Mil Milhões para os Bancos

Os bancos já têm garantidos mil milhões até ao fim do mês. Se os políticos que temos estivessem interessados em ter uma campanha eleitoral para informar os cidadãos, então este seria seguramente um dos pontos em discussão – dadas as circunstâncias, talvez o único ponto em discussão. Em vez disso perderam-se em agitar bandeirinhas, pequenos insultos, chicanas políticas e outros jogos de crianças, tratando o cidadão eleitor como débil mental. O PS/D + PP tentou a todo o custo iludir esta questão. Afinal que interessa para umas eleições a política económica e social dos próximos anos? – Para os políticos, absolutamente nada.

Assim, porquê tanta pressa em disponibilizar o dinheiro aos bancos? – que ainda há pouco diziam estar perfeitamente capitalizados. – O motivo é simples, os bancos portugueses estão falidos, e não sou eu quem o diz, é o próprio governo. Se lerem o Memorando de Políticas Económicas e Financeiras, ontem divulgado pelo FMI, mas que já era do conhecimento público há muito tempo, poderão ler:

 


 

1. A economia Portuguesa enfrenta desafios consideráveis. Os indicadores de Competitividade têm sofrido, o crescimento económico tem sido anémico e o défice da balança de transacções correntes está em 10 por cento do PIB. A crise mundial expôs a fraca posição orçamental e financeira de Portugal com a dívida pública em cerca de 90 por cento do PIB no final de 2010 e a dívida do sector privado em cerca de 260 por cento do PIB. Os bancos que financiaram esta acumulação de dívida têm agora o maior rácio de empréstimos sobre depósitos na Europa.

 

Neste parágrafo admite-se preto no branco que o problema dos privados é muito maior do que o problema do estado e admite-se também que os bancos estão de tal forma endividados, que são os que gastaram mais dinheiro em relação ao dinheiro que tinham, em toda a Europa. O facto de necessitarem de ajuda quer dizer que não conseguem cumprir as suas obrigações, sendo que esta é uma das definições aceites de falência.

 

O problema compõem-se porque mil milhões nem dão para começar. É por isso que, fazendo as contas da Troika, é fácil de ver que temos destinado aos bancos um montante tremendamente superior:

 

Secção Descrição Valor
2.1 Garantia do estado aos Bancos 35000ME
2.4 Veiculo de suporte à solvência bancária 12000ME
2.12 BPN 5000ME
Total 52000ME

(Valores retirados do Memorando da Troika, excepto o do BPN.)

 

Está certo que os 35000ME são dados em garantia (que eu tenho a certeza os nossos bancos terão imensos problemas em usar…) e os 12000ME só serão usados temporariamente. Mas com os bancos as coisas nunca funcionaram assim, o BPN é apenas o último exemplo: uma operação que tinha probabilidade de dar lucro (segundo os lunáticos que habitam o MdF), acabou por ficar 100% à conta do estado. Logo tenho muito receio, receio que os 52000ME sejam mesmo destinados aos bancos. E claro, estou a resolver a embrulhada do BPN de forma muito barata, lembram-se? – era suposto custar 700 milhões de euros, que ainda por cima se recuperariam com a venda do banco. – Pois, em Janeiro de 2010 já tinham sido injectados 4200 milhões de euros e ninguém sabe onde vai parar…

 

Se já tínhamos um problema grande, como ficará esse problema se esta “ajuda” não funcionar? – Literalmente vamos ver-nos gregos. E com toda a certeza isso vai acontecer.

Se a Irlanda e a Grécia servirem de exemplo, nem esse astronómico montante vai ser suficiente. Já aparecem economistas a confirmar as suspeitas, ainda ontem se noticiava que o valor da bolha imobiliária excede o do resgate:

 

O economista Jorge Landeiro de Vaz avisa que existe em Portugal uma «bolha imobiliária» com um valor superior ao resgate acordado com a troika. Uma bolha de 90 mil milhões de euros, segundo as suas estimativas. Ora a assistência financeira a Portugal é de 78 mil milhões. [Agência Financeira]

 

Isto quer dizer que há 90000ME (financiados quase na totalidade pelos bancos) em apartamentos que não se conseguem vender. Se as contabilidades não fossem feitas como se sabe e se os activos dos bancos fossem avaliados aos preços de mercado, então os bancos talvez fossem suficientemente pequenos para falhar (para os distraídos, isto é sarcasmo).

 

Notem que este artigo da Agência Financeira também mostra que os bancos estão falidos: Estas casas foram financiadas pelos bancos que por sua vez se financiaram junto de bancos na Alemanha, Espanha, França e Reino Unido, principalmente. Como as casas não se vendem, então não valem nada, logo os bancos que têm essas casas como garantia dos empréstimos vão ter diferenças entre o valor emprestado e o que foi aceite como garantia. Como não acredito que se consigam outras garantias o risco de não pagamento destes empréstimos sobe automaticamente. Esta é uma das razões pela qual os bancos não se conseguem financiar autonomamente. Logo na impossibilidade de cumprir as suas obrigações para com terceiros (devido à indisponibilidade de meios próprios ou de acesso ao crédito), os bancos têm de se considerar insolventes (considero para este post os termos insolvente e falido, sinónimos). Foi por este motivo que os bancos, que num dia não queriam ouvir falar do resgate, no outro dia começaram a apoiar a intervenção da Troika, face à possibilidade de deixarem de poder aceder à liquidez proporcionada pelo BCE (48000ME no inicio de Maio) e devido ao facto do BCE ter deixado de comprar dívida no mercado secundário (obrigando os bancos a ficarem com a dívida).

 

Neste momento o que importa é salvar os bancos e mais importante que isso, os respectivos credores (que são os bancos alemães, britânicos, espanhóis e franceses). Todo este circo tem apenas o condão de adiar um pouco mais o problema. Fiz um post sobre este assunto relativamente à Irlanda, os motivos relativos à Grécia e Portugal são os mesmos.

 

Deixo uma dúvida final. Porque motivo os defensores dos mercados e da livre concorrência não deixam esses mesmos mercados funcionar? – Deixem os bancos ir à falência! – Quanto mais depressa desalavancarmos o sector financeiro, mais depressa poderemos pôr em ordem a economia. Como estamos a fazer agora, vamos apenas adiar o problema à custa do sofrimento das pessoas, com medidas de austeridade que não vão contribuir em nada para resolver seja o que for.

Em vez de dar dinheiro a incompetentes (os administradores dos bancos são incompetentes dado que destruíram a sua própria industria) crie-se um banco com regras de decência que alimente a economia real. O dinheiro que vamos dar aos incompetentes seria mais do que suficiente.

Comments

  1. Pedro M says:

    Excelente texto, merece divulgação

  2. Carlos Fonseca says:

    Helder, um texto de qualidade. Directo ao alvo. Sim por que é que os políticos do PS, PSD e CDS falam de dívida soberana e ignoram o brutal endividamento externo alavancado pela Banca? É a irracional defesa do automatismo de funcionamento do mercado.


    • Obrigado, este assunto anda tão afastado dos órgãos de informação que chego a pensar ser eu quem está a fazer uma grande confusão.

      Não estou a ver é onde entra a parte do automatismo, estes tipos (governo) estão a levar os mercados “ao colo”. Se deixassem os ditos funcionar se calhar estávamos melhor. Se tivessem cumprido a função de reguladores e fiscalizadores, garantidamente estaríamos muito melhor.

      É o que dá dar o poder a irresponsáveis ignorantes – chego a ter pena do Teixeira dos Santos.

  3. Nightwish says:

    Falir falir não podem. Podiam era venderem-se às postas ao estado a troco de dinheiro se não quisessem falir.
    Mas como é tudo gente séria e responsável, temos isto. E qualquer dia sangue nas ruas.


    • Porque não? Os bancos podem sem dúvida falir.

      O estado tem obrigação de proporcionar o ambiente adequado para que a economia se mantenha saudável. No caso de um banco abrir falência julgo que os primeiros credores são os depositantes, se os activos não chegarem para cobrir os depósitos então acciona-se o fundo de garantia bancária, se o fundo tiver problemas em cumprir, então o estado deve dar a sua garantia. Mais do que isso, o estado não deve fazer.

      Os bancos neste momento, de qualquer forma, não estão a emprestar (mesmo quando conseguiam empréstimos do BCE investiam em dívida soberana em vez de estimular a economia), ou seja não estamos a falar, propriamente, de instituições que sejam fundamentais para a economia ou que se possam considerar “pessoas” de bem. Porque cargas de água temos de carregar com estes inúteis!?

      Por outro lado, se construirmos um novo banco, dedicado às pequenas e médias empresas (as grandes financiam-se na mesma), em que os créditos sejam dados por mérito do projecto e não em troca de luvas ou amiguismos, onde o CA seja escolhido em termos de competência, então estaremos a criar um valor. Valor esse que poderá ser privatizado quando a economia começar a melhorar.

      Note que não é necessário muito dinheiro para construir um banco destes, com o dinheiro que já se gastou no BPN, muito provavelmente fazia-se a festa.

      Isto teria indubitavelmente acontecido se os políticos trabalhassem para os cidadãos, e não para os banqueiros. Estamos a assistir à violação do país, à destruição da economia durante os próximos 10 anos se as coisas correrem muito bem.

      Outra nota, não acredito num segundo na qualidade dos activos dos bancos, logo não quero que o estado os compre.

  4. Ana Duarte says:

    Óptimo artigo, parabéns. Pena que muitos portugueses não entendam, ou não queiram entender, a situação. Não consigo compreender como o povo vai em campanhas eleitorais, atrás dos politicos com beijos e abraços. Deveria haver mais artigos como este e mais divulgação para o povo português abrir os olhos.

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