O secretário de estado do secador de cabelo

Artur Trindade

O governo espanhol proibiu a produção de electricidade a partir de fonte solar para consumo próprio e, cinicamente, o governo português fez o mesmo, vendendo uma restrição como sendo uma libertação.

«Até agora, a produção de electricidade com vista ao autoconsumo era “uma realidade que não estava legislada”, explicou o governante sobre o diploma que também introduz alterações ao regime da microprodução.» (i online)

Meu deus, vivíamos na ilegalidade! Mas agora estamos melhor. Por exemplo, havendo lei, poderão existir multas a aplicar. É só vantagens.

«O novo regime, que foi publicado em Diário da República no passado dia 20 de Outubro, estabelece que há isenção de controlo prévio no caso das instalações mais pequenas, com potência de ligação inferior a 200W, enquanto nas instalações com potência instalada de 200W a 1,5kW é necessário apenas fazer uma comunicação prévia à Direcção Geral de Energia e Geologia, desde que o consumidor não pretenda injectar energia na rede pelo preço do mercado grossista.» [Dinheiro Digital]

Dai salvas pela magnanimidade, ó povo ingrato. Artur Trindade, secretário de estado dos painéisinhos, trouxe-nos a abundância em forma de lei, permitindo-nos usar a nossa lanterna com células fotovoltáicas sem ser preciso informar o ministério. E, como se não fosse bastante, se quisermos ligar o secador de cabelo directamente ao painel solar, basta fazer uma comunicação prévia – notes-se: prévia – à direcção geral das calculadoras solares.

Mas, atenção, se quiser alimentar com painéis solares o seu secador de cabelo e, simultaneamente, o carregador da lanterna, requerendo uma perigosa potência de 1502 watt, não se esqueça, «terá de fazer registo prévio da instalação e aguardar por uma vistoria técnica.».

Felizmente que o governo é honesto e não mente ou já estaríamos a desconfiar das motivações desta lei.

Comments


  1. O aviso – prévio – está feito, não tem como enganar…


  2. Primeira parte, plenamente de acordo: o “governo mais liberal de sempre” a regular cada vez mais, há aqui algo que não bate certo. Socialismo à prova de bala, é o que é.

    Segunda parte, não. Não é assim que funcionam sistemas de geração eléctrica. Ninguém (ou melhor, ninguém que bata bem da bola) instala 1,5kW de painéis para consumo instantâneo – para isso é que foram inventadas as baterias.

    Exemplo prático: em 2014 consumi 2.812kWh de electricidade. Isso dá cerca de 7,7kWh diários. A preços actuais, dá pouco mais de 600€ (tirando potência contratada, contribuições audiovisuais e quejandos).

    Um sistema com potência instalada de 1,5kW de pico vai gerar, numa hora e em condições ideais, 1,5kWh (notem a diferença das unidades). E quantas horas em condições ideais teremos num dia? Basicamente nenhum, mas como Portugal até é um país solarengo, temos muitas horas de geração a 60% ou 70%. Para simplificar, e fazendo as contas por baixo, vamos jogar com um multiplicador de 4.

    O que quer dizer que a minha instalação 1,5kW vai-me gerar 6kWh por dia. Pouco mais do que 75% do meu consumo, portanto. Ou uma poupança anual de 450€.

    E quando custa a instalação de 1,5kW (seis painéis, inversor, umas 10 baterias)? Para aí 4.500€, já com IVA. Que se pagam (não é óptimo quando as contas batem certinhas?) em 10 anos, mais coisa menos coisa. Que, por sinal, também é mais ou menos quanto duram as baterias em condições, e os painéis também já devem estar a precisar de manutenção.

    Pessoalmente, acho que ainda não é boa ideia, do ponto de vista económico, investir em sistemas de geração fotovoltaicos, a menos que surja uma boa oportunidade na compra do equipamento.

    Mas não digam que não dá para ligar um secador. Isso é confundir alhos com bugalhos.

    • j. manuel cordeiro says:

      Tirando a desmontagem do spin (apresentar como vantagem a limitação do que era livre), este é um texto satírico para levar tão a sério como qualquer artigo do Inimigo Público.

  3. Nightwish says:

    A filha-da-putice não tem limites.Além de, mais uma vez, quebrarem um acordo implícito entre o estado e o contribuinte, cagam para kyoto e para as multas europeias e fazem um broche à edp para terem uns tachos onde sentar o cú daqui a seis meses.
    Não há aí um terrorista qualquer que nos salve desta gente?

  4. em vias de ser privatizado says:

    Privatizam o Sol e o Vento. A Água já foi. Talvez a chuva a seguir. As praias e o mar. As estradas, as pontes, a paisagem. O trabalho, de escravo. Que mais falta para privatizar a vida?
    Saramago perguntava:
    Porque não privatizam a —- que os pariu?


  5. Já dizia S. Paulo aos romanos: “Mas, eu não conheci o pecado, senão por meio da Lei. Assim, não teria conhecido a cobiça, se a Lei não dissesse: Não cobiçarás. O pecado aproveitou-se da ocasião dada pelo mandamento e provocou em mim toda a espécie de cobiça. É que, sem a lei, o pecado é coisa morta.”
    Eu tenho uns candeeiros no jardim alimentados por painel solar. Acham que devo chamar a inspecção?


  6. Num país em que a população aceita sem quaisquer manifestações de desagrado os lobbies e grupelhos instalados nada disto admira. Nas próximas eleições lá teremos mais do mesmo, a avaliar pelas mais recentes sondagens.


  7. Reblogged this on O Retiro do Sossego.