André Serpa Soares
Não sei se é fenómeno nacional ou global mas, pelo menos em Portugal, é certo que não temos cultura de exigência.
Tendemos a relativizar as falhas dos poderosos, assim como desvalorizamos as dos que nos são mais próximos, desde aqueles com quem convivemos na nossa actividade profissional, até aos nossos familiares e amigos. Provavelmente, até acabamos por ser mais exigentes com estes últimos do que com os outros.
Isto nota-se em quase tudo, desde a larga tolerância à falta de pontualidade – confesso que é algo que me encanita – até à forma como aceitamos, de forma mais ou menos passiva, os erros e omissões daqueles que pregam o rigor e têm a obrigação de ser um exemplo.
Na política, por exemplo, em nome de um putativo pragmatismo e defendendo a escolha do “mal menor”, deixámos de acreditar e pouco exigimos. São já clássicos da nossa cultura política frases como “rouba mas faz”, “é mau, mas os outros são piores” ou, ainda mais triste e habitual, “são todos uns ladrões mentirosos”.
Esta cultura leva muitos a demitirem-se da sua cidadania, começando logo pela abstenção em eleições, passando pelo reduzidíssimo empenhamento na vida da Polis – por exemplo, não raramente, é difícil conseguir quórum para reuniões de condomínio – e, no cúmulo, a enganar o “sistema” em tudo o que puderem (nas obrigações fiscais, na relação com a entidade patronal, até nas relações interpessoais, em que se investe mais na aparência e menos no conteúdo).
“Pode alguém ser quem não é?”, pergunta Sérgio Godinho numa das suas canções. Pode, desde que pareça ser essoutro que não é nem nunca foi. Um mundo de aparências, com o qual nos conformamos.
Mas, como perguntava Birgitte Nyborg, personagem da excelente série dinamarquesa de TV “Borgen”, “quando é que desistimos de ser idealistas?”
Acrescento eu, quando é que desistimos de acreditar que o mundo pode ser melhor, mais justo e equilibrado? Quando é que desistimos de acreditar que podemos e devemos contribuir para essa mudança?
Reside em cada um de nós o poder e o dever de fazer melhor. De se envolver. De contribuir. De participar. Se apenas nos preocupamos com o nosso bem-estar, desistimos do mundo. E, sem mundo, somos pouco. Quase nada.
Tudo começa, creio, numa cultura de exigência. Primeiro, connosco próprios. E depois com tudo o que nos rodeia, começando desde logo pelos que devem ser, pelo papel central que têm na sociedade, exemplares.
Desistimos de ser idealistas nuns casos por comodidade, noutros porque não somos ensinados e incentivados a sê-lo. Defender ideais é visto como o que não é politicamente correcto, se criticamos a pessoas A ou B ganhamos inimigos, se discordamos da opinião dominante somos rotulados depreciativamente instaurando-se a ideia que a opinião diferente é destrutiva, por isso baixamos a cabeça, fingimos que não existe mundo para além do nosso círculo individual. Como diz o ditado popular, se não vemos, não sentimos, por isso fingimos que não existem pessoas a passar por dificuldades, esquecemos que neste país e neste mundo existe quem subsiste, quem sobrevive e não vive.
Mas o que interessa isto tudo? Acordamos de manhã, cumprimos o que julgamos ser a nossa obrigação diária e voltamos para casa, para os nossos sofás, computadores e iphones, na prática prostituímos o nosso idealismo.
Defender que a sociedade não pode continuar a degenerar-se até à total insensibilidade, que o lucro não se pode sobrepor a tudo, traz dissabores e não é cómodo, por isso fica para outro dia.
“Vais votar nas próximas eleições? Não sei, eles são todos iguais! “
PS: A 2ª pessoa do plural foi usada abusivamente.
Excelente texto!
Na linha do post abaixo referido…
http://odesconcertodomundo.wordpress.com/2014/12/04/o-preco-da-alienacao/