Mais Maias (?)

eçaO Expresso, sempre pronto para bizarrias editoriais, lançou mãos à empreitada de, não só editar o original de Os Maias, mas continuá-lo e dar-lhe um fim na convicção, porventura, de que Eça de Queirós, conquanto fosse um escritor diligente, não tinha fôlego para dar conta, sozinho, da tarefa ingente de concluir a obra. Para isso mobilizou escritores – como Peixoto e Agualusa – e outras pessoas – como Clara Ferreira Alves.

Não me entendam mal. Nada tenho contra o facto de estimular o emprego nos vários sectores da edição – desde o escritor ao livreiro – e reconheço que a vida está difícil para todos. Assim, o Eça, coitado, depois de ter visto editado um romance que ele próprio rejeitou (A Tragédia da Rua das Flores), vê agora continuado um romance que, na sua arrogante convicção, pensou ter acabado. Ele e os milhões de leitores – os voluntários e os em boa hora obrigados pelo programa do Ensino Secundário – que, na sua ingenuidade, julgavam ter lido a obra completa. Já nem falo dos muitos e ilustres ensaístas que dedicaram uma vida a trabalhar sobre este equívoco (embora Carlos Reis não hesite em incluir nisto a sua “Introdução à Leitura d’Os Maias”).

Por mim, confesso: tal como não li a “Tragédia…” – se o seu autor a abominava, eu respeitei a sua opinião – não faço a menor intenção de ler este folhetim escrito nas defuntas costas do seu autor. Há lá escritores estimáveis e dos quais gosto? Há. Mas, por mim, vão ficar a falar sozinhos. Embora possa ser estimulante para alguns ler a fulgurante conclusão que a Clarinha vai dar à obra-prima de Eça. Que, por este andar, ainda se transforma em obra-tia. A iniciativa do Expresso designa-se, no seu comemorativo conjunto, “Eça Agora”. Essa agora!!

Comments

  1. lidia drummond says:

    É pá nunca estão satisfeitos. TUDO os desilude, se não é du cu é das calças, Até parece o Woody Allem quando era um misantropo, antes de papar a filha adoptiva. Escreveu um livro cheio de depressão que terminava com a seguinte citação: “ANTES ME QUERO RIR DO QUE ME QUERO VIR” Depois de papar a miuda, mudou de idéias. SIGA O CONSELHO DO ALLEN e não seja tão derrotista. A VIDA É BELA

    • Quem é derrotista, minha amiga? Não eu, que até acho piada a isto. Viu a entrevista dos autores no JL? Os verdadeiros escritores (Peixoto, Agualusa, Rentes de Carvalho, já se estão a demarcar da encomenda – “que não é bem como dizem, nós vamos fazer outra coisa, era o que faltava”, etc e tal…). O Zambujal, um tipo porreiro que todos gostávamos que fosse o nosso vizinho do lado, está-se nas tintas e por ele tudo bem (saia mais um copo…). A que está mais longe da condição de escritora, a Clarinha, não hesita em afirmar que está à altura de continuar o livro do Eça. É a arrogância dos tolos. Já agora e para sermos justos: a jovem a que se refere não era filha adoptiva de Woody Allen mas da maluca da Mia Farrow. Coitado do homem nem a conhecia, já que ela não morava com eles. Além disso tinha vinte e tal anos, era maior e vacinada e – espante-se – ainda, depois de todos estes anos, vivem juntos e felizes. Vê? Um happy end!

  2. manuel.m says:

    O “pecado” não é original :
    A celebrada escritora inglesa P.D. James ( a quem a Raínha atribuíu o titulo de baronesa pela sua contribuição para a literatura britânica) publicou recentemente uma “continuação” muito ao seu estilo da obra de Jane Austen “Orgulho e Preconceito”.
    Em “Death comes to Pemberley” , ou “A Morte vem a Pemberley”, voltamos a encontrar Mr. Darcy e Elizabeth, desta vez às voltas com problemas mais sinistros e menos romanticos.
    A critica essa dividiu-se, muito embora fosse unanime no louvor ao talento literário da autora.
    Oxalá aqueles que foram escolhidos para “continuar” “Os Maias”
    sejam bem sucedidos.
    Como curiosidade relato que não há muito tempo assisti aqui em Londres uma adaptação ao teatro da obra do Eça, feita por uma portuguesa e servida por actores de grande craveira. Ver “The Maias” representado em inglês, uma experiencia verdadeiramente inolvidavel !

    • Começo, meu caro, por manifestar a minha inveja, já que também gostava de ter visto a adaptação teatral de que fala. Quanto ao resto, não ignoro que o “pecado” não é original, mas isso não melhora muito a situação. Valha a verdade que três dos autores convidados subvertem o “marketing” do Expresso, ao recusarem absolutamente a ideia de continuação d’Os Maias. E são os três mais ilustres – merecidamente – dos escolhidos. Não duvido que qualquer deles (não incluo o Zambujal já que, sem duvidar das suas qualidades e mau grado a sua simpatia, não está na mesma divisão) é capaz de fazer obra asseada, mas isso, nas suas próprias palavras – Jornal de Letras 24/7 a 6/8 – passa por recusar em absoluto – e como absurdo – a ideia de continuar Os Maias. Só Clara Ferreira Alves (para mim, o que há de menos parecido com um escritor neste grupo) alegremente se considera à altura da tarefa. Sem reservas. Livros há muitos, como diria o outro. Nunca os leremos todos. Por isso, é natural que se escolha o que se lê e isso passe por recusar o que não se quer ler. A menos que, como acontece na escolha dos restaurantes, um daqueles amigos em cujo critério confiamos nos recomende alguma destas variações sobre Os Maias. Repare que a minha resistência não tem a ver com alguma espécie de purismo (tuche pas mon livre!…). Vi com disponibilidade as adaptações que do romance foram feitas em cinema, seriado televisivo e até, imagine, era eu um miúdo, uma adaptação teatral por uma companhia itinerante que, em tempos, percorria o país!…(Rafael de Oliveira, alguém se lembra?…). Leia-se, pois (mas, por favor, não antes de ler Os Maias propriamente ditos!).

  3. nightwishpt says:

    Mais intragável não pode ficar… Ao menos pode-se tirar boa nota no exame nacional sem o ler.

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