Na senda do Poema Azul

(adão cruz)

Na senda do Poema Azul

Cruzaram as portas correram os campos das árvores novas e os olhos de trabalhar não cederam ao sono nem triangularam o medo nem cavaram rugas no solo imponente das alamedas sombreadas de tílias.

Nesse dia demorou um pouco mais o beijo que ele habitualmente depunha na sua face sedosa e apertou-a levemente contra o peito era uma mulher cheia de ternura e singularmente bela uma daquelas belezas que roubam tudo o que se é no curto instante em que os olhos se cruzam.

Não se erguem pedestais de peso vazio nem mulheres de vitrina são granito de amor ou seara ondulante que o vento não quebra ou lágrima doce de criança com cheiro a alecrim.

Anos mais tarde abraçou-a longamente e apertou-a fortemente tentando beijá-la mas ela cruzou o dedo sobre os seus lábios De ambos era apenas a poesia seu único elo de ligação.

Força centenária nunca inventada criada dia a dia na cultura do percurso na perenidade do ser na alegria renascida da memória revisitada sem mágoa num espelho de lágrimas pode um dia o amor renascer e ganhar flor na miragem do deserto.

Tempos depois beijou-a sofregamente e disse que tinha de fazer amor com ela pois morreria se tal não acontecesse Nem pense não porque também o não desejasse ardentemente mas não conseguia ultrapassar a barreira que a impedia Não não eram os vinte anos a menos mas o ser casada.

Na posse de um presente incerto de nada valem carismas de futuro nem linguagem detergente nem jogos de vitrina nem letras ficcionais de reinvento externo encenando convulsas narrativas de amor eterno.

Um dia ela veio.

Veio firme e decidida.

Os cabelos caídos a beleza amadurecida pela idade e por um lindo rosto ardendo de fogo beijou-o suavemente na testa roçou os lábios pelos seus e espetou o dedo indicador no sítio onde o beijara avisando com firmeza A primeira e última vez nunca mais.

O amor naturalmente estético não faz profecias nem confere paradigmas de futuro nas assimetrias das almas o amor triunfa na força de ser fraco na doçura decisória do dilema na transparência da lágrima na equação matemática da razão que reduz harmoniosamente o tempo e o espaço a uma alma louca de paixão.

Sentiu o chão fugir-lhe debaixo dos pés e começou a voar estonteado pelos céus vibrantes da emoção quando ela começou delicadamente a despir-se abraçou-a pela cintura como chama escaldante e os dois ajoelharam num fino tremor que lhes atravessava o corpo como prenúncio de terramoto ela apertou-lhe a face entre as mãos e colou a sua boca à dele numa avidez devoradora abriu as entranhas num vulcão de lume e a um passo do céu sentiram um novo tempo a eternizar a vida.

Uma hora depois seus corpos jaziam abraçados no chão envoltos num pegajoso manto de suor um sorriso doce caía dos olhos semi-cerrados e dos lábios ligeiramente entreabertos dessa eterna imagem que nunca mais haveria de libertar-se do Poema Azul onde a luz de sempre que a noite amanhece muda o espaço inverte o tempo descobre o sonho e no mais fundo do ser a dimensão aparece.

Uma hora mais até que os corpos se descolassem e uma profunda tristeza começasse lentamente a invadir-lhe a alma à medida que o sangue arrefecia e o coração insistentemente repetia Nunca mais nunca mais.

Voltou a vê-la dois anos depois num cruzar de olhos e quatro anos depois quando ela lhe ofereceu a face e um sorriso onde umas finas rugas se inscreviam e diziam Nunca mais.

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