O ministério da Educação criou o projecto-piloto do agora chamado ensino vocacional. Como poderão ler no portal do governo ou na portaria, se tiverem paciência, o projecto é dirigido, segundo parece, a alunos que “queiram optar por uma vertente de ensino mais prática.” Para isso, os referidos alunos – que já queriam optar pela referida vertente de ensino – serão sujeitos a “um processo de avaliação vocacional que demonstre ser nesse momento a via mais adequada às necessidades de formação dos alunos.” Faz-me um bocado de confusão que os alunos queiram optar por uma via e que, para poderem optar por essa via, tenham de ser sujeitos a um processo que poderá permitir-lhes enveredar pela via que… tinham escolhido.
Logo a seguir, ficamos a saber que o “ensino vocacional será particularmente recomendado aos estudantes que manifestem constrangimentos com os estudos do ensino regular e procurem uma alternativa a este tipo de ensino. Para ingressarem nesta via, os alunos devem ter a idade mínima de 13 anos. Será particularmente recomendado aos alunos com duas retenções no mesmo ciclo ou três retenções em ciclos diferentes.”
Apesar de não ter tempo, gostaria muito de desenvolver esse conceito de “constrangimento com os estudos do ensino regular”. Já imagino um aluno mais esperto a explicar por que motivo não estuda:
– Ó “stor”, estou um bocado constrangido com os estudos.
Do segundo excerto, ficamos, afinal, a saber que o ensino vocacional é “particularmente recomendado aos alunos com duas retenções no mesmo ciclo ou três retenções em ciclos diferentes.” É certo que o texto que tenho estado a comentar é o que consta do portal, mas fica-se com a impressão de que um aluno pode escolher o ensino vocacional se quiser “optar por uma vertente de ensino mais prática”, não sendo, portanto, obrigatório, que se verifiquem os tais “constrangimentos”.
Após uma leitura na diagonal, julgo que a portaria não contempla a hipótese de que alunos sem “constrangimentos” possam escolher o ensino vocacional.
Temos, então, o ensino vocacional como uma proposta que visa combater o insucesso escolar, levando os alunos a enveredar por um percurso profissionalizante. Não sei se estão a perceber, mas acredito que não seja fácil.
Imagine o leitor: um aluno, por variadíssimas razões possíveis, revela dificuldades de compreensão na língua portuguesa, não consegue realizar algumas operações matemáticas e tem dificuldade em perceber os mecanismos da História, entre outras insuficiências. A esse aluno o ministério da Educação dirá:
– Como tens esses problemas, vais, agora, praticar um bocado de marcenaria ou desmontar uns computadores ou fazer respiração boca-a-boca a um boneco e, de repente, vais ficar a saber Português, Inglês, História, seja o que for.
Quando se impunha que a escola tivesse turmas pequenas, professores em quantidade suficiente para que houvesse apoios, técnicos especializados ou verdadeiro acompanhamento das famílias, Nuno Crato cria uma coisa parecida com os Cursos de Educação e Formação, que ainda existem, e faz de conta que está a resolver problemas. Impunha-se, ainda, que o ensino profissional deixasse de ser visto como um paliativo ou como um disfarce.
Querem apostar em como o balanço do projecto-piloto do ensino vocacional vai ser positivo e que haverá pressões para que tudo corra bem? Nada de novo: Maria de Lurdes Rodrigues tem barba e usa óculos.
Porra! tanto trabalho, tanto cuidado do Crato, tanta sabedoria. O homem até é Doutor. E desdenhar-se assim de um acto deste calibre. É obra! Que más línguas.
Eu acho que está aqui a explicação do porquê de Portugal não passar de cepa torta.