Pediram-lhe desculpas? Quando?

O Rei de Espanha feriu a sensibilidade dos espanhóis. Partiu de férias quando não devia e em Monarquia, o dever é tudo. Pela primeira vez na história do país vizinho, um titular de um cargo político escusa-se por um erro. O Rei foi o primeiro a fazê-lo. É natural, por isso mesmo é o Rei.

Mas sendo nós portugueses, convém termos a consciência disto: já alguém, alguma vez lhe pediu desculpa?

Alguma vez escutou qualquer escusa a propósito das perseguições políticas, espancamentos públicos, assaltos e destruição de jornais, invasão de propriedade, eleições fraudulentas, subversão da ordem da Carta Constitucional, assassinatos patrocinados pelos mais altos titulares do poder político, destruição da economia, corrupção generalizada e fuga em massa de população durante a I República Portuguesa?

Nunca.

Alguma vez ouviu qualquer um dos antigos hierarcas da II República penitenciarar-se pela ditadura, prisões arbitrárias, julgamentos farsa, tortura de opositores, assumido e satisfeito desleixo na formação cívica e intelectual da população, irresponsável política ultramarina que significou o desastre para 30 milhões de criaturas, ou a arrogância imobilista que a mania da exclusividade no poder implicava?

Nunca.

Alguma vez escutou Spínola, Costa Gomes, Eanes, Soares, Sampaio ou Cavaco reconhecerem os escabrosos e sempre bem escondidos eventos da descolonização, a liquidação do aparelho produtivo durante o PREC, as ocupações, espancamento de “miúdos fascistas de uma Associação de Estudantes” no COPCON, saneamentos selvagens, ruinosos tratados de adesão à então CEE, a entrega do país aos milhafres da plutocracia internacional que conduziram à perda de centenas de milhar de postos de trabalho, ao abandono dos campos e da faina marítima? Alguma vez ouviu gente persignar-se por vergonhas como a dissolução parlamentar de Sampaio, os deboches imobiliários, as escutas ilegais, a paródia da Justiça a soldo dos omnipotentes, o Caso Emáudio, o Freeport, os parasitários “estudos” para aeroportos, contentores e TGV, as bilionárias derrapagens orçamentais nas obras públicas, o arrasar dos nossos centros urbanos, as vigarices banqueiras que envolviam acções “fora de bolsa”, as transferências secretas de incalculáveis somas para paraísos fiscais, as propriedades jamais registadas ou indexadas ao fisco?

Nunca, a III República jamais o fez ou fa-lo-á.

O Rei de Espanha desceu do seu trono e pediu desculpas pela falta de sensibilidade. Não cometeu qualquer acto ilegal, não perjurou, roubou ou conluiou fosse com quem fosse. Partiu de férias na pior altura e apenas por isso mesmo, foi alvo de uma bem coordenada “campanha de indignição pública”, excelente válvula de escape para os mesmos de sempre, precisamente aqueles que trazem hoje a Espanha para um dos piores momentos da vida deste regime que já conta duas gerações.

Percebem a diferença?

Comments

  1. Tito Lívio Santos Mota says:

    eu passo muito bem sem as desculpas.

    A quem governa não se lhe pede desculpas mas explicações.

    Ora as explicações deste senhor ainda foram piores que as culpas.

  2. patriotaeliberal says:

    Se bem me lembro…..

    «Devo pessoalmente um pedido de desculpas ao país por estar a fazer aquilo que disse que não gostaria de fazer e que não achava que devesse ser feito», afirmou Pedro Passos Coelho, em conferência de imprensa na sede nacional do PSD, em Lisboa.

    Embora pedir desculpas não me paguem as contas…..

  3. kalidas says:

    O Rei matador de elefantes e Santiago matador de mouros, entendem-se, vão falar os dois. Ele devia era pedir desculpa aos pais do elefante morto e ser obrigado a trazê-lo ás costas para o Escurial. Para um cristão, mesmo que seja Rei, matar por prazer, por gozo, isto é pecado mortal. Se Santiago não lhe acode, ainda vai parar ao Inferno.

  4. Verdade! Em Portugal, os responsáveis não pedem desculpa. Não faz parte da nossa “cultura”. Todavia não se iluda com desculpas públicas. Muito menos tente “colar” a atitude a um qualquer mérito especial da realeza…. Os EUA são os maiores “pedidores de desculpa” que conheço e nunca tiveram rei… Nestas coisas da política existe uma tremenda hipocrisia. Por vezes “pedir desculpa” é a saída mais airosa – e que mais “colhe” – quando o embaraço é grande…. O não pedir desculpa por parte dos governantes da nossa terrinha apenas revela que ainda são algo “inocentes” (ou primários!) no marketing político… Quando começarem a escusar-se ainda os vou olhar com maior desconfiança. 😉

  5. JoãoG says:

    Um homem dominado pelo histerismo é uma coisa deselegante.
    Não defenda o erro.
    O próprio reconheceu a sua própria baixeza.

  6. MAGRIÇO says:

    Porque gostaria de viver numa sociedade evoluída, em que os meus semelhantes não tivessem quaisquer tipos de limitação intelectual nem se deixassem formatar por ideologias mais ou menos redutoras, uma das coisas que mais me entristece é a vulgaridade de espírito evidenciada por quem cultiva, mesmo que seja inconscientemente, o sectarismo.
    Na política, no desporto ou por crença mística, o sectarismo leva à cegueira intelectual, que não admite diferenças de pensamento nem reconhece os erros próprios. Esta filosofia de vida é tremendamente castradora e merece, da parte de todos, um esforço, não para a abolir de vez, que seria utópico, mas, pelo menos, para a reduzir substancialmente.

  7. ele pediu desculpa por ser presidente honorário da WWF-Espanha & entreter-se a matar elefantes ao mesmo tempo?…
    não me parece.
    http://www.wwf.es/noticias/sala_de_prensa/?21020/WWF-Espaa-pide-una-reunin-con-la-Casa-Real-por-el-caso-de-la-caza-de-elefantes-del-Rey-Juan-Carlos

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