PALOP’s e Marrocos, a decisão europeia é um revés para a economia nacional, incluindo em matéria de emprego. Tal desiderato poderá ser indiferente aos patrióticos investidores que criaram barreiras ao interesse nacional.

Há tempos, o ‘El País’ referia declarações de Pedro Solbes, ex-comissário europeu e ex-ministro espanhol. Segundo o jornal, Solbes considerava que o ‘euro’ começava a transformar-se em moeda absurda. Ao que dizia, por ser comum a 16 Estados, com políticas fiscais e economias não integradas e até divergentes. Permito-me, agora, acrescentar que a UE de hoje, a funcionar sob o domínio e interesses do capital e a esquecer os cidadãos e economias dos países menos desenvolvidos, se converte também em absurda organização.

Intencionalmente, não referi José Sócrates, cúmplice de Durão, com o solene “Porreiro pá!”, quando terminaram as negociações do Tratado de Lisboa, na primeira fase. Nem Pedro Passos Coelho para quem o mercado é senhor absoluto, afirmado cá dentro ou aqui ao lado.

Comments

  1. Luis Moreira says:

    Nunca coloquei a questão em ter ou não ter interesse nacional. mas se tem comportem-se em conformidade. Obtenham a maioria do capital. E a EDP, os CTT, a Galp? Têm a golden share mas não têm interesse nacional? Muito gostaria eu de saber metade da missa que se tem cantado na PT…